Personalidades do mundo político e jurídico, juntamente com entidades representativas de profissionais e veículos de imprensa, elogiaram a formação de um consórcio de veículos de mídia dedicado à coleta e à divulgação de dados sobre covid-19. Em resposta aos entraves impostos pelo governo federal, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, O Globo, Extra, G1 e UOL decidiram trabalhar de forma colaborativa para buscar as informações diretamente nos 26 Estados e no Distrito Federal.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a iniciativa é "excelente". "Mostra a importância da liberdade de imprensa para que nós tenhamos transparência não apenas na divulgação de dados, mas em todas as ações dos agentes públicos", afirmou.
No início da tarde, Maia disse esperar que o Ministério da Saúde volte a apresentar os dados como na forma anterior e no horário anterior, "para que isso não seja mais um tema de conflito no Brasil". Na semana passada, o ministério havia mudado o horário de divulgação para as 22h, o que inviabilizaria a divulgação dos dados em telejornais e veículos impressos. Ontem, o governo recuou e publicou os números pouco antes das 18h30.
Desde o início da pandemia, o governo federal vem diminuindo o nível de transparência na divulgação de informações sobre a crise. Com a saída do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, o Executivo reduziu entrevistas sobre a situação e, desde a semana passada, passou a omitir o número total de mortes no País, divulgando apenas a quantidade de óbitos nas 24 horas anteriores.
O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, ressaltou que "a transparência é mandamento constitucional". Ele acrescentou: "São, portanto, bem-vindas todas as medidas que visem reforçar a transparência e ampliar as fronteiras do acesso à informação. Essa iniciativa é mais uma demonstração do trabalho de excelência realizado pela imprensa em auxiliar nas informações necessárias ao combate da pandemia."
O ex-ministro da Justiça Sergio Moro disse que "a iniciativa só reforça a importância da transparência e a relevância da imprensa em uma sociedade livre". "Infelizmente, a confusão provocada por novas metodologias e atrasos na divulgação do número de mortos e de novos casos confirmados tem gerado questionamentos quanto à confiabilidade dos dados e insegurança em representantes da área de saúde."
O deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), autor de um projeto que obriga o governo a divulgar os dados, também elogiou o consórcio dos veículos de comunicação. "Isso é muito importante porque, no momento em que perdemos o rastro dos dados, perdemos a capacidade de tomar decisão. Que bom que temos essa parceria para nos ajudar."
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também comemorou. "Apesar da determinação de Bolsonaro de nos colocar no padrão da ditadura do Turcomenistão, aqui, no Brasil, nós temos imprensa livre que nos aproxima dos regimes democráticos."
Para o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, a parceria inédita para informar os dados da covid-19 "evidencia a relevância dos meios de comunicação em um momento grave como esse da pandemia no País". Rech lamentou a posição do governo federal de restringir a divulgação dos dados. "O Brasil, me parece, é o único País onde é necessária uma aliança dos meios de comunicação para trazer a verdade sobre os números da doença. Para o presidente da ANJ, "é lamentável que isso ocorra por parte do governo, porque evidencia uma tentativa de esconder informações da população". Por outro lado, "demonstra a importância da ação dos meios de comunicação na busca pela informação correta para a sociedade".
O presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Paulo Jeronimo, lembrou que, na década de 1970, a ditadura militar escondeu, por meio de censura, a existência de um surto de meningite. "Por isso, as famílias não foram alertadas para a epidemia, o que ocasionou grande número de mortes de crianças. Agora, diante da multiplicação de mortos pelo coronavírus, que faz do Brasil um dos recordistas mundiais nesta macabra lista, o governo Bolsonaro tenta esconder os números reais. Estamos diante de um crime. "Nesse quadro, a iniciativa dos veículos de comunicação de, em conjunto, consolidar esses números e divulgá-los, tem total apoio da ABI. É uma iniciativa que honra a imprensa brasileira."
Para Manoel Galdino, o diretor executivo da Transparência Brasil, a iniciativa da imprensa de juntar forças para divulgação de dados sobre o impacto da doença "é uma alternativa importante para a sociedade" no contexto da epidemia de coronavírus. Para Galdino, porém, "o óbvio seria pensar que essa é uma obrigação do governo", destacou. Segundo o diretor executivo da Transparência Brasil, "o governo brasileiro está omitindo os dados e informações sobre a doença numa decisão de de caso pensado". Para ele, a divulgação dos dados da covid-19 "não é uma responsabilidade da imprensa, mas sim do governo federal". Galdino afirmou ainda que a mudança na política de informação sobre a covid-19 "faz parte de uma estratégia do governo federal que é um retrocesso claro verificado em várias áreas, como os dados sobre emprego e dificuldades para atender à Lei de Acesso à Informação".
Marcelo Träsel , presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), afirmou que "o presidente da República vem adotando medidas que contrariam a Constituição Federal, a Lei de Acesso à Informação e as boas práticas de transparência pública com o objetivo de retaliar a cobertura jornalística sobre os erros de seu governo no combate à pandemia de covid-19". Para ele, "ocultar o número de mortos é a mais nova ocorrência em sua política de atacar o mensageiro para não prestar contas ao povo brasileiro. A união de toda imprensa é fundamental neste momento de degradação da democracia."
Paulo Zocchi, presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, condenou de forma veemente a atitude do governo Bolsonaro de suspender a divulgação diária do conjunto de números referentes à evolução nacional da Covid-19. "É um ato de censura e um verdadeiro crime contra a população brasileira, que tem o direito de acompanhar a realidade da doença para poder se defender dela. Consideramos positiva a atitude de veículos de comunicação que decidem somar esforços para suprir esta lacuna informativa, pois é missão do jornalismo profissional fazer todos os esforços para apurar e divulgação o conjunto de informações de interesse público a respeito da doença, neste momento de pandemia."
"É louvável a iniciativa dos jornais. neste momento de pandemia e de incertezas, trazer a informação correta, consolidada, verdadeira, confiável, é exatamente o que a população espera, da imprensa, e precisa, como nação", disse o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre.