Brasileira entra para o Clube dos Exploradores: "Já é um bom ganho"

Mulher e uma dos três únicos latino-americanos na lista do Clube dos Exploradores [...]

4 dez 2024 - 10h52

É do fundo de lugares inóspitos, onde nem todo mundo tem acesso, que a artista visual Susanne Schirato traz inspiração para a sua arte. E foi de lá também que, mais recentemente, essa paulistana trouxe sua mais nova conquista: ser membro do cobiçado Clube dos Exploradores (EC).

No final do mês passado, Schirato recebeu a confirmação de que é uma das mais novas eleitas para integrar a lista de membros internacionais de exploradores associados desse seletivo clube com sede em Nova Iorque (EUA).

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E para ela, a conquista é dupla: ser mulher e uma dos três únicos latino-americanos, em uma lista com mais de 50 novos nomes de nacionalidades, tradicionalmente, associadas ao mundo das explorações, como a Grã-Bretanha, Noruega e Estados Unidos.

Susanne Schirato, brasileira no Clube dos Exploradores (Arquivo Pessoal)
Susanne Schirato, brasileira no Clube dos Exploradores (Arquivo Pessoal)
Foto: Viagem em Pauta

"Ser mulher [num ambiente, extremamente, masculino] é persistir sempre. Esse título é importante para todas as outras e comprova que, sim, nós podemos. Eu tenho duas filhas, uma de 10 e outra de 14 anos, e quero mostrar que elas podem fazer o que quiserem", descreve Schirato, em entrevista exclusiva para o Viagem em Pauta.

A paulistana entrará para a lista de cerca de 3.500 membros internacionais, em mais de 60 países e das mais diversas áreas da ciência, como montanhismo de conservação, exploração polar e espeleologia, entre outras.

"Entre seus membros, o Clube conta com gigantes da exploração do século XX. Seus membros atuais e futuros estão prontos para deixar para a humanidade um legado semelhante de descobertas e conquistas no século XXI", diz a direção do EC no site da organização.

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Mas como o próprio clube faz questão de deixar claro na página de inscrição para postular o título, "exploração para ciência de campo" não é o mesmo que "viagem exploratória turística". Ou seja, não é preciso fazer uma ultra descoberta científica nem chegar ao topo do Everest, mas "sujar as mãos e molhar os pés trabalhando no campo como participante de uma ou mais expedição científica documentada".

Com um extenso currículo de mergulhos técnicos em expedições subaquáticas na Antártica e no Ártico, e em outras tantas cavernas no México, Caribe, Indonésia e Europa, a brasileira recém-eleita se inspira no que vê lá embaixo para criar obras como pinturas a óleo, aquarelas, esculturas em cerâmica e bordados de grandes dimensões.

"O próprio material de mergulho vira arte, como mangueiras, por exemplo. É trazer de lá não só informações científicas, mas também experiências sensoriais e até sentimentais, e usar isso como linguagem de uma arte orgânica", explica a mergulhadora-artista.

Caverna 1, 2017 – Óleo sobre tela – 160 x 177 cm
Foto: Viagem em Pauta

O Clube de Exploradores

Fundado em 1904, em Nova York, o EC (Explorers Club) é um grupo multidisciplinar que reconhece pesquisas e explorações científicas ao redor do mundo, em áreas nada convencionais, como arqueologia espacial e oceanografia polar.

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Desde 1914, o EC reconhece os maiores exploradores do mundo com as mais altas honrarias da exploração, cuja lista inclui feras como Cândido Rondon, o único brasileiro na categoria, nomeado em 1919 (Medalha do Clube) e em 1925 (Membro Honorário), e figuras como Robert Falcon Scott, Ernest Shackleton, Roald Amundsen, Neil Armstrong e até o ex-presidente dos EUA, Theodore Roosevelt.

Porém, o EC faz questão de deixar claro que não se trata apenas de um reconhecimento de um trabalho científico em si, mas da "abordagem do explorador à resolução de problemas, à ciência de campo e à sua visão do futuro".

