"Se te apontarem na rua ou caçoarem de você, ignore, é porque eles não têm educação", dizia com frequência a mãe de Daiana Rodrigues para a garota.
Hoje, mais de duas décadas depois, Daiana é quem aconselha o filho, o pequeno Anthony, de três anos, a não se importar com comentários sobre a aparência.
Daiana e Anthony nasceram com fios brancos na região frontal do couro cabeludo e diversas manchas claras na pele. As características pouco comuns, que costumam chamar a atenção nas ruas, são causadas pelo piebaldismo, alteração genética que afeta a pigmentação da pele.
O distúrbio raro se caracteriza pela ausência de células produtoras de pigmento - os melanócitos - em diferentes regiões do corpo, resultando nas áreas brancas por falta de melanina.
Por décadas, Daiana não soube o que tinha. Primeira da família com a característica, ela havia sido diagnosticada com vitiligo, cujos sintomas têm semelhanças com o piebaldismo.
"Durante toda a minha infância, fiz tratamento para vitiligo. Eu tive que tomar vários comprimidos por dia e não dava resultado nenhum. Aos 13 anos, pedi aos meus pais para parar com os remédios, porque não via nenhuma diferença na minha pele", relata à BBC News Brasil.
Ela conta que, apesar de se incomodar com olhares e perguntas constantes sobre sua aparência, nunca deixou que a situação a afetasse tanto. "Sempre vivi sem focar nisso. Nunca tentei me excluir. Estudei, cultivei amigos, namorei e trabalhei", diz Daiana, que é assistente social e mora em São Paulo.
Conexão entre mãe e filho
Atualmente aos 33 anos, ela se divide entre o trabalho e os cuidados com o filho. O nascimento do garoto representou um novo capítulo da história de Daiana com o piebaldismo. "Logo que o vi pela primeira vez, fiquei surpresa", diz ela.
"Eu tive depressão durante a gravidez e não me sentia tão conectada ao bebê. Mas quando notei que ele tinha as mesmas características que eu, senti uma enorme conexão com ele", relata.
Conforme estudos sobre o tema, há 50% de chances de filhos de pais com piebaldismo nascerem com a mesma característica.
"Na literatura, há relatos de famílias com seis gerações de pessoas afetadas pela doença. Porém, nem todos os casos apresentam um pai ou mãe com as mesmas características, porque o piebaldismo pode surgir por uma mutação nova, o primeiro caso na família", explica o médico geneticista Carlos Eduardo Steiner, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A vida com o piebaldismo
Daiana é a mais velha entre os três filhos da babá Dalgiza Rodrigues, de 58 anos. Logo no primeiro contato após o nascimento da primogênita, as características físicas da recém-nascida chamaram a atenção da mãe. "O dermatologista me informou que ela tinha vitiligo", relata a babá. Daiana é a única que nasceu com piebaldismo entre os irmãos.
A maior preocupação da mãe era sobre o modo como a primogênita encararia as manchas na pele e os fios brancos. "Eu sabia que ela poderia ter complexo por isso. Então, ensinava a não se importar, quando alguém falasse alguma coisa", conta.
Daiana cresceu e os olhares de estranhamento em direção a ela se tornaram mais constantes, pois as manchas na pele e os fios brancos ficaram mais evidentes.
"Eu ficava chateada por ver minha filha passar por isso. Mas sempre tentava mostrar para ela que o erro era daqueles que a julgavam", comenta Dalgiza.
Para tentar reduzir as manchas, a mãe seguia as instruções do médico para tratar vitiligo. "Era um tratamento bem incômodo. Tinha de tomar remédios e ficar exposta ao sol por uma hora, todos os dias, além de vários produtos para passar na pele", relata Daiana, que fez os procedimentos durante anos, até desistir por não ver resultados. "Nunca mais fiz nenhum tratamento."
As manchas de Daiana estão localizadas em regiões como a área central da testa, logo abaixo da parte frontal do couro cabeludo; o queixo; o antebraço; o tórax; as pernas e a panturrilha.
As áreas do corpo afetadas pela doença costumam ser semelhantes entre muitos daqueles que têm piebaldismo. As manchas são irregulares e podem variar de dimensão em cada caso.
Desde que era bebê, Daiana passava o dia com protetor solar na pele, que era reaplicado pela mãe por diversas vezes ao dia. "Eu odiava ter que passar aquilo tantas vezes", comenta.
A proteção é considerada fundamental em casos de piebaldismo, para diminuir os riscos de queimaduras solares e reduzir as chances de um possível câncer de pele.
Preconceito
A maior dificuldade causada pelo piebaldismo, para Daiana, foi ter de lidar com o preconceito relacionado à doença.
"Na adolescência, havia colegas que me respeitavam, mas sempre tinha uma brincadeira ou outra sobre o assunto, mas eu preferia ignorar e não deixar que me afetasse emocionalmente."
"Passei a entender o preconceito, realmente, quando me tornei adulta. Percebi que as pessoas olham torto, algumas pensam que é algo contagioso e outras, mais curiosas, perguntam se dói ou coça. Muita gente vem me dar conselhos de remédios. Quando são educados comigo, também sou educada. Quando são deselegantes, eu ignoro", revela.
O dermatologista Leopoldo Duailibe, especialista em doenças dos cabelos, acredita que o preconceito relacionado ao piebaldismo existe em razão do desconhecimento sobre o tema.
