Maconha faz mal? Os efeitos da droga na cognição e na mente, segundo estudos

Pesquisas sugerem que vale a pena considerar os efeitos que o uso prolongado de cannabis pode ter em nossas mentes — sobretudo em jovens cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento.

26 jun 2024 - 08h09
(atualizado às 17h29)
Mão de mulher segurando folha de maconha
Mão de mulher segurando folha de maconha
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A cannabis é usada pelos seres humanos há milhares de anos — e é uma das drogas mais populares atualmente. Com efeitos como sensação de alegria e relaxamento, também pode ser legalmente receitada ou usada em vários países.

Mas como o uso desta droga afeta a mente?

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Em três estudos recentes, publicados no The Journal of Psychopharmacology, no Neuropsychopharmacology e no International Journal of Neuropsychopharmacology, mostramos que ela pode influenciar vários processos cognitivos e psicológicos.

O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime informou que, em 2018, aproximadamente 192 milhões de pessoas em todo o mundo com idades entre 15 e 64 anos usaram cannabis para fins recreativos.

Os adultos jovens são particularmente interessados, com 35% das pessoas entre 18 e 25 anos fazendo uso, em comparação com apenas 10% daquelas com mais de 26 anos.

Isso indica que os principais usuários são adolescentes e adultos jovens, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento.

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Eles podem, portanto, ser particularmente vulneráveis aos efeitos do uso de cannabis no cérebro no longo prazo.

O tetrahidrocanabinol (THC) é o principal composto psicoativo da cannabis. Ele atua no "sistema endocanabinoide" do cérebro, que são receptores que respondem aos componentes químicos da cannabis.

Os receptores de cannabis são densamente povoados nas áreas pré-frontais e límbicas do cérebro, envolvidas na recompensa e na motivação. Eles regulam a sinalização das substâncias químicas cerebrais dopamina, ácido gama-aminobutírico (GABA) e glutamato.

Sabemos que a dopamina está envolvida na motivação, recompensa e aprendizado. O GABA e o glutamato desempenham um papel nos processos cognitivos, incluindo aprendizado e memória.

Efeitos cognitivos

O uso de cannabis pode afetar a cognição, especialmente naqueles com transtorno induzido por cannabis — caracterizado pelo desejo persistente de usar a droga e pela interrupção de atividades diárias, como trabalho ou estudo.

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Estima-se que aproximadamente 10% dos usuários de cannabis atendam aos critérios de diagnóstico para este transtorno.

Em nossa pesquisa, testamos a cognição de 39 pessoas com o transtorno (solicitadas a não usarem a droga no dia do teste) e comparamos com a de 20 pessoas que nunca ou raramente usavam cannabis.

Mostramos que os participantes com a condição apresentaram desempenho significativamente pior nos testes de memória do CANTAB (Cambridge Neuropsychological Test Automated Battery, ou Bateria Automatizada de Teste Neuropsicológico de Cambridge, em tradução livre), em comparação com os indivíduos do grupo de controle, que nunca ou muito raramente usavam cannabis.

Também afetou negativamente suas "funções executivas", que são processos mentais, incluindo o pensamento flexível.

Este efeito pareceu estar ligado à idade em que as pessoas começaram a usar a droga — quanto mais jovens, mais prejudicadas eram suas funções executivas.

Deficiências cognitivas também foram observadas em usuários leves de cannabis. Estes usuários tendem a tomar decisões mais arriscadas do que outros e apresentam mais problemas com planejamento.

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Embora a maioria dos estudos tenha sido realizada em homens, há evidências de diferenças entre os sexos no que se refere aos efeitos do uso de cannabis na cognição.

Mostramos que, enquanto a memória dos usuários do sexo masculino de cannabis era mais fraca para reconhecer visualmente as coisas, as usuárias mulheres apresentavam mais problemas relacionados a atenção e funções executivas.

Em 2018, cerca de 192 milhões de pessoas, entre 15 e 64 anos, usaram cannabis para fins recreativos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Estes efeitos atribuídos a cada sexo persistiram ao controlar a idade; QI; uso de álcool e nicotina; humor e sintomas de ansiedade; estabilidade emocional; e comportamento impulsivo.

Recompensa, motivação e saúde mental

O uso de cannabis também pode afetar como nos sentimos — influenciando ainda mais nosso pensamento.

Por exemplo, algumas pesquisas anteriores sugeriram que recompensa e motivação — junto aos circuitos cerebrais envolvidos nesses processos — podem ser afetadas quando usamos cannabis.

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Isso pode atrapalhar nosso desempenho na escola ou no trabalho, uma vez que pode nos fazer sentir menos motivados a trabalhar duro e menos recompensados quando nos saímos bem.

Em nosso estudo recente, usamos uma tarefa de imagem cerebral, na qual os participantes foram colocados em um aparelho de ressonância magnética e viram quadrados laranjas ou azuis.

Os quadrados laranjas levariam a uma recompensa monetária, após um intervalo, se o participante desse uma resposta.

Esta configuração nos ajudou a investigar como o cérebro responde a recompensas. Nós nos concentramos particularmente no estriado ventral, que é uma região chave no sistema de recompensa do cérebro.

Descobrimos que os efeitos no sistema de recompensa no cérebro eram sutis, sem efeitos diretos da cannabis no estriado ventral.

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No entanto, os participantes do nosso estudo eram usuários moderados de cannabis.

Os efeitos podem ser mais pronunciados em usuários de cannabis que fazem uso mais intenso e crônico, como observado no transtorno por uso de cannabis.

Há também evidências de que a cannabis pode levar a problemas de saúde mental.

Mostramos que está relacionada a uma maior "anedonia" — incapacidade de sentir prazer — em adolescentes. Curiosamente, este efeito foi particularmente pronunciado durante os lockdowns da pandemia de covid-19.

O uso de cannabis durante a adolescência também foi relatado como um fator de risco para o desenvolvimento de experiências psicóticas, assim como esquizofrenia.

Um estudo mostrou que o uso de cannabis aumenta moderadamente o risco de sintomas psicóticos em jovens, mas tem um efeito muito mais forte naqueles com predisposição para psicose (com pontuação alta em uma lista de sintomas de ideias paranoicas e psicoticismo).

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Ao avaliar 2.437 adolescentes e adultos jovens (14-24 anos), os autores observaram um risco aumentado de seis pontos percentuais — de 15% para 21% — de sintomas psicóticos em usuários de cannabis sem predisposição para psicose.

Mas houve um aumento de 26 pontos no risco — de 25% para 51% — de sintomas psicóticos em usuários de cannabis com predisposição para psicose.

Não sabemos, na verdade, por que a cannabis está ligada a episódios psicóticos, mas hipóteses sugerem que a dopamina e o glutamato podem ser importantes na neurobiologia destas condições.

Outro estudo com 780 adolescentes sugeriu que a associação entre o uso de cannabis e experiências psicóticas também estava ligada a uma região do cérebro chamada "uncus".

Encontra-se dentro do para-hipocampo (envolvido na memória) e no bulbo olfatório (envolvido no processamento de cheiros) e possui uma grande quantidade de receptores canabinoides. Também já foi associado com esquizofrenia e experiências psicóticas.

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Os efeitos cognitivos e psicológicos do uso de cannabis provavelmente dependem, em certa medida, da dosagem (frequência, duração e força), gênero, vulnerabilidades genéticas e idade de início.

Mas precisamos determinar se estes efeitos são temporários ou permanentes.

Um artigo resumindo vários estudos sugeriu que, no caso do uso leve de cannabis, os efeitos podem diminuir após períodos de abstinência.

Mas mesmo que seja este o caso, vale a pena considerar os efeitos que o uso prolongado de cannabis pode ter em nossas mentes — sobretudo em jovens cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento.

*Barbara Jacquelyn Sahakian é professora de neuropsicologia clínica da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Christelle Langley é pesquisadora associada de pós-doutorado em neurociência cognitiva na Universidade de Cambridge.

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Martine Skumlien é estudante de doutorado em psiquiatria na Universidade de Cambridge.

Tianye Jia é professor de neurociência da população da Universidade Fudan, na China.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).

*Esta reportagem foi publicada originalmente em 1/05/2022 e republicada em 26/06/2024.

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