O projeto Sento Mesmo, criado pelo médico Uno Vulpo, promove educação sexual e redução de danos sobre uso de substâncias com linguagem acessível e bem-humorada, desmistificando temas tabus e baseando-se em evidências científicas.
Falar sobre sexualidade e uso de substâncias de forma aberta e educativa pode parecer um desafio para quem produz conteúdo para redes sociais, ainda mais numa época de polarização e censura frequentes. Para o médico, redutor de danos e educador sexual, Uno Vulpo, o desafio se tornou a missão de seu projeto Sento Mesmo, no qual ele utiliza um tom bem-humorado e acessível para abordar temas considerados tabus.
Segundo a descrição do projeto feita pelo próprio Uno, as publicações no Instagram contêm respostas para "o que todo mundo quer perguntar, mas não pergunta por vergonha". Ou seja, ajudam a desconstruir mitos e promovem conhecimento baseado em evidências científicas.
A trajetória do médico natural de Divinópolis (MG) no campo da educação sexual e redução de danos começou de maneira despretensiosa. Ao Terra, ele conta ter crescido em um ambiente conservador e cristão, o que o levou a buscar conhecimento para se sentir mais confortável para falar sobre temas que o cercavam. "Virei o nerd das drogas e sexualidade para sempre saber pelo menos conversar", lembra.
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Ao começar a cursar medicina, ele percebeu a falta de informações acessíveis sobre sexualidade e substâncias químicas. Durante um carnaval, Uno decidiu pesquisar sobre interações de drogas para orientar seus amigos. O material que compilou fez sucesso entre seu grupo e mostrou uma demanda reprimida por conteúdos que explicassem maneiras de como fazer com que os excessos prejudiquem menos o organismo. Com textos e carrosséis informativos nas redes sociais, o projeto rapidamente ganhou popularidade.
A aceitação do público à @sento.mesmo, ou Senta, como Uno se refere à página, foi rápida e expressiva, mas nem sempre unânime. "Muito boa a recepção dos CPFs, mas não dos CNPJs", brinca, ao destacar que marcas evitam se associar a temas polêmicos, mesmo com o grande engajamento do seu público. Ele conta enfrentar críticas de quem acredita que a redução de danos incentiva o uso de substâncias. "Tem ainda muita gente que repreende as publicações dizendo ser apologia ao uso de susbtâncias ou putaria".
"Temos que ter em mente que as pessoas vão usar algo (...) Morrer ou ter um trauma por conta de desinformação é uma realidade muito triste. Alguém morrer por não saber que uma mistura é perigosa, ou acabar se tornando dependente por não ter em mente os riscos e indícios de vício é também horrível. Eu não incentivo ninguém a usar, eu oriento as pessoas que, mesmo com todas as indicações de não uso, irão utilizar a substância, ou que podem inclusive usar por maldade alheia", defende.
A redução de danos, uma das áreas às quais Uno se dedica, é uma estratégia de saúde pública que busca controlar possíveis consequências adversas ao consumo de psicoativos, lícitos ou ilícitos e contém orientações pautadas por autoridades como o Ministério da Saúde, por exemplo.
Outro tema considerado tabu e que está presente no conteúdo da Sento Mesmo é educação sexual, cujas dúvidas mais frequentes variam desde o uso correto de preservativos em práticas como ménages e orgias até questões emergenciais sobre infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Uno aponta que o ensino sexual nas escolas ainda é falho e classifica muitas das perguntas que recebe como "básicas".
"Coisa que deveria ser ensinada na escola, mas estávamos todos ocupados vendo fotos catastróficas de gonorréia ou cancro, em vez de aprendermos a particularidade de cada IST e situações de risco", alerta.
Para o criador do Sento Mesmo, a linguagem descontraída e acessível derruba barreiras na comunicação criadas por uma formalidade excessiva. "É diferente a recepção do público quando você anuncia que vai falar sobre aborto e quando diz que vai falar sobre como 'cancelar' crianças", ironiza, ao explicar como o humor facilita o diálogo, torna assutos espinhosos mais palatáveis, e "quebra um pouco o gelo ao redor do tema, deixando as pessoas mais à vontade para perguntarem".
"São questionamentos que chegam em mim ou que percebo no meu cotidiano clínico, sempre do dia a dia mesmo. Daí vou para a investigação científica e validação do que pesquiso. Tem muita pseudociência online e é algo que abomino. (...) Sempre sou parado na rua por pessoas dizendo que até saíram da dependência por conta do conteúdo", revela.
Apesar do sucesso, Uno enfrenta desafios constantes. Há pouco mais de dois anos, sua conta com 100 mil seguidores foi derrubada por censura. "Não falo nada que não esteja documentado e publicado em manuais, guidelines e material científico. Não faz sentido a censura que rola com frequência. Com o tempo, aprendi a me adaptar à plataforma, mas é sempre muito difícil. Tem temas que não falo por medo de cair a página mesmo. E é um trabalho de engajamento com a galera que se perde”, lamenta.
Com o sucesso, que já rendeu participação no documentário Biografias Íntimas, do GNT, e o programa Sobre o Prazer Deles, na Globoplay, o médico afirma que os próximos passos devem incluir a expansão dos canais utilizados para se comunicar com seu público. Isso deve passar, por exemplo, pela publicação de um livro com seu conhecimento sobre educação sexual e redução de danos.
Além de seu próprio conteúdo, ele deixa dicas para quem busca mais fontes confiáveis sobre estes temas: projetos como o Centro de Convivência É de Lei, Pre-Part e Release UK.