Era final de março quando o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, anunciou em uma coletiva de imprensa ao lado do presidente Jair Bolsonaro que o sistema de saúde brasileiro entraria em colapso devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus. Na época, o Brasil registrava 11 mortes pela covid-19 e 904 infectados.
Quase três meses se passaram. O número de mortes no País já passa de 37 mil e o de casos confirmados chega a 710 mil. Mas, a fala de Mandetta sobre o que significa um sistema colapsado ainda ajuda a entender o cenário que alguns Estados, como o Rio Grande do Norte, estão vivendo atualmente: "Você pode ter o dinheiro, plano de saúde, mas simplesmente não há sistema para você entrar", afirmou na ocasião.
Guilherme Rabello, gerente de inovação do Instituto do Coração (InCor), explica, porém, que essa é uma discussão recorrente e não exclusiva apenas do atual momento de pandemia. "O termo é utilizado quando temos uma sobrecarga de demanda nas unidades de saúde. Ou seja, quando temos mais gente precisando de atendimento do que a capacidade que temos para atender", resume.
Durante a epidemia de dengue em 2008, Rabello lembra que o Rio de Janeiro enfrentou um colapso no atendimento ambulatorial e que esse é um cenário recorrente quando há uma necessidade de atendimento muito superior ao que o sistema pode oferecer. Segundo ele, os motivos vão desde a falta de capacitação da equipe média até a escassez de profissionais ou de investimentos em estruturas adequadas.
Colapso no SUS: situação conhecida em diferentes proporções
"A diferença de colapsos registrados em outros anos para o atual é que, antes costumava ser localizado em alguma região ou serviço específico, por exemplo. Sempre algo mais pontual", esclarece. Com a pandemia de covid-19, Rabello explica que perdemos a "margem de manobra porque todos os lugares estão sobrecarregados" e que o colapso é generalizado "porque toda a infraestrutura está sendo demandada ao mesmo tempo".
A situação é ainda mais preocupante em cidades onde o sistema de saúde já funcionava no limite antes mesmo da pandemia. "Em situações como essas, regiões onde a estrutura não está tão comprometida conseguem definir melhor as estratégias de atuação, como a conversão de leitos comuns aos de UTI ou a construção de hospitais de campanha", avalia.
Ainda de acordo com o gerente de inovação do Incor, situações de colapso são decisivas para criar novas estratégias para o futuro. "É como quando um acidente aéreo ou incêndio acontece e se seguem várias discussões e debates sobre quais medidas de segurança devem ser repensadas, quais equipamentos de proteção podem ser incorporados ou quais protocolos de atuação precisam ser revistos", afirma.
É possível evitar o colapso na saúde?
Ana Maria Malik, coordenadora da FGV Saúde, pondera quanto à utilização do termo colapso e acredita que o essencial, de fato, é um debate sobre o desenvolvimento da regulação, sistema criado para direcionar o paciente para os serviços que ele realmente necessita, no momento mais adequado para isso.
"Precisamos oferecer o cuidado correto, no lugar certo, na hora que o paciente realmente precisa", explica. Para Ana Maria, essa é uma das soluções para evitar um quadro onde pacientes procuram determinado serviço de saúde sem que haja uma real necessidade ou outra maneira de solucionar e garantir o tratamento adequado. Dessa forma, é possível garantir que os recursos sejam utilizados de forma mais otimizada.
Esse é um novo comportamento que Kelly Cristina, CEO da Patient Centricity Consulting, acredita ser um novo normal da saúde. "Acredito que a população está entendendo que é preciso utilizar os recursos adequados, no momento correto, para não usar a estrutura de forma desnecessária". É nesse cenário que a telemedicina, por exemplo, pode ser uma ferramenta importante para otimizar a demanda nos hospitais e evitar uma nova sobrecarga na demanda de pacientes em unidades básicas de saúde.
Projeção da consultoria americana Kearney apontou que o Brasil deve entrar em uma fase aguda da crise, com uma falta de aproximadamente 19 mil leitos de UTI para atender pacientes de covid-19 em situação grave.