Qual a dificuldade do Brasil em importar insumos e vacinas?

Para especialistas ouvidos pelo Estadão, País está isolado diplomaticamente

21 jan 2021 - 17h02
(atualizado às 17h10)

A dificuldade que o Brasil está tendo para garantir os insumos e vacinas contra covid-19 tem relação direta com a falta de um plano nacional para tentar conter a pandemia e também com uma política externa que dialoga por ideologia. Segundo analistas ouvidos pelo Estadão, é uma prova de como o País estaria isolado diplomaticamente - a antítese de uma nação que nos anos 90 liderou uma grande aliança de países em desenvolvimento e conseguiu montar uma coalizão em defesa da quebra de patente dos medicamentos da Aids.

Qual a dificuldade do Brasil em importar insumos e vacinas?05/12/2020 REUTERS/Dado Ruvic
Qual a dificuldade do Brasil em importar insumos e vacinas?05/12/2020 REUTERS/Dado Ruvic
Foto: Reuters

"Perdemos diálogo em todos os fóruns. O Brasil está em uma posição isolada pela visão ideológica de política externa que passou a ter com o atual chanceler. No meio ambiente, afastou-se da Europa. A postura antiChina nos afastou da China e, indiretamente, da Rússia. A América Latina inteira, praticamente, se afastou. A postura ideológica de colocar todos os ovos na única cesta chamada governo Trump acabou limitando os apoios e parcerias que poderíamos ter neste momento de crise", destacou Gunther Rudzit, doutor em ciência política pela USP, com tema na área de segurança internacional.

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Embora a Índia tenha confirmado que começará a enviar as doses da vacina de Oxford ao Brasil nesta sexta-feira, 22, a sinalização anterior de que a entrega poderia ser postergada rendeu inúmeras críticas aos esforços diplomáticos do governo federal. De acordo com Fausto Godoy, diplomata brasileiro que foi cônsul em Mumbai, seria natural a Índia atender primeiramente à sua própria demanda e de países da sua região.

O indiano Umesh Mukhi, professor da FGV, afirma que a relação diplomática entre os dois países é excelente. "Não há nenhum problema nessa negociação. Existe um prazo e a entrega será feita dentro desse prazo. A Índia tem uma demanda mundial para entrega. Não tem nenhuma falha na negociação. O que aconteceu foi que o Brasil teve uma crise doméstica e precipitou autoridades para agilizar o processo", opinou.

Para ele, houve uma falha de comunicação por parte do Brasil, que decidiu enviar um avião para buscar os insumos sem consultar os indianos antes. Na visão de Mukhi, o País deveria priorizar investimento em seus laboratórios, como os da Fiocruz e do Instituto Butantan para ser mais autossuficiente. "Considerando que já existe aqui grandes instituições, o mais correto seria dobrar essa capacidade interna e reduzir dependência externa. Estimular parcerias e reduzir dependências."

Represamento chinês, problema que persiste

A questão do represamento chinês de insumos para a vacina contra a covid-19 ainda preocupa, apesar da promessa do embaixador da China nesta quinta-feira, 21, em fazer 'máximos esforços' para atender às demandas brasileiras. Essa demora na liberação de matéria-prima estaria associada a declarações do presidente Jair Bolsonaro e de seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, a respeito do país.

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"O governo chinês tem atualmente tremenda má vontade em relação ao Brasil. A China se recuperou do que passou, mas eles têm um conceito de honra muito importante, é um dos pilares de sua cultura. O governo brasileiro cutucou a honra desse país e isso não vai sair de graça", destacou Godoy.

Em novembro do ano passado, a diplomacia chinesa emitiu por duas vezes comunicado criticando o deputado federal Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, por causa de militância virtual. Os chineses disseram que o parlamentar "solapou" a relação amistosa entre os países com declarações "infames", e que o Brasil poderia "arcar com consequências negativas".

Eduardo disse nas redes sociais que a China praticava espionagem por meio de sua rede de tecnologia 5G. O ataque era uma forma de demonstrar apoio a uma ação do governo de Donald Trump. Anteriormente, Eduardo chegou a culpar a China e o Partido Comunista Chinês pela pandemia da covid-19. Na ocasião, o embaixador Yang Wanming reagiu na rede social e disse que o deputado estava infectado por um "vírus mental".

"A embaixada chinesa reagiu de maneira contundente para os padrões chineses. Sei por experiência própria que nenhum diplomata se manifesta daquela maneira sem autorização do governo e principais autoridades do país. Desde então, existe essa má vontade com relação ao governo atual", acrescentou Godoy.

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A saída, segundo Rudzit, seria o presidente Jair Bolsonaro solicitar uma reunião com o embaixador chinês. "Seria um gesto de reconciliação. Na visão chinesa, o Brasil estaria se curvando, admitindo o erro. No cumprimento oriental, quem inclina mais para frente presta mais respeito, reconhece o outro em situação hierárquica superior. Em linguagem diplomática, depois de tudo que fez, falou, uma reunião com uma foto no final apertando as mãos seria sinal de respeito. Para receber logo insumos. É preciso que o Brasil mude de atitude radicalmente com a China. Seria o mais barato para o presidente Bolsonaro."

Godoy acredita que o governo de São Paulo poderia intermediar a importação de insumos com os chineses, já que, naquela crise diplomática, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) foi tratar com a Sinovac e garantiu a remessa para o Estado. "O governo chinês sempre honrou com suas parcerias estratégicas. Existe uma relação do governo chinês com São Paulo e outra com o Brasil. Não digo que a China vai boicotar o Brasil, porque iriam contra humanidade. Mas vão priorizar quem tem boa relação com eles inicialmente. São Paulo não é Brasil e, quem sabe, pode conseguir melhorar essa relação."

Segundo o Itamaraty, o governo "permanece, igualmente, em contato com as autoridades chinesas e com a empresa responsável pelo fornecimento dos insumos para identificar a melhor maneira de resolver a questão".

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