Entenda morte do voluntário em teste da vacina de Oxford

Participante brasileiro do estudo da vacina morreu por complicações da covid-19; para especialistas, relato de reação adversa não deve criar desconfiança em relação à segurança do imunizante

22 out 2020 - 05h10
(atualizado às 07h30)

Um voluntário brasileiro da pesquisa da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford com a farmacêutica AstraZeneca morreu por complicações da covid-19. A empresa não divulgou se o homem estava no grupo dos indivíduos que receberam o imunizante ou o placebo, mas fonte envolvida no estudo afirmou ao Estadão que a vítima fazia parte do segundo grupo.

Enfermeira segura ampola de candidata a vacina Coronavac em São Paulo
30/07/2020
REUTERS/Amanda Perobelli
Enfermeira segura ampola de candidata a vacina Coronavac em São Paulo 30/07/2020 REUTERS/Amanda Perobelli
Foto: Reuters

O participante da pesquisa era um médico carioca de 28 anos, sem comorbidade. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os testes da vacina não foram paralisados porque o Comitê Internacional de Avaliação de Segurança do estudo concluiu que não há risco para os voluntários.

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Especialistas ouvidos pelo Estadão explicaram que provavelmente os testes de Oxford não foram suspensos pois quem coordena o estudo já tinha a informação se o homem teria recebido ou não o imunizante. "Esse voluntário já estava com a covid havia algum tempo, é bem provável que, quando ele foi diagnosticado, já houvesse tido essa acareação de que ele faria parte de um grupo placebo, se esse realmente for o caso. Sabendo desse evento, sabendo que a morte aconteceu, não é preciso paralisar", disse Rômulo Neris, infectologista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Raquel Stucchi, infectologista, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, também destacou que a fase 3 — os ensaios clínicos mais avançados, em humanos — na pesquisa de novas vacinas existe para que se possa detectar reações graves, além de saber se a vacina é eficaz. "Claro que lamentamos (a morte), mas é algo que a gente sabe que numa fase 3 de vacina você vai analisar exatamente isso, se é eficaz e segura. Isso não traz descrédito (para a vacina da AstraZeneca)", diz.

A paralisação do estudo só é necessária, segundo os especialistas, quando o evento adverso coloca em suspeita a eficiência e segurança da vacina que está sendo testada. "Toda vez que temos algum evento que não é justificado ou que precisa de esclarecimento, o andamento do estudo pode ser interrompido", disse Neris.

O médico infectologista André Giglio Bueno explicou inclusive que eventos adversos são esperados em qualquer estudo clínico. Febre, cefaleia e mal-estar são alguns dos mais comuns, mas eles geralmente não provocam paralisação dos estudos.

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Ele ressaltou ainda que a grande preocupação quando se identifica um evento adverso grave é saber se ele pode estar associado à vacinação e com que frequência isso ocorre. "O objetivo é paralisar para que as pessoas não sejam expostas. Se é identificado que não tem relação causal com a vacina, se faz diagnóstico com outra doença que justifique aquele quadro clínico, aí passa a ter segurança para retomar os estudos."

Quando as pesquisas precisam ser suspensas, o procedimento adotado deve ser a revisão dos dados por um grupo independente e a paralisação de novas aplicações. De acordo com Neris, isso é frequente durante o estudo de vacinas. "Isso é feito no sentido de proteger os voluntários. Caso tenha uma manifestação que pode ser grave, você acaba preservando a natureza dos voluntários", afirmou.

Em setembro, os testes da vacina de Oxford/AstraZeneca foram suspensos por alguns dias em todo o mundo depois que um dos participantes apresentou reações adversas sérias. De acordo com o jornal The New York Times, o participante teve mielite transversa, uma síndrome inflamatória que afeta a medula espinhal e costuma ser desencadeada por infecções virais. O ensaio clínico foi retomado em alguns países, entre eles o Brasil, depois que se observou que a relação benefício/risco se mantinha favorável, conforme informou a Anvisa.

Relato de reação adversa não deve criar desconfiança, diz especialista

Para os infectologistas, a morte do voluntário não traz preocupações em relação à segurança da vacina da AstraZeneca. "O óbito certamente gera uma repercussão maior. Mas é bem provável que não vá ter nenhuma interferência em termos de segurança da vacina e até por conta disso que o estudo não foi paralisado", disse Bueno.

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Neris ainda lembrou que as vacinas são seguras e não há motivo para desconfiança quando há reações adversas. "Todas as vacinas que a gente usa e tem disponíveis são vacinas que praticamente não tem reações adversas. Quando tem, são reações muito leves. As vacinas da covid têm sido feitas em esforço global e com tanta diligência, porque precisamos ter o mesmo grau de segurança e eficiência num espaço menor. Não há nenhum motivo para desconfiança ou descrédito da população de uma vacina em relação à outra, de um evento em relação a outro."

"Quando os dados começam a ser coletados, se analisa quem teve a doença, quem não teve, quem teve ou não infecção, quem veio a óbito ou não, os dados vão ser cruzados. Se a gente observa em um grupo vacinado, por exemplo, que a confirmação da infecção é menor, se você testar o mesmo número de pessoas pelo mesmo tempo. E para quem teve a covid confirmada, se a taxa de óbitos por covid foi menor, isso sim sugere que a vacina é eficaz e que ela cumpriu a terceira etapa... Já o óbito dele (voluntário), estando dentro do grupo placebo, se comporta como um caso de um indivíduo saudável que foi exposto ao vírus e veio a óbito sem relação direta com o imunógeno", explicou o infectologista Neris.

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