"É uma característica rara e a população, em geral, tem pouco contato com pessoas com piebaldismo", diz o médico, que acredita que a melhor forma para combater o preconceito é difundir informações sobre o tema.
Para esconder as manchas na pele, Daiana já usou maquiagens intensas. Ela também pintou o cabelo, durante a adolescência, para que os fios brancos sumissem.
"Hoje, não tenho mais vergonha das minhas características. Aprendi a gostar de mim do jeito que sou. Passo uma maquiagem leve, não mais para esconder as marcas", declara a assistente social.
Somente aos 22 anos ela descobriu que as manchas no corpo e os fios brancos no cabelo não eram sinais de vitiligo.
"Eu conheci uma moça que tinha as mesmas manchas na pele que eu e a área frontal do cabelo dela também era branca. Foi ela quem me contou que eu tenho piebaldismo e me fez entender que fui diagnosticada de modo errôneo desde a infância", diz a assistente social.
A partir da descoberta, ela pesquisou sobre o tema e conheceu outras pessoas que também têm a condição. "Foi muito importante conversar com gente que vive a mesma situação, porque isso ajuda a lidar melhor com a doença."
Erros de diagnóstico
Assim como o caso de Daiana, são comuns relatos de pessoas com piebaldismo que foram diagnosticadas com vitiligo.
"Isso acontece porque o vitiligo é uma doença de pele muito mais frequente e conhecida, que também é cercada de preconceitos e rejeição", detalha Steiner.
Apesar das semelhanças entre as doenças, como as manchas brancas na pele, há pontos que as diferenciam. As características do piebaldismo estão presentes desde o nascimento e são estáveis ao longo dos anos.
Já o vitiligo surge nos primeiros anos de vida e costuma piorar com o passar do tempo. Diferente do piebaldismo, que é genético, o vitiligo pode ter diferentes causas e pode haver tratamentos distintos para cada caso.
Comumente, o piebaldismo se restringe a características físicas na pele e no cabelo. Apesar de raros, há casos em que ele pode estar relacionado a outras doenças, como a anemia Diamond-Blackfan, que causa deficiência na produção de plaquetas e pode ocasionar defeitos congênitos na face, no coração ou no sistema urinário.
Os tratamentos para aqueles que têm o piebaldismo isolado, como é chamada a doença quando não está acompanhada de outra, costumam se restringir ao uso de protetor solar e outras medidas de proteção da pele, como a utilização de bonés ou chapéus e roupas que cubram braços e pernas.
Especialistas ao redor do mundo - no Brasil há poucos estudos sobre o tema - têm buscado formas para amenizar as manifestações do piebaldismo. Porém, os estudos ainda são considerados incipientes.
"Os tratamentos oferecidos atualmente para a repigmentação da pele, com medicamentos, fototerapia, laser ou microtransplante de pele têm mostrado poucos resultados. O uso de enxerto de células do próprio indivíduo parece ter resultado melhor em 75% dos casos, embora sejam necessários estudos em longo prazo para saber a real eficácia", explica Steiner.
Não há levantamento oficial sobre pessoas com piebaldismo no mundo. Estudiosos avaliam que a doença acomete um em cada 20 mil nascidos.
A chegada do filho
Daiana considera que o maior desafio em relação ao piebaldismo foi o nascimento do filho. "Mas sei que para mim, quando comparado ao que a minha mãe viveu comigo, se torna mais fácil, porque eu já conheço sobre o assunto. Além disso, o meu filho tem o meu exemplo como alguém que tem as mesmas características que ele", diz.
O pai do garoto, o analista de canais Cássio Suzuki, de 29 anos, revela que se surpreendeu ao ver o filho pela primeira vez.
"Foi engraçado. Confesso que nunca havia parado para pensar que ele também pudesse ter piebaldismo. Mas não era algo que me preocupava", conta.
Logo após o nascimento do garoto, Daiana levou o filho ao médico, que o diagnosticou com a condição.
Ele passou por exames que comprovaram que, assim como no caso da mãe, a doença dele não traz consequências além do cabelo branco e das manchas na pele. "Os meus cuidados com ele são apenas relacionados à proteção ao sol", detalha Daiana.
O maior temor dos pais do garoto é o preconceito que ele pode enfrentar por conta das características físicas. Daiana relata que costuma responder de modo amigável a quem pergunta sobre a aparência dela e do filho.
"Percebo que o Anthony fica incomodado quando alguém olha muito para nós, principalmente no transporte público. Uma vez, ele me abraçou e disse para a pessoa: 'a mamãe é minha'", relata.
"Quero que ele aprenda que, independente de qualquer coisa, sempre será tratado com o maior amor e carinho possível e que as pessoas devem amá-lo pelo que ele é, não pela aparência", diz Suzuki.
Apesar das preocupações dos pais, Anthony não se importa com os fios brancos ou com as manchas no corpo. "Eu acho legal. Gosto de ter o cabelo igual ao da mamãe", diz, em conversa com a reportagem.
Daiana não sabe se o filho entende que os olhares que recebem com frequência são motivados pelas características do piebaldismo. "Mas eu quero que ele entenda que essa condição não afeta nosso desenvolvimento como seres humanos", declara.
Ela afirma que seu maior objetivo é que o garoto compreenda que a doença não pode ser considerada um grande problema na vida dele. "Quero que ele entenda que podemos viver tranquilamente com o piebaldismo e que podemos fazer tudo o que os outros fazem. Quero que ele aprenda que podemos ser felizes", diz.