Há um grande mito de que os tratamentos de Reprodução Assistida permitiriam escolher características físicas do bebê. Mas será que isso é realmente verdade? Os pais podem escolher o sexo, a cor dos olhos e até dos cabelos dos futuros filhos?
“Na verdade, os tratamentos não trazem informações extras sobre as características dos futuros bebês. Porém, conseguimos identificar se existe alguma alteração cromossômica que possa causar abortos ou síndromes e também se o embrião tem alguma doença genética conhecida. O sexo do bebê seria possível de ser escolhido porque o teste genético consegue detectar qual é o cromossomo sexual que o embrião possui, X ou Y", explica Fernando Prado, especialista em Reprodução Humana, Membro da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) e diretor clínico da Neo Vita.
"No entanto, eticamente não é permitido pelo Conselho Federal de Medicina que seja feita a escolha do sexo do embrião, a não ser em casos em que existam doenças ligadas ao sexo, como a hemofilia, por exemplo. Nesses casos pode ser escolhido o embrião com o sexo que não é portador do gene para evitar a transmissão da doença”, completa ele.
O que é e o que não é possível
“A cor dos olhos, cor dos cabelos, cor da pele, a estatura, isso não é possível escolher. Não existe tecnologia ainda na área médica que possibilite a escolha dessas características e também acho que vai ser muito improvável que os órgãos reguladores permitam que sejam escolhidas essas características, porque sempre nós temos que pensar que a eugenia tem que ser evitada a todo custo”, acrescenta o médico.
Eugenia é um conceito que alimenta ideias preconceituosas e racistas, que prega a seleção dos seres humanos com base em suas características hereditárias com objetivo de ‘melhorar’ as gerações futuras.
O médico explica que os testes genéticos nos embriões podem ser de duas formas.
“É possível fazer um teste para descobrir se o embrião tem alguma alteração em cromossomos, o que chamamos de alterações estruturais, ou seja, são alterações nas quais o embrião tem cromossomos a mais ou a menos. Também conseguimos verificar se o cromossomo tem alguns pedaços faltando ou pedaços trocados e essas alterações são conhecidas como aneuploidias. Há também a busca por doenças monogênicas, aquelas em que apenas um gene alterado pode causar a doença. Por exemplo, se existe na família um histórico de alguma doença cromossômica como hemofilia ou anemia falciforme. Essas doenças podem ser buscadas no embrião e sabemos se ele não é portador do gene”, explica o médico.
Teste para doenças
Tanto o teste para alterações estruturais quanto o teste pra doenças monogênicas são feitos da mesma forma: é necessário que sejam retiradas, por meio de biópsia, algumas células do embrião quando ele atinge um estágio de desenvolvimento que é chamado de blastocisto.
“Nessa fase retiramos por volta de seis a dez células e o embrião tem por volta de umas 120 a 150 células. Essas células são células-tronco, então elas se regeneram e isso é completamente seguro para o embrião. Depois de retiradas com o auxílio de um laser, essas células são enviadas para análise, onde são buscadas alterações dos cromossomos ou no gene específico que está sendo pesquisado”, explica Fernando.
Os testes genéticos não são feitos de rotina. “Existem algumas indicações e só recomendamos que os pacientes façam, quando eles estão incluídos nesses grupos específicos. Entre esses grupos estão os casos em que a mulher tenha mais de 35 ou 40 anos, casos em que houve aborto de repetição – que são aquelas situações quando o casal já teve mais de dois abortos em sequência – ou quando acontece uma situação que nós chamamos de falha de implantação, que é quando o casal recebe embriões de alta qualidade por mais de duas vezes e eles não implantaram no útero, não resultando em gravidez”, explica o especialista.
Segundo ele, também está indicado o teste genético quando existe alguma doença genética na família do casal ou quando a própria pessoa é portadora de algum gene já conhecido, como nos exemplos citados de hemofilia ou de anemia falciforme.
O médico enfatiza que os testes possuem uma margem de acerto muito alta, mais de 99%.
“Quando é detectada uma alteração, realmente ela existe e o embrião tem mesmo aquele defeito no cromossomo ou no gene. Os resultados para as alterações estruturais, que são aquelas nos cromossomos, costumam sair bem rápido, geralmente em algumas horas ou no máximo em cinco dias. Já quando pesquisamos gene, o tempo é um pouquinho mais demorado, ao redor de duas semanas ou no máximo um mês”, explica.
A descoberta das doenças genéticas é feita antes da implantação. “Quando é feita a biópsia, o embrião fica congelado aguardando o resultado do exame e depois que esse resultado é conhecido, o útero da paciente é preparado com hormônios. Só então o embrião normal é descongelado e transferido para o útero, evitando a transmissão das doenças genéticas ou das síndromes cromossômicas”, diz o médico.
Teste de gestação gemelar
Também não é possível saber se vai acontecer uma gestação gemelar (gêmeos) ou não. “Porém, quando nós fazemos a transferência de dois embriões ou mais para o útero, esse risco de gestação múltipla aumenta bastante. Para se ter uma ideia, o risco de gêmeos em uma gravidez natural é de 0,1% e quando nós fazemos a transferência de dois embriões, esse risco pode aumentar para 30%”, argumenta Fernando.
“Como qualquer gestação múltipla é considerada uma gestação de alto risco, nós não recomendamos que os casais engravidem de gêmeos. A clínica costuma recomendar que seja feito um procedimento que nós chamamos de SET, que é uma sigla em inglês que significa single embryo transfer, ou seja, nós colocamos apenas um embrião de cada vez no útero, logicamente respeitando as normas do Conselho Federal de Medicina. A ideia é que aconteça uma gestação mais segura, um bebê de cada vez, o que reduz bastante os riscos de parto prematuro, de diabetes gestacional, de pré-eclâmpsia ou de outras doenças na gravidez. A segurança é um princípio importante a ser respeitado nos tratamentos por técnicas de reprodução assistida”, explica o médico.
Nos casos de doações de gametas, ou seja, de espermatozoides ou de óvulos, o casal receptor não apenas pode como deve escolher as características do doador ou doadora, segundo o médico.
“Os doadores têm que ter as mesmas características físicas de quem está recebendo os gametas. Então, por exemplo, a mesma etnia, a mesma cor de pele, em tese a mesma cor de olhos, cabelos... tudo isso é importante para que a criança que vai nascer por este tratamento possa ter uma semelhança física com os pais. Então é possível escolher desde a tipagem de sangue, características físicas, qual é a profissão do doador ou doadora, os hobbies, enfim, há uma série de detalhes no questionário que os doadores preenchem que facilitam a escolha pelos casais receptores. Tudo isso para que se adeque o mais próximo possível das características dos futuros pais”, finaliza Fernando.
(*) HOMEWORK inspira transformação no mundo do trabalho, nos negócios, na sociedade. É criação da Compasso, agência de conteúdo e conexão.