"Este programa prospera, não como um monumento à glória individual, mas como um farol para o poder que temos quando estamos juntos", declarou Richard Wiese, Presidente Emérito do clube.

Clube dos Exploradores: e eu com isso?

Assim como Susanne Schirato explicou para a reportagem, entrar na seleta lista de membros internacionais do EC significa fazer um longo apanhado do histórico como explorador e pesquisador bem como seu envolvimento em comunidades e na proteção ambiental.

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No seu caso, foram quatro meses só organizando documentação, fotos e publicação de artigos científicos que comprovassem seu engajamento e experiência no mundo das explorações.

Mais do que fazer parte de um grupo seleto de exploradores do nível de Shackleton, Amundsen e do brasileiríssimo Cândido Rondon, Schirato passará a contar com benefícios exclusivos, como acesso a bibliotecas especializadas, financiamento para projetos, participação em expedições e promoção da ciência e da exploração.

Susanne Schirato em cenote, no México
Foto: Sérgio Rhein Schirato / Viagem em Pauta

"É uma colaboração não só como exploradora, mas também para a sociedade. É fazer essa ligação entre arte, ciência, pesquisa e conversação da natureza. Tudo junto, trazido pela mãos de uma mulher, já é um bom ganho", analisa.

Uma das suas apostas é a verdadeira inclusão da mulher num mundo, majoritariamente, masculino: o mergulho técnico. Schirato explica que até pouco tempo, as roupas secas para mergulhos técnicos em áreas de baixas temperaturas não contavam com peças feitas exclusivamente para as mulheres, que tinham que usar fralda geriátrica ou segurar por horas a vontade de ir ao banheiro.

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Os homens, por exemplo, já tinham opções com dispositivos para urinar, durante mergulhos de longa duração que podem chegar a três horas.

Arquivo Pessoal
Foto: Viagem em Pauta

"Recentemente, em Bonaire, tive que alugar roupa de mergulho em caverna e não tinha opção de roupa feminina porque não se espera que a mulher faça parte desse mundo", lamentou Schirato, que aliás já fez uma obra dedicada ao assunto, um bordado que ela chamou de 'Dispositivo feminino para urinar'.

A artista, que hoje mora em Miami, nos Estados Unidos, confessa que vive essa espécie de exclusão, diariamente, ainda que ela tenha que vencer as mesmas trilhas, carregando nas costas os mesmos 54 kg de equipamento para chegar aos pontos de mergulho, muita vezes, de difícil acesso.

"Debaixo d´água é difícil saber quem é quem, somos todos idênticos, carregando o mesmo peso, executando as mesmas tarefas. Mas é difícil, as pessoas sempre ficam com aquele ar de dúvida se a mulher vai conseguir fazer ou não, principalmente, em mergulhos em caverna", diz a brasileira.

Por mais brasileiras

Em 2023, a médica e montanhista Karina Oliani foi a primeira brasileira a entrar para o EC50, que reconhece especialistas de diversas partes do mundo que tenham inspirado pessoas.

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Oliani é a primeira sul-americana a escalar as duas faces do Everest e a primeira brasileira a subir a temida K2. Médica especializada em emergência e resgate em áreas remotas, ela acredita que o título foi "um dos maiores reconhecimentos que alguém da aventura e da medicina em áreas remotas pode receber".

Karina Oliani, na Groenlândia
Foto: Pitaya Filmes / Viagem em Pauta

No início deste ano, outro cinco brasileiros engrossaram a lista, entre eles, a geóloga Fernanda Avelar Santos, pesquisadora especialista na detecção de poluentes em áreas marinhas, especificamente, rochas de plástico, como as que encontrou na remota Ilha da Trindade, em 2019.

"É realmente fantástico. Estou muito feliz, especialmente por ser a única mulher brasileira cientista na lista [de 2024]. É um grande reconhecimento para mim e para as agências de fomento que sempre me apoiaram", contou, na época, em depoimento por e-mail enviado ao Viagem em Pauta.

Fernanda Avelar Santos
Foto: Divulgação / Viagem em Pauta
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