Maycom Roger da Silva, 30, relembra uma reviravolta que começou há 7 anos, em uma manhã comum de trabalho. Tudo parecia normal, até que uma fisgada do lado direito do abdômen interrompeu seu conforto. Com sobrepeso na época, ele acreditou que a dor pudesse estar relacionada a isso e seguiu em frente.
"Era um incômodo do lado direito e eu achava que era uma dorzinha qualquer, sem importância", contou Maycom em entrevista exclusiva ao Terra Você.
O rapaz ainda passou a conviver com as fisgadas por duas semanas, sem dar muita atenção, até que a dor ficou mais forte e ele precisou ir para o hospital. Ao ser avaliado, Maycom foi informado que precisaria operar o apêndice e ficou mais tranquilo.
Mas não era "só" o apêndice. Depois de abrir o abdômen de Maycom, o cirurgião encontrou algo inesperado: uma substância gelatinosa cobria seus órgãos. A operação foi interrompida e uma amostra foi enviada para biópsia. Ao acordar, ele ouviu do médico que não havia sido feita uma cirurgia de apendicite e que um especialista daria continuidade em seu caso.
Quando Maycom viu o cirurgião oncológico do Hospital São Marcelino Champagnat, Andrea Petruzzielo, se aproximar, o impacto foi imediato.
“Quando percebi que o médico que vinha conversar comigo era um oncologista foi muito difícil. Eu estava deitado na cama e na hora meu mundo caiu. Senti que havia acabado todos os meus planos, acabado a minha vida ali", conta Maycom.
O diagnóstico final era pseudomixoma peritoneal, uma condição rara em que tumores no apêndice liberam uma substância gelatinosa na cavidade abdominal.
“Nos estágios iniciais, geralmente é assintomático. Com o tempo, pode causar dor abdominal no lado direito, que, ao ser investigada por exames, leva ao diagnóstico de pseudomixoma. O tumor no apêndice pode, inclusive, causar uma apendicite, e o diagnóstico é realizado durante a cirurgia para retirada do apêndice”, explica Petruzzielo em entrevista ao Terra Você.
Em casos mais avançados da condição, o paciente nota um aumento progressivo do volume do abdômen, inicialmente sem outros desconfortos e é comum que a pessoa pense estar ganhando peso. Quando o volume abdominal atinge proporções significativas, equivalentes às de uma gravidez em fase avançada, o paciente pode começar a apresentar falta de ar e dificuldade para se alimentar.
Para Maycom, receber o diagnóstico foi a coisa mais difícil que já ele escutou na vida. “Eu tinha 23 anos, e você ver um oncologista chegando para você, deitado numa cama de hospital, recém-casado… meu mundo literalmente acabou.”
Ainda em choque com o diagnóstico, ele buscou informações online sobre a condição. A pesquisa foi suficiente para piorar seu psicológico.
“Na hora que eu li a gravidade da doença, que era raro e tudo o que eu iria passar, o pouquinho que eu li, eu já me desestabilizei. Não queria ir nem ao consultório na segunda-feira, [pensava] já vou morrer e não preciso ir. Ali eu já vi minha sentença de morte”, lembra.
A doença demandava uma cirurgia longa e complexa. Na noite anterior à operação, ele tentou aliviar a tensão jogando videogame, mas não conseguiu evitar o peso da situação.
“Internei, e pouco depois o Dr. Andrea veio me ver e disse a mesma coisa que sempre falava: ‘Para ficar calmo, manter a cabeça leve, pensar positivo e que essas coisas me ajudariam muito na cirurgia’.”
Foram 15 horas no centro cirúrgico. Com mais de 20 profissionais na sala, a equipe fez o possível para preservar os órgãos reprodutivos de Maycom. O oncologista conta que o pseudomixoma pode afetar a fertilidade em homens e mulheres de formas diferentes.
“Nos homens, é mais fácil realizar uma cirurgia que preserve a capacidade de reprodução, pois, em geral, é possível preservar os nervos responsáveis pela fertilidade e estruturas importantes, como os ductos deferentes. Nas mulheres, é possível realizar procedimentos que preservem a fertilidade, mas a situação precisa ser avaliada caso a caso, já que, frequentemente, é necessário retirar o útero e os ovários durante a cirurgia”, explica o médico.
O pós-operatório foi uma fase desafiadora. Com uma ileostomia – uma abertura no abdômen para eliminação de resíduos –, a rotina virou de cabeça para baixo. Sua mãe foi seu suporte fundamental, dormindo no chão ao lado de sua poltrona, que substituiu a cama durante sua recuperação.
“Lembro que nos primeiros dias em casa eu dormia no sofá, minha mãe do lado. Depois, comprei uma poltrona reclinável e ficava ali 24 horas. Minha mãe se mudou para a minha casa, ficou semanas dormindo na sala ao meu lado. Foi meu total apoio."
No entanto, o sucesso da cirurgia foi o marco que Maycom não esquece, ainda mais agora, ao lado da esposa, quando realizou o sonho de ser pai e ver a filha Alice completar um ano.
“Eu sempre tive o sonho de ter filhos, passei essa fase que foi bem difícil, me separei, conheci minha atual esposa, casamos e tivemos nossa filha. Olho para ela e passa um filme na minha cabeça, lembro de tudo o que passei, tudo o que aconteceu. Ver ela saudável e bem é muito gratificante. É uma coisa fora do normal, é difícil até de explicar. É uma vitória, uma conquista muito grande”, celebra.
O oncologista conta que as chances de cura do pseudomixoma, quando tratado adequadamente, são muito altas, superando as de qualquer outro tumor que possa se disseminar no abdômen.
Essas chances dependem do grau de agressividade da doença, do estágio em que foi diagnosticada e de quão completa foi a cirurgia de citorredução. De acordo com ele, pacientes diagnosticados em fases iniciais e bem tratados podem ter mais de 90% de chance de cura.
“O pseudomixoma é uma condição extremamente rara. Até o momento, não há evidências claras de que esteja relacionado a fatores hereditários ou histórico familiar, com pouquíssimos relatos no mundo de casos em uma mesma família”, explica o médico.
Segundo o profissional, atualmente, existem mais informações sobre as mutações genéticas nos tumores que levam ao pseudomixoma; contudo, essas mutações são esporádicas, ou seja, ocorrem ao acaso, sem que haja um fator determinante conhecido, seja relacionado a algum hábito de vida ou a alguma tendência hereditária na família.
“Todos os pacientes operados devem ser acompanhados regularmente pela equipe que realizou a cirurgia, por muitos anos. Esse acompanhamento é feito com exame físico e exames de imagem, para monitorar um possível retorno do tumor, pois, mesmo em casos de recidiva, uma nova cirurgia pode ser planejada, e o paciente pode ser curado no segundo procedimento”, conclui.