O Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal na última terça-feira (25). Ainda que a decisão do STF não legalize o porte da substância, isso flexibiliza o seu consumo (que passa ter natureza administrativa e não criminal) e resgata o debate sobre o seu uso.
Uma das dúvidas mais frequentes sobre o uso de maconha é quanto aos efeitos colaterais causados pela erva. Segundo a psiquiatra Cíntia Braga, é falsa a informação de que a maconha queima neurônios. "Essa é uma das fake news mais bem sucedidas, ao lado da que manga com leite faz mal e que quebrar um espelho traz sete anos de azar", brinca.
Lenda que começou nos anos 70
De acordo com a especialista, essa ideia do dano cerebral foi amplamente difundida na época em que se iniciou o programa de guerra às drogas, durante o governo do presidente Nixon, nos EUA." Ela vem de um estudo conduzido no início dos anos 1970, na universidade Tulane – o “Tulane Study”, como ficou conhecido", diz a médica.
O estudo citado pela médica consistiu em submeter macacos à inalação contínua do produto da combustão do equivalente a 30 cigarros de maconha por dia. Esse estudo durou alguns meses e teve como desfecho, obviamente, o óbito dos macaquinhos: os cérebros desses animais foram analisados e uma redução volumétrica foi observada. Logo, interpretou-se que a maconha matou os neurônios desses animais, o que resultou na redução volumétrica.
Estudos posteriores, porém, não conseguiram replicar os mesmos achados. "Pesquisas recentes mostram, inclusive, melhora da plasticidade cerebral em ratos, quando ofertados fitocanabinoides. Ratos idosos conseguiram desempenho cognitivo superior ao de ratos da mesma idade que não consumiram tais substâncias. O desempenho deles foi semelhante ao de ratos mais jovens (entretanto, o mesmo bom desempenho não foi observado em ratos jovens que consumiram fitocanabinoides)", analisa Cíntia.
Na opinião dela, os fitocanabinoides e o sistema endocanabinóide são ferramentas e alvos terapêuticos importantes quando se trata de saúde do tecido cerebral, sendo objetos de muitos estudos na atualidade.
"Maconha não mata neurônio"
Entretanto, ela ressalta: isso não quer dizer que o uso da maconha por menores de idade e/ou um uso abusivo e crônico deve ser incentivado. "Nas crianças, adolescentes e adultos jovens (até cerca de 25 anos), o sistema nervoso central ainda está em formação, bem como o sistema endocanabinóide, que tem íntima relação com o neurodesenvolvimento, está em pleno funcionamento. Não temos dados suficientes para afirmar sobre a segurança e reversibilidade de possíveis danos causados pelo consumo da planta em idades mais jovens".
Ela pontua o fato de que o uso diário e de grandes quantidades de maconha mesmo em adultos com o sistema nervoso central completamente formado também apresenta riscos e prejuízos. Grandes quantidades de fitocanabinoides circulantes podem hiper estimular o sistema endocanabinóide, induzindo algumas condições como déficits de memória, piora de quadros depressivos e motivacionais, etc.
Concluindo: "Maconha não mata neurônio, mas pode ter consequências muito negativas em cérebros jovens ou quando está em excesso cronicamente em cérebros mais maduros".