"Um grande problema de saúde pública". É assim que a ginecologista, obstetra e sexóloga Erica Mantelli define a alta taxa de mortalidade materna no Brasil. Ela cita o índice que quase dobrou em 2021 (107 mortes para cada 100 mil nascidos vivos) e voltou a cair no ano passado, se aproximando de valores registrados em 2019 (média de 57 mortes para cada 100 mil nascidos vivos).
Mas apesar da queda, é crescente a preocupação diante de óbitos que, muitas vezes, poderiam ser evitados.
“A mortalidade materna é um indicador importante da qualidade de vida da população, por isso o aumento reflete um grande problema de saúde pública, demonstrando um sistema de saúde com baixa qualidade, leitos insuficientes para acompanhamento de gestantes em situações de internação e também uma dificuldade de acompanhamento dessas gestantes durante um pré-natal”, analisa Erica, em entrevista ao Terra.
O aumento em questão, ocorrido em 2020 e 2021, se deve ao impacto da pandemia, com gestantes e puérperas vítimas do coronavírus e também das deficiências do sistema de saúde, à época pressionado pela Covid-19. A obstetra lembra que somaram dificuldades de agendamento e atendimento nas unidades de saúde, barreiras à locomoção das mulheres e outras restrições impostas nos períodos de isolamento.
"Foi muito difícil as gestantes continuarem realizando as suas consultas de pré-natal na periodicidade indicada e aí, com isso, houve um agravamento dos quadro e aumentou-se o risco também de morte materna nesse período".
Causas diretas x indiretas
A Covid-19 e questões estruturais, como ausência de leitos e acesso dificultado a um pré-natal adequado, são classificadas como causas de mortalidade materna indiretas. Essa tipificação também inclui a falta de profissionais capacitados para atender pacientes de alto risco, como pontua o ginecologista e obstetra Domingos Mantelli.
Por outro lado, há os fatores de mortalidade materna direta, ou seja, as complicações da própria gravidez. Considera-se nesse ponto diabetes, hemorragias, infecções (geralmente pós-parto), abortos e os quadros hipertensivos, como eclâmpsia e pré-eclâmpsia, entre outras doenças.
Faixa etária em risco
Entre os fatores que colocam o gravidez em risco está a idade. Ou seja, mulheres acima dos 40 anos e especialmente adolescentes são mais vulneráveis a complicações durante a gravidez e o parto.
"Antes dos 19 anos, o corpo ainda não está 100% preparado para receber uma gravidez", ressalta. "As taxas de complicações podem ser maiores, daí a importância de fazer todo um cuidado, acompanhamento e prevenção de gravidez nessa faixa etária e, caso a gestação ocorra, fazer um pré-natal de perto, uma vez que nós sabemos que, devido a essa idade da paciente, as taxas de mortalidade e complicações obstétricas são maiores", acrescenta o médico.
Como o médico pontua, no Brasil, toda gestação de adolescente é classificada como alto risco, o que demanda acompanhamento por obstetra especializado nesse tipo de parto.
Acesso à saúde
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece pré-natal gratuitamente às gestantes, mas é fato que mulheres com baixa escolaridade, baixo poder econômico e longe dos centros urbanos enfrentam mais dificuldades para ter acesso ao serviço público. A consequência disso é o diagnóstico tardio de problemas evitáveis.
Isso também mostra que a medida mais efetiva contra a alta taxa de mortalidade materna é o pré-natal. "Grande parte das complicações que levam a óbito são evitáveis, principalmente diabetes descompensada, complicações com hemorragia, eclâmpsia e pré-eclâmpsia", frisa a médica.
Quando feito corretamente, esse acompanhamento permite a identificação precoce de eventuais problemas tanto com a mãe quanto com o bebê. Por consequência, a equipe médica e de assistência pode conduzir os tratamentos indicados para que o parto dessa mulher seja feito com a maior segurança possível.