Quando a gestação de sua primeira filha entrou no quinto mês, Ana Carolina da Silva já começou a sofrer pressão para deixar a ilha brasileira que foi a terra nativa de seus avós.
A partir daquele momento, Babalu da Tapioca, como é conhecida, começou a viver uma montanha-russa de sentimentos, ora de revolta ora de conformismo.
É que o arquipélago pernambucano de Fernando de Noronha, a 545 quilômetros do continente, não permite que as mulheres tenham seus filhos na ilha, que devem parir no Recife, onde, dizem, têm melhor estrutura hospitalar para um caso de complicações no parto, por exemplo.
Para a Secretaria de Saúde de Pernambuco, a medida garante assistência qualificada às gestantes, uma vez que não existe equipe médica completa na Ilha. Por isso, o próprio governo envia as gestantes para o continente, arcando com gastos como alimentação, transporte para consultas e até hospedagem.
Foi diante da impossibilidade de compreender um dos assuntos mais controversos de Noronha que a cineasta Joana Nin gravou, entre 2017 e 2019, depoimentos para seu documentário "Proibido nascer no paraíso" (Globoplay).
Em entrevista para o jornalista Eduardo Vessoni, na época do lançamento, em 2021, Joana comentou que uma das medidas que a intrigou foi a coincidências de datas relacionadas ao assunto. No mesmo ano que começaram a deixar o controle migratório mais rigoroso, em 2004, foi publicado também o decreto distrital que proibia o nascimento de bebês e desativava a maternidade local.
"Eu não estou brigando para ver uma maternidade em Fernando de Noronha, mas não faz sentido uma ilha oceânica não ter um centro cirúrgico, anestesista de plantão nem banco de sangue", questiona Joana, premiada por outras obras com temática feminina ("Cativas - presas pelo coração" e o curta "Visita Íntima").
Para a cineasta, seu documentário de impacto é uma forma de "construir uma rede de apoio em torno de um filme de causa, potencializando seus efeitos".
A empresária noronhense Babalu da Tapioca, que deu à luz a filha Riana Valentina, é uma das mães que teve sua história retratada no documentário de Joana, onde conta o dilema de ficar em Noronha e a decisão de sair "lá para fora".
Babalu conta que deixou a ilha apenas 15 dias antes do parto, sentindo dores insuportáveis e com o conselho tutelar pressionando-a para deixar a ilha.
Um dos momentos mais marcantes em "Proibido nascer no paraíso" é a comparação que a diretora faz entre a gravidez e um swell, como são chamadas as ondulações no mar causadas pelas tempestades oceânicas.
"Durante o trabalho de parto, a gente é tomada por calor, frio, orgasmo, prazer e dor. Tudo misturado, mais ou menos como um sweel", compara Joana, para quem "as mulheres locais são criminalizadas por desejarem ter seus bebês perto de casa".
De acordo com o senso de 2020, Fernando de Noronha tem 3.167 residentes e, de tempos em tempos, é surpreendida por um nascimento que escapa às regras.
Depois de 12 anos sem registrar partos, em 2018, a ilha viu nascer uma criança em casa, cuja mãe não sabia que estava grávida.
Em 2021, outro caso abalou o destino, quando uma turista grávida de oito meses teve seu bebê, após um longo trabalho de parto, no hospital São Lucas, o único de Noronha.