Pílulas contendo ovos de tênia, vendidas na dark web como uma solução rápida para perda de peso, têm colocado consumidores em risco de doenças graves e até morte. Um caso recente foi relatado pelo oncologista Bernard Hsu, que compartilhou a história de "TE", uma mulher de 21 anos que, ao tentar perder peso, comprou pílulas contendo ovos de tênia online, usando criptomoedas.
Insatisfeita com a dieta convencional e exercícios, TE foi atraída por um anúncio nas redes sociais que mostrava uma "cura controversa" para excesso de peso, com fotos impressionantes de antes e depois. Ela tomou duas cápsulas e logo viu resultados, embora com desconforto abdominal. No entanto, ela ignorou os sintomas por estar satisfeita com a perda de peso.
Algumas semanas depois, após um incidente estranho no banheiro em que pedaços retangulares apareceram nas fezes, TE continuou sem dar importância aos sinais, achando que era gordura sendo eliminada. Pouco tempo depois, desenvolveu um caroço sob o queixo e, ao pressioná-lo, desmaiou. Dias depois, começou a sofrer de intensas dores de cabeça e pressão craniana.
Sem revelar o uso de ovos de tênia, TE procurou atendimento médico. Os exames não identificaram infecções virais ou bacterianas e ela foi medicada e liberada. Porém, os sintomas pioraram. Eventualmente, os médicos descobriram lesões no cérebro e outros órgãos, como fígado e língua, além de vários cistos. Só então TE confessou ter ingerido ovos de tênia.
Os médicos identificaram que TE havia consumido duas espécies de parasitas: Taenia saginata (tênia da carne bovina) e Taenia solium (tênia da carne de porco). A segunda espécie foi a responsável pelos danos cerebrais, uma vez que os ovos podem entrar na corrente sanguínea e se alojar em tecidos, como músculos e cérebro, causando cisticercose, uma condição potencialmente grave.
O que são ovos de tênia?
Geralmente presentes em carne malcozida, esses parasitas se instalam no intestino humano após o consumo inadvertido de seus ovos. Alguns crescem até 9 metros de comprimento, alimentando-se do que o hospedeiro consome, o que resulta na perda de peso, mas também pode causar cólicas, inchaço, diarreia e vômitos.
Ação é perigosa e ineficaz
No entanto, o gastroenterologista e professor do curso de Medicina da Universidade Positivo (UP), Mauricio Chibata, explica que o consumo de ovos de tênia não garante que o parasita cresce no intestino humano, mas sim, que seus ovos sejam absorvidos pela circulação sanguínea e se instalem em qualquer um dos órgãos.
“Eles podem ir para o cérebro, músculo, coração, pulmão… Se alguém fizer isso, não terá uma tênia no intestino, mas enfrentará um problema em nível tecidual, com a formação de cistos, que são as larvas do parasita, em diferentes partes do corpo humano”, diz o especialista ao Terra Você.
Os sintomas gastrointestinais mais comuns de uma infecção por tênia incluem cólicas, dores abdominais e sensação de inchaço. Isso ocorre porque o parasita absorve parte dos nutrientes ingeridos pela pessoa, levando-o a sentir mais fome do que o normal. Apesar de comer mais, o paciente pode perder peso, já que está "alimentando" a tênia no intestino.
Além dessas dores e da sensação de estufamento, a dor pode ser descrita como uma cólica, causada pela movimentação ou fixação do parasita no intestino.
Para diagnosticar uma infecção por tênia, o exame mais simples e eficaz é o parasitológico de fezes. Como o parasita libera seus ovos nas fezes, esse exame é capaz de identificar a presença do parasita e confirmar o diagnóstico de uma infestação.
O médico conta que o tratamento para infecção por tênia costuma ser bastante eficaz e envolve o uso de medicamentos antiparasitários. O mais importante é lembrar que o tratamento da tênia no intestino é simples, mas o perigo real está na ingestão dos ovos da tênia, que pode levar à formação de cisticercos.
“Esses cisticercos, que se alojam em várias partes do corpo, podem causar sérios danos, especialmente quando atingem o cérebro, provocando convulsões e alterações de humor e personalidade, ou quando afetam o coração, comprometendo sua função”, alerta.
Para evitar a infecção, é crucial cozinhar ou fritar bem a carne de porco, pois ela pode conter os cisticercos. Comer carne de porco mal passada pode aumentar o risco de infecção por esses parasitas.
Como a prática afeta o cérebro?
O médico neurocirurgião Felipe Mendes reforça que quando os ovos da tênia eclodem no intestino, eles penetram a parede do intestino e caem na circulação sanguínea, podendo atingir o sistema nervoso.
“Os ovos da tênia, ao serem ingeridos, eclodem no intestino e liberam larvas que penetram na circulação sanguínea. Essas larvas podem atravessar a barreira hematoencefálica, alojando-se no cérebro. No tecido cerebral, as larvas formam cistos, que podem comprimir estruturas neurológicas e desencadear inflamação, edemas e calcificações”, explica o especialista à reportagem.
Os cistos podem se desenvolver em diversas regiões cerebrais, causando uma resposta inflamatória que pode levar a crises epilépticas, hidrocefalia, hipertensão intracraniana, déficits neurológicos focais e alterações cognitivas.
Consumo desses parasitas podem acarretar em danos permanentes
Danos permanentes incluem epilepsia crônica, alterações cognitivas, déficits motores ou sensitivos, hidrocefalia e atrofia cerebral. A calcificação residual dos cistos é uma lesão permanente, que pode ser sintomática ou não, de acordo com o especialista.
A neuroimagem é o exame fundamental para o diagnóstico de lesões cerebrais causadas por parasitas. A ressonância magnética (RM) é o exame mais sensível, que permite a detecção de cistos, inflamação e calcificações. O médico diz que a tomografia computadorizada (TC) também é útil, principalmente para visualizar calcificações.
Tratamento para as lesões neurológicas causadas pela infecção por tênia
O neurocirurgião conta que o tratamento envolve antiparasitários, como albendazol ou praziquantel, frequentemente associados a corticosteroides para controlar a inflamação cerebral. Antiepilépticos são indicados em casos de crises convulsivas. Em casos de hidrocefalia, pode ser necessário tratamento cirúrgico, como derivação ventricular.
“O prognóstico varia de acordo com a localização e o número de cistos. Com tratamento adequado, muitos pacientes conseguem controle das crises epilépticas e uma melhora significativa da qualidade de vida. No entanto, alguns podem apresentar sequelas neurológicas permanentes”, conclui.
Felizmente, TE foi tratada com medicamentos que paralisaram e eliminaram os parasitas, além de esteroides para reduzir a inflamação cerebral. Após três semanas de tratamento, ela estava livre dos vermes.