Não foi por acaso que a influenciadora digital Mariana Fernandes descobriu o primeiro diagnóstico de câncer de mama em 2020. Ela se preparava para dormir quando repetiu a rotina mensal de autoconhecimento -- popularmente conhecido como autoexame.
Por ser fisioterapeuta especializada em oncologia, ela reconhecia a importância de conhecer o próprio corpo. O toque nos seios, antes corriqueiro, se tornou revelador: ela identificou dois nódulos. O procedimento, a partir dali, foi buscar atendimento médico, entender o tipo de câncer e adotar o tratamento mais adequado.
Naquele caso, foi preciso tirar as duas mamas e se submeter apenas à hormonioterapia - terapia que busca inibir o crescimento do câncer pela retirada do hormônio da circulação ou pela introdução de uma substância com efeito contrário ao hormônio. Quimio e radioterapia não foram necessários.
Mas, um ano e meio depois da mastectomia, Mariana apalpou mais três nódulos com o autoconhecimento durante o banho. "Fui fazer exame e acharam seis nódulos. Foi uma ultrajornada. Foi o mesmo tipo de câncer, só que mais agressivo", conta, ao destacar que o intervalo entre os dois diagnósticos foi de um ano e meio.
Desta vez, o tratamento adotado foi um pouco mais impactante. Ela tirou os nódulos novamente, passou por quimioterapia e radioterapia, ficou careca. Mas não foi a falta de cabelo ou das mamas que mais assustou Mari durante o tratamento -- que ainda segue com a hormonioterapia.
"Tinha medo de morrer e não conseguir ver as minhas filhas no balé", disse a influencer, que é mãe de duas meninas, uma de 7 e outra de 10 anos.
A força veio da família, principalmente do marido.
"Eu tava chorando na cama e ele falou 'Mari, vou te dar 5 minutos pra chorar. Chora tudo o que você tem que chorar. Depois de 5 minutos, você vai falar tudo o que você está sentindo, que a gente vai resolver, a gente vai procurar as soluções'", lembra.
Agora, é com tranquilidade que Mariana lembra sua trajetória como paciente oncológica, dentro da van que nos levava de Gramado para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, após a realização da Academia para Mídia e Pacientes com Informação e Ciência 2023 (AMPIC 2023), no 17º Congresso Câncer de Mama de Gramado. Foram cerca de 70 minutos de conversa, da saída do hotel até a chegada no aeroporto.
A fadiga, comum a pacientes sob esse tratamento, não a impediu de falar em detalhes sobre deixar a carreira como promotora de saúde para ser comunicadora na área.
Se tornar influenciadora digital, hoje conhecida como 'Mari Anjo Rosa', foi a resposta que encontrou para os questionamentos que surgiram após o diagnóstico.
"Como é que a gente faz para voltar a ter uma vida que não é mais você? Eu pensei na comunidade e falei 'Agora, eu vou dedicar minha vida a esse propósito'. Hoje, não tenho dúvidas", acrescenta.
Mari Anjo Rosa é influenciadora e socialmente engajada
"Desmistificar" é a palavra de ordem para a comunidade Anjo Rosa, que Mari demorou cerca de um ano para tirar do papel. Sobre o conteúdo que produz, ela prefere chamar a si mesma de "engajada", em vez de "ativista".
Cerca de 215 mil seguidores a acompanham nas plataformas digitais. Em seu perfil no Instagram, ela compartilha informações sobre câncer de mama e rotina como mulher, mãe e comunicadora. Assim como influenciadoras de outros nichos, Mari também produz conteúdos patrocinados por marcas.
Apesar das prospecções, ela conta que esbarra nas limitações decorrentes da hormonioterapia à qual ainda está sendo submetida. O segredo para conciliar tratamento e produção de conteúdo está no outro.
"É tanta vontade de ajudar, que virou um trabalho. E, ao mesmo tempo, é tanta limitação… Eu acho que o segredo é pedir ajuda nessa rotina louca. Porque a minha vida é assim, eu gosto de ser assim. A nossa vida depende das escolhas, e eu escolhi isso", afirma.
Além de uma profissional que lhe dá suporte nos contratos e entregas, Mari conta também com a ajuda das milhares de oncofriends que reúne na comunidade Anjo Rosa.
"Eu imaginei que fosse dar trabalho para eu, Mari, alimentar muito essa comunidade. Para a minha surpresa, é bem o contrário: as pessoas que alimentam, e eu só filtro. É diferente do que eu imaginei", acrescenta.
Além dos fãs nas redes sociais, mais de 3,2 mil pessoas participam ativamente da plataforma Anjo Rosa, que funciona como uma grande comunidade do antigo Orkut: os membros podem fazer posts, curtir, comentar e até entrar em fóruns específicos.
"A comunidade eu pensei como uma rede de apoio. Eu sentia que ao mesmo tempo em que eu tinha muita rede de apoio e conhecimento, mesmo assim me senti sozinha", explica.
A ideia, então, era construir um lugar onde qualquer mulher com o diagnóstico de câncer de mama pudesse conversar com outras na mesma condição e se sentir acolhida.
"É como um quarto escuro. Você tem o diagnóstico, você entra num quarto que você nunca entrou. E é um quarto que só vai começar a se iluminar quando uma oncofriend abre uma janelinha e fala 'vem por aqui' ou 'vai por ali'. Até passar um tempo e esse quarto ele já está florido e iluminado por causa dessa conexão", compara.
Para chegar à proporção que alcançou às vésperas de completar um ano de lançamento da rede, Mari contou com o lado operacional do marido. Os dois passaram o ano de 2021 pesquisando sobre formatos, comunidades, organizações não-governamentais e formas de comunicar sobre o câncer. Uma delas, inclusive, é a percepção que ainda temos, em sociedade, sobre a doença.
"Ninguém perde do câncer. O câncer é uma doença, todo mundo pode ter. Eu não vejo a morte… Se a gente pensar quem morre do coração, de infarto, perde? Ninguém perde. A gente passa. É uma jornada", destaca.
*A reportagem do Terra viajou a Gramado a convite da Novartis.