O secretário de Desenvolvimento Regional de São Paulo, Marco Vinholi, afirmou que o Estado vive o pior momento da pandemia da covid-19 e que os prefeitos "negacionistas" têm uma decisão a fazer: "(O prefeito precisará escolher) se vai seguir regras sanitárias e investir em Saúde ou se vai investir em caixão e depois ter de consolar as famílias da cidade".
Prefeituras de municípios grandes e pequenos do interior de São Paulo, como São José dos Campos, Taubaté, Bauru, Piracicaba, Cosmópolis e Espírito Santo do Pinhal, adotaram medidas mais brandas de restrições, no primeiro dia de retomada da fase vermelha do Plano São Paulo de enfrentamento à pandemia da covid-19. Pelo menos oito serão notificadas pelo governo do Estado - número que pode aumentar, após contagem final, nesta segunda-feira, dia 8.
Amparadas por medidas judiciais, decretos municipais próprios ou simplesmente relaxando a fiscalização dos estabelecimentos no cumprimento das regras restritivas, as prefeituras mantiveram abertos comércio, academias e salões de beleza, contrariando o Plano São Paulo, que estipulou a retomada da "quarentena" - por duas semanas - nas 645 cidades paulistas.
O objetivo com a medida, válida até 19 de março, é frear o aumento de transmissão do novo coronavírus e evitar o colapso do sistema de saúde. Na fase vermelha, apenas serviços considerados essenciais podem abrir - farmácias, supermercados e padarias, além de hospitais e escolas, por exemplo, estão autorizados. Restaurantes podem ter apenas o serviço de entrega.
"A imensa maioria seguiu o plano, mas em algumas prefeituras identificamos o descumprimento das regras de restrições, por meio de decretos divergentes e por não fazerem a fiscalização como deveriam", afirmou Vinholi, ao Estadão. "Nós vamos notificar as prefeituras que não cumpriram as regras, vamos posicionar o Ministério Público, que tem agido com muita rapidez e contundência. E vamos também buscar o diálogo."
Negacionistas
O governo do Estado identificou que há um problema concentrado em cidades do Vale do Paraíba e de outras regiões, em que os índices de contágio, de doentes e de oferta de leitos são usados para justificar o entendimento de que eles não devem ser inseridos na "quarentena" e, especialmente, no grupo de prefeitos "negacionistas" da pandemia.
A prefeita de Bauru, Suéllen Rosim (Patriotas), é apontada como exemplo. Aliada do presidente Jair Bolsonaro, ela baixou um decreto no início do ano mantendo o comércio em funcionamento, mesmo depois de o governo do Estado colocar a cidade na fase vermelha, em decorrência do avanço da pandemia e dos riscos de colapso na rede hospitalar.
"Você tem os negacionistas. A prefeita de Bauru, por exemplo, que é irresponsável, até agora não conseguiu compreender que o combate à pandemia é uma responsabilidade de todos e, se não diminuir o contágio do vírus lá, ela vai continuar tendo de, em vez de investir em Saúde, investir em caixão", criticou Vinholi. A prefeita Suéllen afirma que nunca negou a covid-19, mas que defende que o Estado tem de garantir vagas nos hospitais para os doentes.
A falta de leitos para os casos graves da covid-19 é realidade em pelos menos 19 hospitais de São Paulo, em cidades como Bauru, Botucatu, Sorocaba, Pedreira, Sumaré, Presidente Prudente, na capital e em outros municípios da Grande São Paulo. Neste domingo, o total de mortes no Brasil chegou a 262.948, segundo dados coletados junto às secretarias estaduais de Saúde pelo consórcio formado por Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL.
Justiça
Em São José dos Campos, a prefeitura conseguiu no Tribunal de Justiça de São Paulo, na semana passada, a liberação para adotar medidas menos restritivas, que garantem a abertura do comércio e de outras atividades não essenciais, como academias e salões. O prefeito Felício Ramuth (PSDB) argumentou que o cenário da cidade permitia a manutenção dos critérios estabelecidos na fase laranja do Plano São Paulo. Em vídeo publicado no Facebook, disse que a "justiça foi feita".
