O Brasil passou a figurar no pódio dos países com mais casos de contaminação pelo coronavírus em menos de três meses desde a detecção do primeiro caso no País. Com os 254,2 mil casos divulgados pelo Ministério da Saúde na segunda (18) o Brasil ultrapassou o Reino Unido e está atrás apenas de Estados Unidos (1,5 milhão) e Rússia (290,6 mil). Para efeitos de comparação, o Brasil estava na 8ª posição há seis dias; na última terça, 12, o País registrava 169.594 casos.
No atual cenário da pandemia, as taxas de isolamento estão baixas, o que, consequentemente, aumentam os níveis de transmissão. O sistema de saúde público está colapsando e já se fala em estabelecer protocolos para escolher quem vai ter acesso ao tratamento em detrimento de outros doentes.
Disputas políticas também têm influência no desempenho do País. Na esfera federal, há a defesa do retorno às atividades normais para frear a recessão que será causada pelo coronavírus. Do outro lado, governos estaduais optam por não desrespeitar as recomendações de isolamento.
Baixa taxa de isolamento
A média de isolamento no País está em 43,4%, enquanto que especialistas apontam para a necessidade de o número mínimo ser de 70%. Todos os Estados apresentaram índice de isolamento inferior a 51%.
O Estado de São Paulo, que é o epicentro da doença, está em quarentena desde o dia 24 de março. Segundo especialistas, o isolamento social precisaria durar ao menos dois meses para conter o coronavírus. Mas, como pontuou o infectologista consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) Marcelo Otsuka, o isolamento nunca foi adotado de fato no País. "Se o isolamento tivesse seguido efetivamente, estaríamos pelo menos vivenciando a possibilidade de uma abertura controlada, como a Europa agora, mas é possível que essa situação se prolongue", afirmou. "Se vamos ser os primeiros no ranking, vai depender do comportamento da população."
Taxa de transmissão
Enquanto o isolamento social não é respeitado, é natural que a taxa de transmissão permaneça alta, já que a covid-19 encontra novos hospedeiros. Um estudo do Imperial College estima que pelo menos 4,2 milhões já foram contaminados com coronavírus no Brasil.
Falta de uniformidade
A União e os Estados não falam a mesma língua. Enquanto os governadores estaduais estão estimulando a população a aderir ao isolamento social, o presidente Jair Bolsonaro é a favor do retorno ao trabalho para evitar a quebra de empresas por falta de consumo e gerar uma crise econômica. "Se afundar a economia, acaba o meu governo, acaba qualquer governo. É uma luta pelo poder", justificou ao apresentador José Luiz Datena, da Rádio Bandeirantes, em entrevista concedida no dia 16 de março. Até mesmo funcionários públicos foram pressionados a voltar ao trabalho.
Sem consultar o ex-ministro da Saúde Nelson Teich - que sucedeu Luiz Henrique Mandetta no comando da pasta durante a pandemia -, o presidente incluiu academias e salões de beleza como serviços essenciais e viu seu decreto ser ignorado pelos governadores.
Mercado
Independentemente da estratégia de isolamento a ser adotada, o maior temor dos investidores é o prolongamento da pandemia ou uma segunda onda de infecções, explicou o analista da Ativa Investimentos Ilan Arbetman. Fato é que o mercado reagiu bem nos dias em que o governo anunciou pacotes monetários e fiscais para a pandemia, como a injeção de liquidez na economia pelo Banco Central e a aprovação de ajuda emergencial de R$ 600.
Por mais que a atividade econômica tenha diminuído, a demanda de determinados produtos e serviços ainda existe durante a pandemia, lembrou Arbetman. Mas se grande parte dos trabalhadores ainda vai sentir os graves impactos financeiros, isso é porque o País conta com outro problema estrutural que data antes da pandemia: o mercado informal, cuja remuneração está diretamente associada ao aquecimento do comércio e dos serviços. São 36,8 milhões de trabalhadores informais, segundo o Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE).
"É preciso haver um equilíbrio para escolher quais serviços são indispensáveis para a economia não colapsar e nem por as pessoas em risco", finalizou.
Leitos de UTI públicos em falta
Os leitos de UTI do sistema público já estão perto de lotar. Com 82% dos leitos de UTI ocupados, a Prefeitura de São Paulo decidiu solicitar 100 vagas à rede privada a uma diária de R$ 2.100 para cada paciente que atender. O valor é maior do que o que é pago à cidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS), R$ 1.600 - quantia que desagrada hospitais da rede particular.
O Conselho Nacional de Saúde, órgão ligado ao Ministério da Saúde, recomenda a requisição de leitos privados; a prática está prevista na Constituição. Mas até os hospitais particulares do Amazonas, Pará, Maranhão, Pernambuco, Ceará e Rio de Janeiro já enfrentam o superlotamento.
Há projetos no Legislativo federal como o Projeto de Lei nº 2.333/20, de autoria do PSOL na Câmara, que cria uma fila única para o atendimento de pacientes com coronavírus em UTIs públicas e privadas.
A fila única também é defendida pela Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), que está elaborando parâmetros para a seleção de pacientes que terão acesso às UTIs. "Eu estou aqui com um cara de 81 anos, presidente de banco, e com um jovem, que está preso lá em Bangu. Pois é, são aqueles dilemas que não têm uma solução única", explicou o presidente da SBB, Dirceu Greco, em entrevista ao Estado no último dia 12.
Resultado
O Brasil pode ter média de 90 mil mortes em decorrência do novo coronavírus até agosto, segundo o modelo estatístico elaborado pelo Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME).