Há pouco mais de um ano a vida de Larissa Moraes de Carvalho e de sua família mudou drasticamente. Ela entrou bem para fazer uma cirurgia na mandíbula, em um hospital de Juiz de Fora (MG), mas teve uma parada cardiorrespiratória após o procedimento e está em estado vegetativo. Os familiares buscam entender até agora o que ocorreu.
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Larissa tem 31 anos, é farmacêutica e estava cursando o 3º período de Medicina na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) quando o caso ocorreu. Em entrevista ao Terra, o pai da jovem, Ricardo Carvalho, conta que ela se preparou por três anos para fazer a cirurgia ortognática, realizada para corrigir alterações de crescimento da mandíbula e do maxilar.
O procedimento foi marcado para o dia 16 de março de 2023, para ser realizado pelo plano de saúde na Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora, onde sua família reside. Pelo relato do pai, ela não tinha nenhum problema de saúde e fazia exercício físico regularmente.
Pouco depois do procedimento ser finalizado, a jovem teve uma parada cardiorrespiratória, mas não se sabe em que momento exato. O pai conta que a viu sair do elevador, que leva da sala de pós-cirurgia até o quarto onde ela ficaria na enfermaria. A filha estava com o ‘olho meio aberto’ e parecia estar ainda inconsciente.
“Entraram no quarto, colocaram ela na cama. A enfermeira perguntou que cirurgia ela tinha feito e pediu para eu sair do quarto. Achei que era algum procedimento que ela ia fazer, tipo troca de roupa, alguma coisa nesse sentido”, explica. Em seguida, viu um funcionário da unidade entrar no quarto e, pela porta, percebeu que estavam fazendo massagem cardíaca nela.
Liberação pós-cirurgia
A família explica que o prontuário médico indica que ela foi encaminhada para Sala de Recuperação Pós-anestésica (SRPA) às 17h25 e, às 17h45, direcionada ao 9º andar da unidade. Larissa chegou ao andar da enfermaria por volta das 18h02. Nesse intervalo de 17 minutos, conforme Ricardo, ninguém identificou que algo estava errado com a paciente.
"Um trajeto que não levaria um minuto para fazer e não tem nenhum registro em prontuário do que aconteceu durante esse trajeto. Então, foi durante esse trajeto que ela teve a parada”, conclui o pai. Ele também aponta que a determinação para a permanência na Sala de Recuperação Pós-anestésica é de 60 minutos.
Larissa foi reanimada e ficou entubada no Centro de Terapia Intensiva (CTI) da unidade por cerca de um mês e acabou tendo algumas complicações, como pneumonia e infecções urinárias. A estudante ficou entre a vida e a morte e não voltou a ficar consciente. Ela passou quase um ano sob os cuidados do hospital, e há um mês, faz tratamento domiciliar e conta com cuidados 24 horas por dia.
“Ninguém nos procurou [do hospital] para dar uma satisfação do ocorrido. O médico alegava que a cirurgia foi um sucesso. Ele entregou ela consciente”, afirma o pai. Diante da falta de respostas, o caso foi levado para o Ministério Público de Minas Gerais e, em 11 de setembro de 2023, o promotor Jorge Tobias de Souza determinou que a Polícia Civil investigasse o caso.
Indícios de irregularidades
Um inquérito policial foi aberto para apurar o que ocorreu, e tanto a Santa Casa de Misericórdia, quanto os médicos responsáveis pela cirurgia e pela anestesia são investigados. Para entrar com o processo, dois peritos, de São Paulo e do Distrito Federal, foram contratados para apurar toda a documentação obtida pela família com o hospital.
O prontuário médico só foi disponibilizado aos familiares após o pedido no MP, conforme relata Ricardo. Além disso, o promotor pede a apresentação da cópia do procedimento ao Conselho Regional de Medicina para conhecimento e adoção de eventuais providências.
De acordo com o despacho do promotor Jorge Tobias, os laudos periciais concluem pela existência de irregularidades conforme análise dos documentos:
"Evidenciam-se falhas em diferentes pontos da assistência médico-hospitalar prestada, desde o acompanhamento anestésico até cuidados pós-PCR [pós parada cardiorrespiratória], que contribuíram para o desfecho neurológico observado".
“Há indícios de não conformidade com condutas médicas preconizadas em literatura médica e da boa prática assistencial de saúde no atendimento à Sra Larissa Moraes de Carvalho, durante a assistência de saúde no ambiente hospitalar".
No documento que o Terra teve acesso, um dos peritos, o médico Hugo Ricardo Valim de Castro, destaca os seguintes pontos:
- Descrição cirúrgica sem detalhamento dos passos realizados em cada etapa do procedimento;
- Boletim anestésico incompleto e ficha de recuperação pós-anestésica incompleta;
- Registros incompletos e discordantes com relação à assistência à PCR [parada cardiorrespiratória] sofrida pela paciente – não foram informados os profissionais que participaram da assistência, a duração da parada e o motivo pelo qual não se identificou o ritmo da paciente, e há discordância com relação ao número de ciclos de reanimação realizados em diferentes registros.
Além disso, o perito e a profissional Janice Rodriguez de Almeida também frisam que o tempo de permanência de 20 minutos na sala de recuperação anestésica (SRPA) é considerado precoce.
“Essas duas perícias diversas mostram más condutas médicas que levaram a Larissa até esse ponto. Elas foram feitas em lugares distintos justamente para a gente ver o que batia ou convergia”, explicam os advogados da família, Fabio Guimaraes Timponi e Patrícia Quinane Coelho Timponi.
O pai da jovem diz que tentou imagens dos procedimentos realizados, enquanto sua filha estava na unidade, mas não as recebeu. Segundo ele, a diretora da unidade havia dito que as imagens estavam preservadas e separadas, mas quando a Promotoria as pediu, a resposta foi outra. “Quando chegou a resposta do hospital para a Promotoria, eles informaram que não tinham mais imagens”, relembra.
‘Pesadelo’
A rotina da família mudou completamente após a cirurgia de Larissa. Hoje, ela conta com cuidados médicos 24 horas por dia. A mãe dela está de licença médica devido ao estado que ficou por causa da situação da filha, e o pai concilia o trabalho como autônomo com o suporte que todos precisam.
“A gente está vivendo um pesadelo. Destruiu a nossa vida, a vida dela. A gente luta pela recuperação dela. Ela tinha o sonho de fazer Medicina, se esforçou. Nossa vida acabou. Tentaram destruir ela, e a gente tá lutando para que isso não aconteça”, finaliza Ricardo emocionado.
O que dizem as autoridades e a unidade de saúde
Procurada, a Polícia Civil informou que instaurou um inquérito policial para apurar as circunstâncias do fato. A delegacia responsável já colheu depoimentos e está realizando diligências para a apuração plena do caso.
O Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais esclareceu que todas as denúncias recebidas, formais e de ofício, são apuradas, sendo respeitada a ampla defesa e o contraditório. Todos os procedimentos tramitam sob sigilo, conforme previsto no Código de Processo Ético-Profissional.
Em nota, a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora informa que, uma vez instaurada ação na Justiça, em respeito ao devido processo legal, não fará quaisquer comentários sobre o caso fora dos autos judiciais.