Gripe aviária nos EUA deve preocupar o resto do mundo?

Entenda o atual cenário da doença e o que a disseminação do H5N1 representa para outros países

20 dez 2024 - 16h10
(atualizado às 17h57)

O governo da Califórnia, nos Estados Unidos, declarou estado de emergência de saúde pública na quarta-feira, 18, devido ao atual contexto da gripe aviária (H5N1) na região. A decisão ocorreu após um morador da Luisiana ser hospitalizado por causa da doença - o primeiro caso grave confirmado no país.

O vírus tem mostrado notável capacidade de adaptação nos últimos anos, causando crise na avicultura e se espalhando entre o gado e outros mamíferos - além de já ter provocado 61 casos em humanos nos Estados Unidos. Até esta quinta-feira, 19, o país registrava 125 milhões de aves e 866 rebanhos leiteiros afetados.

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Devemos nos preocupar?

O governador da Califórnia, Gavin Newsom, afirmou que ao risco para a população geral permanece baixo e que a declaração de emergência objetiva estimular a prevenção para que o vírus não se dissemine.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reitera essa avaliação. Segundo a entidade, o H5N1 ainda não se espalha facilmente para a nossa espécie.

Além disso, o registro de um novo caso grave não é um sinal alarmante de disseminação da doença, segundo a infectologista Nancy Bellei, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

A especialista destaca que ocorrências assim são esperadas e que já aconteceram no passado, como no surto de 2003, e em outros locais, inclusive recentemente no Canadá.

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Há, entretanto, preocupação com a crescente propagação do vírus entre espécies de animais diferentes. A cada nova infecção, aumenta o risco de mutação para uma forma mais transmissível para humanos.

Por isso, a OMS classifica a circulação contínua desse vírus como "preocupante", pois pode se tornar mais contagioso, além de já causar doenças graves, até fatais.

"A preocupação é mundial porque os vírus da influenza têm uma capacidade de mutação grande, levando ao risco de causar pandemias", resume Ralcyon Teixeira, diretor da divisão médica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

O vírus está se espalhando entre humanos? É perigoso?

Até agora, não há evidências de que o vírus consiga se espalhar entre as pessoas. Os casos em humanos ainda são considerados raros e limitados a exposições específicas a animais infectados ou seus dejetos, especialmente entre pessoas que lidam diretamente com espécies que transmitem o vírus.

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Nesse cenário, os riscos seguem baixos. Mas outro fato que tem preocupado pesquisadores é o risco de mutação por coinfecção, o que poderia facilitar a transmissão sustentada do vírus.

"Pode ocorrer de uma pessoa já infectada com outro vírus influenza contrair o H5N1 e que eles se combinem", diz Nancy. De acordo com a infectologista, isso acontece com frequência. "Todas as pandemias de influenza anteriores foram causadas por combinações de diferentes vírus", explica.

Número de casos e gravidade

De acordo com dados da OMS, entre janeiro de 2003 e 1º de novembro de 2024, foram registradas 939 infecções por vírus aviários em humanos, relatadas em 24 países. Destas, 464 foram fatais (49% dos casos), indicando uma alta letalidade.

No entanto, a maioria dos 61 casos em humanos relatados nos Estados Unidos foi leve, com sintomas como conjuntivite. Outros sintomas da doença são febre alta, tosse e dificuldade respiratória.

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Nancy comenta que não se sabe se o atual vírus que advém das aves continua tão letal quanto o das ocorrências do passado. "Como há poucos casos, não dá para calcular", diz. Por outro lado, o genótipo do vírus que agora infecta o gado - e, em seguida, os humanos - é aparentemente menos letal, causando em sua maioria casos de conjuntivite.

Além dos registros nos Estados Unidos, nos últimos meses, a OMS contabilizou outras quatro ocorrências de infecção por H5N1 em outros países.

Nova pandemia poderia acontecer?

