Um levantamento da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED) apontou que as mulheres são as vítimas mais frequentes das dores crônicas, em comparação com os homens. Isso porque elas costumam apresentar em maior quantidade dores no pescoço e ombros, no abdômen, cefaleias tipo tensão, enxaqueca após a puberdade, distúrbio da ATM (Articulação Temporomandibular), e outros.
Para se ter uma ideia, a relação entre mulheres e homens de prevalência de condições dolorosas é da ordem de 1,5 para 1 em dor lombar, no ombro e joelhos. É de 2 para 1 em dor orofacial. De 2,5 para 1 em migrânea (dor latejante que afeta o lado da cabeça). E de 4 para 1 em fibromialgia, doença crônica que tem como principal sintoma dor constante por todo o corpo.
Conforme o SBED, há várias síndromes dolorosas que são específicas do sexo feminino. Em especial está a dismenorreia (dor pélvica que surge no primeiro dia do período menstrual e que desaparece quando cessa o fluxo). Ela afeta entre 49% e 90% das mulheres e até 15% dos casos são muito dolorosos.
Além disso, há outras síndromes dolorosas que atingem especialmente às mulheres. É o caso da dor pélvica crônica, da dor crônica na vulva, dor lombar baixa e pélvica durante a gravidez, e a dor do parto.
Por que as mulheres sentem mais dor?
A médica especialista em Dor, Dra. Amelie Falconi, explica que diversas pesquisas têm mostrado consistentemente diferenças entre os sexos com relação à dor crônica. Como, por exemplo, a percepção, a descrição e expressão do desconforto, o uso de estratégias de enfrentamento e os benefícios de diferentes tratamentos. Existem descobertas convincentes de que as diferenças biológicas contribuem para as diferenças observadas entre os sexos.
Ela afirma que diversas razões podem levar as mulheres a sentirem mais dores do que os homens. Os fatores genéticos, por exemplo, entre eles os fatores hormonais, agem como mediadores da dor específicos do sexo. "Estudos mostram que a resposta da mulher é afetada pelo ciclo menstrual, gravidez e também pode ser afetada pelo uso oral de contraceptivos", completa Amelie.
O estrogênio, hormônio essencial à função reprodutiva feminina, por exemplo, quando aumenta ou diminui os seus níveis no organismo da mulher é responsável pelo aumento da excitação das células. Mais especificamente: as flutuações do estrógeno podem aumentar a expressão do fator de crescimento neural, o número de sinapses excitatórias no hipocampo, a ligação do glutamato ao receptor NMDA e potenciais pós-sinápticos excitatórios.
Dores minimizadas
Para a especialista, vale debater a relação da mulher com as dores. O objetivo é mostrar como, apesar de serem mais suscetíveis a este sofrimento físico do que os homens, ainda são vítimas de bastante preconceito no que se refere ao diagnóstico e tratamento.
Mesmo que o desconforto seja mais prevalente e mais intensa no sexo feminino, a Dra. Amelie ressalta que as mulheres costumam ter suas queixas dolorosas minimizadas pela sociedade com mais frequência do que os homens. "Diversas vezes já escutei, inclusive de médicos especializados, que a dor de determinada paciente era 'frescura' ou psicológica e que a intenção da paciente era conseguir a atenção, seja do marido e dos filhos, ou de outras pessoas", relata.
A médica comenta que também é comum nessas situações profissionais julgarem a vida da paciente para minimizarem seus lamentos. "Já escutei comentários desnecessários de profissionais de saúde sobre fotos de pacientes em redes sociais. O fato de uma paciente viajar no final de semana não tira o crédito da dor que sente", afirma. Ela destaca, aliás, que as atividades da paciente fora do consultório não devem interferir na avaliação por parte do médico que faz seu atendimento.
Amelie também afirma que esse tipo de comentários e julgamentos acontece entre pessoas do círculo social das portadoras de dores crônicas. "Frequentemente escuto comentários que minimizam as dores das pacientes. Até o fato das pacientes arrumarem o cabelo ou estarem maquiadas já foram pontos de questionamento sobre a veracidade da dor. A população precisa entender que portadores de dores crônicas habituam-se a exercer suas atividades rotineiras mesmo com dor", ressalta a médica.
A ciência já confirmou isso antes
A especialista destaca que a diferença na abordagem da paciente com dor crônica em relação aos homens já foi mostrada, inclusive, por estudo científico. Ela relata que um artigo de revisão levantou 77 artigos na literatura que tratavam sobre homens e mulheres com dor, normas de gênero e preconceito de gênero no tratamento da condição.
"O levantamento observou um paradoxo. Não obstante a dor crônica ser mais prevalente e mais intensa no sexo feminino, os relatos das mulheres são levados menos a sério, sua dor é descontada como sendo psíquica ou inexistente e seu tratamento é menos adequado do que o dado aos homens", relata. Como decorrência deste desdém, segundo o artigo de revisão, as mulheres frequentemente são medicadas com mais antidepressivos e com menos analgésicos.
Para os pesquisadores, essa falta de atenção dos profissionais em relação às queixas das pacientes mulheres é uma expressão da masculinidade hegemônica e andronormatividade dos cuidados de saúde. A Dra. Amelie concorda com a conclusão. "Esse artigo escancara a questão do machismo no atendimento da dor. Se é de conhecimento geral que a dor crônica acomete mais mulheres, por que quando elas chegam ao consultório e reclamam de dor são logo taxadas de emocionalmente fracas?", indaga.