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Quem é a viajante que vai para onde ninguém quer ir

"O Turcomenistão é o país mais estranho que já visitei", diz viajante [...]

28 dez 2024 - 09h55

Para a antropóloga Erika Fatland, "sempre foi perigoso ser vizinho da Rússia". Mas circular por seus mais de 60 mil km de fronteira é também… fascinante.

Com seus olhos apurados (e curiosos), essa norueguesa da cidade de Haugesund é daquelas viajantes com disposição para visitar destinos para onde muita gente não iria, observando o mundo ao redor que não lhe passa imperceptível.

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Sua escrita vai dos relatos pessoais aos detalhamentos históricos, como se cruzássemos sem nos dar conta da fronteira elástica entre a Rússia e países invocados como a Coreia do Norte, Cazaquistão e Belarus.

É como estar e não estar, ao mesmo tempo, em território russo.

Erika Fatland no Turcomenistão
Erika Fatland no Turcomenistão
Foto: Arquivo Pessoal / Viagem em Pauta

Assim como Fatland conta para o jornalista Eduardo Vessoni, em entrevista por e-mail, ela é fascinada pela Rússia desde sempre.

Estudou russo na Universidade de Copenhagen, na Dinamarca, e com um professor particular em Odessa, na Ucrânia. Mas, desde o fim da União Soviética, em dezembro de 1991, tinha curiosidade sobre os países e os habitantes nômades da Ásia Central, e quais vestígios daquela antiga federação ainda estariam lá.

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Esses e outros questionamentos estão no seu livro A Fronteira (Editora Âyiné), sobre sua viagem por 14 países e três repúblicas separatistas, em que tenta compreender a influência que a Rússia ainda tem sobre nações vizinhas, reconhecidas mundialmente ou não, como a China, Mongólia, Ucrânia, Azerbaijão, além de países bálticos e escandinavos.

"Transpor uma fronteira é uma das coisas mais fascinantes que existem. Geograficamente falando, o deslocamento é mínimo, quase microscópio", descreve Fatland que, durante a entrevista, lembrou que odiou sua primeira vez na Rússia, aos 18 anos, porque as pessoas eram hostis e tudo parecia estar decadente.

"Na segunda vez, vários anos depois, foi para estudar russo, também odiei e achei o lugar bastante deprimente. Muitos russófilos que conheço tiveram a mesma experiência. É uma relação de amor e ódio. A pessoa tem que continuar voltando para a Rússia, mesmo que possa ser bastante desagradável e desconfortável estar lá, porque é simplesmente o país mais fascinante da Terra", conta Fatland para a reportagem.

Erika Fatland no Quirguistão
Foto: Arquivo Pessoal / Viagem em Pauta

Bem que A Fronteira poderia se chamar As Fronteiras, tamanha é a variedade de mundos que a autora visitou do lado de lá do limite com a Rússia. Por isso, não se trata de um livro especificamente sobre a Rússia, mas como o maior país do mundo altera e alterou a vida das pessoas em áreas invadidas ou em fronteiras, afetando assim a geopolítica mundial.

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Com "as marcas indeléveis que a Rússia deixava ao redor", a jornalista viajou por meses sempre com a Rússia ali do outro lado, a poucos quilômetros de distância. Pegou avião doméstico na Coreia do Norte, trem na China e sabe-se lá o que no Cazaquistão.

"Nenhum dos lugares que visitei estava a salvo de traumas ou cicatrizes em função de sua vizinhança com a Rússia. Sobretudo povos e etnias minoritárias", define.

Em Semipalatinsk, no Cazaquistão, Erika visitou os bustos de Lênin
Foto: Arquivo Pessoal / Viagem em Pauta

Para ela, a Coreia do Norte foi o país mais difícil de conhecer durante a preparação para seu livro, sobretudo por conta da dificuldade de "penetrar além da superfície". Era como estar em um zoológico de humanos protegidos do resto do mundo.

Isso porque ainda nem chegamos em bizarrices norte-coreanas como proibições do tipo mascar chiclete e colocar óculos de sol; atos considerados desrespeitosos como cruzar os braços e amarrar suéter na cintura; e o surreal Museu dos Presentes, um acervo de 200 mil objetos divididos em caixas de vidro em 150 salas.

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A autora conta também sobre a estratégia da fechada Coreia do Norte para manter o visitante estrangeiro sob controle o tempo todo. "Nenhum horário vago. Nada de tempo livre. Nada de pausas. Uma verdadeira maratona", descreve sobre sua cronometrada visita de cinco dias.

Foto: Arquivo Pessoal / Viagem em Pauta

Assim como em outras nações de passado soviético, a autora viu também contradições, como as de Sukhumi, capital da Abecásia, região separatista no Cáucaso, onde ruínas em ruas "sinistramente desertas" dividem espaço com lojas anunciando produtos Apple, apesar das prateleiras vazias.

Abecásia, vejam só, é reconhecida apenas pelo trio da pesada formado por Rússia, Nicarágua e Venezuela. "Para o resto do mundo, ainda é território georgiano", completa a autora.

No último terço do livro, um dos mais tocantes, os detalhes de seus deslocamentos dão lugar a uma sequência de encontros e entrevistas com figuras ligadas à história e à política da região, como a de Andreis Ierages, enviado para a Sibéria, aos 12 anos de idade, para acompanhar o pai, preso político por 10 anos.

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A Fronteira prende o leitor em cada uma de suas quase 700 páginas, porém sem o risco de não poder voltar para casa.

A primeira publicação de Fatland sobre o assunto é o livro-reportagem Sovietistão, também publicado no Brasil pela editora Âyiné, um relato de sua viagem de cinco meses no Turcomenistão, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão.

Apesar da experiência por nações carrancudas da Ásia Central, ela se sentiu segura viajando sozinha.

"A maioria dos países por onde passei são ditaduras ou regimes muito autoritários. Ditaduras são provavelmente os países mais seguros do mundo", garante.

Entre os países visitados, a escritora destaca o Turcomenistão, "até o momento, o país mais estranho que já visitei", cujas particularidades incluem o título "a cidade do mundo com mais mármore por m²", como o Guinness World Records define a capital Ashgabat.

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SAIBA MAIS

"A Fronteira - Uma viagem em torno da Rússia"

por Erika Fatland

tradução: Leonardo Pinto Silva

preço: R$ 79,95

ayine.com.br

Foto: Viagem em Pauta
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