Uma pandemia só irá acontecer quando (e se) o vírus adquirir a capacidade de se transmitir continuamente de pessoa para pessoa, sem depender de contato com outros animais (transmissão sustentada) e caso a população não tenha imunidade para combatê-lo.

Em julho, pesquisadores da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, encontraram evidências de transmissão sustentada da gripe aviária entre mamíferos, a partir de estudos com o gado.

Nancy, consultada na época, explicou que isso seria preocupante porque mamíferos como vacas são biologicamente mais próximos dos humanos do que aves, aumentando o risco de uma mutação capaz de facilitar a transmissão entre humanos.

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"A transmissão entre mamíferos já foi confirmada, assim como a transmissão de vacas para humanos. No entanto, ainda não há casos de transmissão sustentada entre pessoas. Se isso ocorrer, o risco de uma pandemia será real", afirmou na ocasião.

Agora, ela diz que há riscos, mas é preciso parcimônia, já que não é possível afirmar quão longe estaria uma mutação capaz de atingir humanos. "É uma estrada para a qual não sabemos se a reta final está perto ou onde ela está. Mas sabemos que está muito mais próximo do já esteve antes, devido a essa disseminação entre outros animais."

Riscos são altos?

É importante considerar que a ocorrência de uma pandemia não implica automaticamente em gravidade extrema. "Em 2009, tivemos uma pandemia de gripe suína. Embora não tenha sido tão grave quanto a de covid-19, ainda assim foi uma pandemia", relembra a infectologista.

Além disso, ao contrário da pandemia de coronavírus, sabemos como desenvolver imunizantes contra influenza e estaríamos mais preparados para intervenções rápidas. Já existem vacinas para gripe aviária em desenvolvimento, além de medicamentos efetivos contra a infecção.

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Nancy também lembra que em 2003 e 2004, quando ocorreu um surto de gripe aviária, houve grande preocupação com essa possibilidade, mas ela não se concretizou. "Todos nos preparamos. O Brasil também fez um plano de preparação. No entanto, a pandemia não se concretizou e os surtos diminuíram, embora casos em humanos continuem ocorrendo desde então."

Pessoas podem adoecer no Brasil?

Até o momento, não há casos em humanos registrados no Brasil. No entanto, o País está em estado de emergência zoossanitária desde maio de 2023 devido a infecções em aves silvestres.

Focos da doença entre aves foram identificados em oito estados: Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul.

De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária, "a vigilância e o controle sanitário seguem reforçados para evitar que o vírus se espalhe pelo território nacional". Por isso, segundo Bellei, a chance de a transmissão chegar aos humanos no País é baixa.

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"Pode ocorrer se as medidas preventivas, como o manejo correto de aves mortas infectadas, não forem tomadas. No entanto, houve treinamento intensivo e orientação para o pessoal que trabalha próximo a essas áreas [com animais silvestres infectados] no Brasil", afirma. "O H5N1 já chegou, mas isso está sob controle. Há uma preparação no Brasil para isso, com um sistema de vigilância desenvolvido."

O que é gripe aviária?

O atual surto de gripe aviária tem sido causado principalmente pelo vírus influenza subtipo H5N1. Inicialmente mais presente na Ásia, desde 2020 ele tem se espalhado pelas Américas, atingindo aves domésticas, silvestres e mamíferos em países como Estados Unidos, Canadá, México e Brasil.

A infecção humana ocorre após contato próximo e desprotegido com animais infectados ou ambientes contaminados por saliva, muco ou fezes desses bichos. Nos Estados Unidos, a maior parte das transmissões foi a partir do contato com o gado, podendo estar associada à ordenha.

Segundo Nancy, isso é possível devido à presença de receptores virais nas glândulas mamárias das vacas. Nesses casos, o leite contaminado poderia transmitir o vírus por respingos durante a ordenha, especialmente através da conjuntiva ocular — daí a importância de equipamentos de proteção como máscaras, luvas e óculos.

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O ideal é que o leite seja pasteurizado ou fervido antes do consumo, embora não haja indícios de contaminação por essa via.

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