A medida levou outros municípios a judicializarem o boicote à quarentena estadual. O prefeito de Taubaté, José Saud (MDB), informou em vídeo publicado em rede social que vai buscar, nesta segunda (8), a extensão da medida, para manter o município também na fase laranja. "Ótima notícia, São José dos Campos conseguiu um mandado de segurança e volta para a fase laranja. Iremos atrás deles, não tenha dúvida", afirmou o prefeito de Taubaté.
Em Franca, o prefeito Alexandre Ferreira (MDB) também já recorreu à Justiça. Para ele, o município não tem indicativos que justifiquem a retomada da fase vermelha.
Em Cosmópolis, o prefeito Junior Felisbino (PP) afirmou que não iria seguir a fase vermelha, em vídeo publicado em seu perfil em rede social. O município liberou a abertura do comércio, de bares e de academias. O chefe do Executivo argumenta que o cenário local permite regras mais brandas e que manterá o comércio aberto. "Nós não vamos fechar o comércio. Esse é um compromisso nosso."
Sem exceção
Segundo o secretário de Desenvolvimento Regional, está errado o entendimento de que os índices locais de infectados, de doentes e de leitos disponíveis para atendimento justificam a adoção de regras municipais próprias para o enfrentamento à pandemia. "Muitos prefeitos não estão compreendendo que estamos em um estágio agudo da pandemia, que é mais forte do que tivemos anteriormente. Alguns ainda não entenderam o momento que estamos passando."
Segundo Vinholi, "mesmo que na cidade os índices de infectados, de doentes e de vagas nos hospitais sejam um pouco melhores, não é uma regra que se possa mais ser adotada, devido à contundência dessa nova cepa do vírus". Nesta segunda-feira, ele e o secretário da Saúde, Jean Carlo Gorinchteyn, devem ter uma reunião com prefeitos da região do Vale do Paraíba. O objetivo é explicar que, mesmo com números um pouco melhores, a velocidade da expansão da nova cepa não permite que se adote regras mais brandas neste momento.
O secretário diz que as regiões do Vale do Paraíba, da Baixada Santista e da capital apresentam "índices um pouco melhores" do que o resto do Estado, mas que é preciso considerar que o Brasil vive uma nova pandemia. Araraquara, cidade que registrou os primeiros casos no Estado e teve de adotar um lockdown em fevereiro, é um exemplo, de acordo com ele.
"Esse vírus, em poucos dias, provoca um impacto muito forte no contágio local. Em Araraquara, em poucos dias a taxa de contágio triplicou. Da mesma forma que em Jaú e em outras cidades. Por isso, as regras são para todas as cidades de São Paulo."
Enquadradas
O Estado vai notificar as prefeituras que não cumpriram a fase vermelha neste primeiro fim de semana de retomada das restrições. "Até este domingo identificamos oito prefeituras, mas amanhã (segunda-feira, 9) teremos um quadro geral."
Cidades como Piracicaba, Espírito Santo do Pinhal, Cosmópolis e Campo Limpo Paulista continuaram neste sábado com restrições mais brandas, mantendo comércio não essencial, academias e salões abertos, com base em decretos municipais.
A Prefeitura de Piracicaba, por exemplo, permitiu que as academias de ginástica abrissem as portas. O prefeito Luciano Almeida (DEM) editou norma municipal, em dezembro de 2020, em que incluiu a prática da atividade física com acompanhamento de profissional como essencial em períodos de "crises ocasionadas por moléstias contagiosas ou catástrofes naturais". A medida é contestada pelo Ministério Público.
Em Espírito Santo do Pinhal, a prefeita Cristina Brandão (Podemos) também publicou um decreto municipal que permite que academias e salões de beleza continuem abertos. A cidade tinha registrado 1.207 casos de infectados pelo novo coronavírus até 1º de janeiro e fechou o mês com 1.699. Em fevereiro houve uma explosão de transmissão, chegando a 2.529 infectados nesta sexta-feira - data do decreto publicado no Diário Oficial do Município, em que manteve as atividades em funcionamento.