Médicos criticam ausência de alerta ao zika no Carnaval

Para os especialistas, situação é emergencial, e todas as oportunidades de informar e alertar sobre o novo vírus deveriam ser aproveitadas

29 jan 2016 - 13h34
(atualizado às 15h53)

O fato de o governo federal não ter incluído informações sobre a epidemia de zika vírus ou alertas para mulheres grávidas na campanha anual de Carnaval do Ministério da Saúde, que custou R$ 14 milhões aos cofres públicos, é vista por especialistas como um "equívoco".

Foto: ObaOba

Para os médicos infectologistas e sanitaristas consultados pela BBC Brasil, embora a campanha foque tradicionalmente nas doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), HIV e hepatites virais, o governo "falhou" ao não incluir nada sobre o zika diante da epidemia que atinge o País, dos alertas internacionais sobre o tema, da potencial ligação com casos de microcefalia e dos fatores complicadores do Carnaval para o contágio.

Publicidade

O Ministério da Saúde informou que a campanha de Carnaval focada em DSTs e Aids é divulgada paralelamente à de combate ao mosquito Aedes aegypti.

Lançada nesta quinta-feira no Rio de Janeiro, a campanha do Carnaval será veiculada nos meios de comunicação até o dia 6 de fevereiro, com o slogan "Deixe a Camisinha Entrar na Festa". Serão peças para TV e rádio, vídeos para redes sociais e versões estendidas da música para veiculação em trios elétricos e carros de som.

Foto: Reprodução / ObaOba

Na visão dos especialistas, apesar de já haver uma campanha com mensagens educativas para a dengue e o combate ao mosquito Aedes aegypti – criada antes do início da epidemia de zika, portanto sem menções ao problema atual – a

"Esta campanha das DST/Aids e hepatites virais tem muita legitimidade, tradição e eficiência, até porque inclui a entrega de preservativos pela rede de saúde. (Mas) acho que houve uma falha, sim. Foi um equívoco, porque poderiam ter aproveitado o ensejo para incluir o zika vírus", diz Gastão Wagner de Sousa Campos, médico sanitarista, professor de Saúde Pública do curso de medicina da Unicamp e presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).

Publicidade

"Temos que identificar tudo o que podemos fazer nesta luta, e não temos sido eficientes nisso", acrescenta o especialista, defendendo que o governo precisa entender que a epidemia exige medidas mais intensas, constantes e emergenciais do que o habitual combate à dengue.

O Carnaval já foi descrito por infectologistas como um "coquetel explosivo" em relação à epidemia de zika, devido à grande aglomeração de pessoas, maior chance de chuvas, maior quantidade de lixo nas ruas e grande risco de proliferação do Aedes aegypti, transmissor dos vírus da dengue, zika e chikungunya.

"É uma oportunidade perdida de expandir a campanha para englobar outros riscos de saúde durante o Carnaval e incluir informações sobre a proteção contra o mosquito, cuidados com criadouros, o uso do preservativo para impedir gestações indesejadas. O alerta às mulheres, por conta da microcefalia, tinha que ter sido incluído nesta campanha", diz Nancy Bellei, coordenadora de virologia clínica da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

No último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde divulgou-se que o País investiga atualmente 3.448 casos suspeitos de microcefalia, e que já contabiliza 270 confirmados e 462 descartados. Ainda se estuda a relação entre o zika vírus e a microcefalia, mas o governo identificou casos de ligação entre a doença e a má-formação cerebral.

Publicidade

Transmissão sexual

Para os especialistas, a campanha deveria ter incluído cuidados com relação ao Aedes, alertas para zika, e cautela para as mulheres que já estão grávidas e que participarão dos festejos de Carnaval.

Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBCBrasil.com

Um ponto polêmico, no entanto, é a orientação de uso do preservativo para evitar uma potencial transmissão sexual do zika. Esta forma de contágio ainda necessita de mais pesquisas científicas para determinar sua relevância epidemiológica, mas já foi relatada em ao menos um estudo, de 2011, que teria documentado como um cientista americano vindo do Senegal, país que passava por um surto de zika, teria transmitido a doença para a mulher, nos Estados Unidos, através do sêmen.

"Os outros países estão fazendo alertas. Nos aeroportos certamente haverá avisos, há uma comoção internacional, incluindo a Organização Mundial da Saúde. Aqui se fala em não orientar uso do preservativo na campanha do Carnaval para evitar o zika por falta de comprovação científica ou para não causar pânico. São diferentes formas de lidar", diz Nancy Bellei, da SBI.

Para a especialista, o Brasil teria ganhado com a inclusão do zika no material de Carnaval. "Evitar instalar o pânico é algo que o governo brasileiro sempre usa como justificativa. No exterior não é assim. Se preparam para desastres naturais e epidemias informando o cidadão, estimulando cautela, prevenção, preparação. No custo-benefício a prevenção é sempre melhor, ainda mais em um momento em que não há vacina. Foi uma falha, sem dúvida", avalia.

Publicidade

Há médicos que ressaltam que, apesar da necessidade de mais estudos sobre a transmissão sexual, até mesmo os parceiros de mulheres que já estejam grávidas deveriam usar o preservativo durante relações sexuais em meio à epidemia.

"Não adianta a mulher grávida tomar todas as precauções e seu marido ser picado pelo mosquito, infectado pelo zika, os dois terem relações sexuais e ele passar o vírus para ela. Eu teria incluído essa informação na campanha, por exemplo, teria sido muito importante", diz Edimilson Migowksi, doutor em infectologia e diretor do Instituto de Pediatria da UFRJ.

Apesar das críticas, há médicos que relativizam a ausência de alertas para o zika vírus na campanha de Carnaval do Ministério da Saúde e sugerem cautela com relação aos avisos sobre a potencial transmissão sexual.

"Eu acho que não dá mesmo para enfatizar a transmissão sexual porque não parece ser algo tão importante. Está descrito na literatura, mas eu não incluiria isso como um risco de relevância epidemiológica", diz o infectologista Jessé Reis Alves, coordenador do Ambulatório de Medicina do Viajante do Hospital Emílio Ribas, referência nacional em infectologia e doenças tropicais.

Publicidade
Aedes aegypti
Foto: Agência Brasil

Outro lado

Procurado pela BBC Brasil, o Ministério da Saúde se pronunciou por meio de nota, informando que a campanha de Carnaval focada em DSTs e Aids é divulgada paralelamente à de combate ao mosquito Aedes aegypti.

"A Campanha Nacional de Combate ao Aedes foi lançada no final de novembro. Desde então, as peças são veiculadas em TV, rádio, jornais e revistas, além da distribuição de materiais impressos, como cartazes, filipetas e mensagens de celular e WhatsApp, com esclarecimentos sobre as três doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, microcefalia, cuidados especiais para gestantes e prevenção. Além disso, diariamente o Ministério da Saúde esclarece dúvidas da população por meio das redes sociais", explica a nota.

Segundo o comunicado, o combate ao mosquito é uma "ação prioritária" para o governo federal. Segundo o documento, nas próximas semanas a campanha contra o mosquito ganhará um reforço, envolvendo 19 instituições federais, além de Estados e municípios.

A nota ressalta que os esforços contra o HIV/Aids renderam ao País o resultado de 91% dos brasileiros adultos vivendo com HIV/Aids, em tratamento há pelos menos seis meses, apresentarem carga viral indetectável e que em 2015 o País registrou 81 mil brasileiros aderindo ao tratamento para a doença.

Publicidade
Governo distribuirá cinco milhões de camisinhas no Carnaval
Video Player
BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações