As redes sociais podem ter consequências emocionais e sociais e uma tendência de exibir uma falsa vida perfeita nelas já existia antes delas. É possível equilibrar o uso para não sofrer, sendo buscar ajuda importante para sair desse ciclo de comparações.
Todo mundo tem um amigo ou parente que demonstra ter uma vida perfeita nas redes sociais. Viagens luxuosas, momentos românticos, comidas refinadas, noites inesquecíveis e presentes caros. Isso quando nós mesmos não nos reconhecemos nesse papel. Parece até que, nessas rotinas exibidas pelas telas, preocupações, tristezas, dívidas, medos, angústias, inseguranças e dúvidas são conceitos que não existem. No fim das contas, é tudo muito bom para ser verdade – e quase sempre não é mesmo.
Comportamentos desse tipo, tão costumeiros na Internet e aparentemente triviais, podem acarretar consequências emocionais e sociais que a maioria das pessoas não se dá conta. Isso serve tanto para aqueles que vislumbram e comparam suas vidas com as maravilhas com que se deparam nas redes sociais quanto para aqueles que se veem na obrigação de sustentar perpetuamente uma imagem de perfeição.
A edição de 2019 do levantamento Indicador de Confiança Digital (ICD), conduzido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), revelou que 41% dos jovens brasileiros avaliam que as redes sociais causam sintomas como tristeza, ansiedade ou depressão. O estudo mostrou também que apenas 27% dos jovens esperam o melhor da tecnologia, ainda que muitos deles não consigam se desvincular das telas.
“Essa tendência das pessoas quererem demonstrar sempre uma vida muito perfeita nas redes sociais vem de uma necessidade de validação, de aprovação que o ser humano tem”, afirma a psicóloga Bruna Linhares, especialista em terapia cognitiva comportamental com foco em burnout e bem estar que atende no Órion Complex, em Goiânia.
“Como hoje os estímulos acabam sendo todos para demonstrar um estilo de vida perfeito, uma felicidade, um status, isso acabou impulsionando as pessoas a se movimentarem para isso”, complementa.
Comportamento já existia antes
Engana-se, porém, que esse tipo de comportamento surgiu junto com o Tumblr, o Instagram ou o TikTok.
“Não podemos dizer que essa seja uma tendência nova. O ser humano considera demonstrar suas vulnerabilidades como fraqueza, então desde sempre a questão da comparação existe. A gente pode perceber isso com relação aos padrões de beleza, por exemplo, que é uma questão que sempre foi estimulada e acontece desde sempre de as pessoas compararem a imagem corporal umas das outras. Tudo isso foi acentuado, sim, com as redes sociais, mas sempre existiu”, pontua Bruna.
De acordo com a especialista, nesse paradigma atual, centrado no digital, os espectadores dessas rotinas “perfeitas” podem passar a se sentir pressionados por não partilharem de um estilo de vida que, no fim das contas, não existe.
“Esse tipo de comportamento começa a fazer mal quando a pessoa que não compartilha desse mesmo movimento passa a se sentir vulnerável por não estar da mesma forma e começa a se questionar se ela realmente é boa ou se ela tem algo de errado, o que faz disparar crenças negativas e emoções de desconforto, gerando uma busca desenfreada pela perfeição”, explica.
Assim, esse é um sistema que se retroalimenta: quem se sente por baixo começa a buscar exibir uma vida supostamente perfeita, e quem exibe uma vida supostamente perfeita sofre por se sentir na obrigação de perpetuar as aparências e se sente rebaixado ao comparar sua vida real com as vidas que outras pessoas, presas nesse mesmo ciclo, exibem pelas redes sociais.
Outros preços a pagar
Sustentar a aparência de determinados estilos de vida por muito tempo ainda tem outros preços, pagos normalmente com a pressão de estar sempre escondendo suas vulnerabilidades ou com o tempo mal aproveitado junto à família e amigos, já que manter o feed sempre atualizado acaba se tornando mais importante que efetivamente aproveitar uma reunião com pessoas queridas.
“Pessoas que estão o tempo todo fotografando e filmando, que não conseguem estar presentes e se conectar com o momento, se enquadram totalmente nessa busca excessiva por demonstrar a perfeição. Existe até um nome dado a esse fenômeno, que é o FOMO (Fear of Missing Out), uma expressão em inglês que significa ‘medo de perder experiências’”, destaca Bruna.
De acordo com ela, o FOMO se caracteriza pelo medo que muitas pessoas sentem de se desconectar e acabar deixando passar algum momento que gostariam que outras vissem, ou também de estar por fora do que outras pessoas estão publicando e comentando.
“Isso também passa pela questão da necessidade de aprovação, de aceitação, o que muitas vezes coloca a pessoa em uma situação de isolamento e sofrimento, levando a casos de ansiedade, estresse e depressão por estarem sempre comparando os recortes das vidas de outras pessoas com a vida dela”, diz.
Conforme a especialista, se livrar desses problemas passa pela compreensão de que as fragilidades, tão evitadas nas redes sociais, são inerentes a todos os seres humanos. “É preciso aceitar que existem momentos em que vou estar triste e outros em que vou estar feliz. Que vou sentir raivas, alegrias, angústias e esperanças, e que nada disso me torna melhor ou pior que ninguém”, ressalta.
A psicóloga recomenda que as pessoas que percebam estar sofrendo nesse ciclo de comparações busquem ajuda e salienta que é possível utilizar as redes sociais de forma saudável.
“Nós podemos, sim, registrar, tirar fotos, fazer vídeos e postar nas redes sociais, mas dá para fazer isso de uma forma equilibrada e tranquila. É importante às vezes deixarmos o celular de lado, deixar para postar algo mais tarde, para mantermos o foco nas pessoas ao nosso redor e resgatar mais daquilo que a tecnologia não traz pra gente, que é a conexão humana”, conclui Bruna.
(*) HOMEWORK inspira transformação no mundo do trabalho, nos negócios, na sociedade. É criação da Compasso, agência de conteúdo e conexão.