Dores de cabeça afetam diariamente 16% da população mundial e o consumo de álcool é uma das principais causas.
Embora o consumo excessivo de qualquer bebida alcoólica possa causar dores de cabeça, o vinho tinto é o maior culpado: as dores de cabeça que provoca surgem mais rapidamente do que as causadas pelo vinho branco, cerveja ou bebidas destiladas.
Outra diferença importante é que as dores de cabeça causadas pelo vinho tinto podem vir após apenas uma ou duas taças, enquanto outras bebidas só causam problemas depois de uma grande quantidade ingerida.
Quando o nosso fígado metaboliza o etanol (nome químico do álcool), um processo de duas etapas o transforma em acetato. A primeira etapa é a reação que o converte na substância altamente tóxica acetaldeído.
Quando consumimos grandes quantidades de álcool, nosso corpo acumula essa substância química, que é vinte vezes mais tóxica que o próprio álcool e altamente cancerígena. Essa molécula é a principal causa dos sintomas característicos da ressaca: náuseas, sudorese, rubor facial e dores de cabeça.
A segunda etapa é a subsequente conversão de acetaldeído em acetato por uma enzima chamada aldeído desidrogenase (ALDH) — um tipo particular desta enzima, ALDH2, dos níveis que atinge no fígado.
Um acúmulo de acetaldeído é responsável pelo forte efeito de rubor facial observado em aproximadamente 40% das pessoas de ascendência asiática.
Isso se deve a uma predisposição genética para produzir uma variante disfuncional da ALDH.
Certos medicamentos, como o dissulfiram, podem até ser usados para desencorajar o consumo de álcool, inibindo a produção de ALDH, causando acúmulo de acetaldeído.
Isso leva diretamente a efeitos desagradáveis, semelhantes aos da ressaca, quando o álcool é consumido, incluindo dores de cabeça, sem a intoxicação prévia.
Dores de cabeça e vinho
As dores de cabeça causadas pelo vinho tinto são frequentemente atribuídas a certos componentes da bebida, tais como aminas, sulfitos ou taninos, mas até agora não foram encontradas provas convincentes para apoiar estas hipóteses, nem foi proposta uma explicação alternativa.
No entanto, a maior concentração de flavonóides no vinho tinto — que é dez vezes superior à do vinho branco — torna-os os principais suspeitos de causarem dores de cabeça.
Um artigo científico publicado recentemente pode ter identificado muito bem o culpado: um flavonóide chamado quercetina, um dos 9 mil flavonóides registados encontrados em muitos alimentos como couve, cebola, alcaparras, coentro, chá verde, maçãs e uvas.
Quando vários flavonóides no vinho conhecidos por bloquearem a ALDH2 foram testados, o mais potente foi a quercetina-3-glicuronídeo. Este composto inibiu o ALDH2 quase três vezes mais do que qualquer outro.
Isso sugere que, quando bebemos vinho tinto, o fígado converte a quercetina em quercetina-3-glicuronídeo, o que nos faz acumular acetaldeído.
É importante dizer que a quercetina por si só não causa dores de cabeça.
Cebola, por exemplo, contém muito mais quercetina do que vinho, mas poucas pessoas reclamam de dores de cabeça depois de comê-las. O álcool e a quercetina agem juntos para causar um acúmulo de acetaldeído venenoso.
Quanto melhor o vinho, mais forte a dor de cabeça
Se a combinação de quercetina e etanol provoca dores de cabeça, por que algumas pessoas podem beber vinho tinto sem qualquer efeito, enquanto outras sentem dores de cabeça quando bebem?
Existem vários fatores que podem explicar isso.
Embora o vinho tinto tenha um teor de quercetina significativamente mais elevado do que o branco, as concentrações podem variar consideravelmente entre vinhos tintos de diferentes tipos e origens.
Isso foi encontrado, entre outros, nos vinhos espanhóis.
Diferentes processos de fabricação do vinho, como fermentação e envelhecimento, também afetam o conteúdo químico que vai parar na garrafa.
Um fator bem conhecido é a quantidade de exposição solar que as uvas recebem. Em vinhedos que produzem vinhos de alta qualidade, práticas como treliça, desbaste e desfolha (retirada das folhas) fazem com que as uvas recebam mais luz solar e acumulem mais quercetina do que os vinhedos convencionais que produzem vinhos mais baratos.
Um estudo mostrou que o teor total de flavonóides era quatro vezes maior em vinhos "ultra-premium" do que em vinhos de qualidade inferior.
Isso sugere que uma forma de evitar dores de cabeça pode ser, surpreendentemente, comprar vinho mais barato.
Por último, é possível que as enzimas que digerem a quercetina sejam diferentes de pessoa para pessoa. O acetaldeído também pode provocar dores de cabeça apenas em indivíduos geneticamente predispostos, como é o caso para uma maior proporção de pessoas asiáticas.
*Manuel Peinado Lorca é professor emérito e diretor do Real Jardim Botânico da Universidade de Alcalá (Espanha)
**Este artigo foi publicado no The Conversation e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original em inglês.