Na Vila Nova Esperança, uma horta cultivada pelos moradores produz pés de espinafre, couve, hortelã e ora pro nobis, que servem de alimento para quem vive por ali. Apelidada de 'Favela Verde', habitantes do local também buscaram formas de descartar o lixo, já que não recebiam o serviço de coleta.No entanto, esse histórico de mais de uma década de iniciativas de preservação pode ter um fim.
Apesar de ser uma comunidade reconhecida pelas iniciativas sustentáveis, a vila localizada no distrito do Butantã, na zona oeste de São Paulo, corre o risco de ser desocupada justamente por uma acusação de degradação ambiental. A área pertencia à CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), empresa estatal que reivindica o terreno onde está a comunidade.
A Vila Nova Esperança fica ao lado do Parque Estadual Jequitibá, uma área verde de 1,3 milhão de metros quadrados entre a capital e as cidades de Cotia e Osasco, na Grande São Paulo.
Em agosto, a CDHU realizou o cadastramento das 870 famílias que vivem no espaço, visando o início das conversas para transferências. Este é um novo capítulo de uma disputa que já conta com quase 20 anos de luta popular.
A líder comunitária Maria de Lourdes Andrade de Souza, 59, acompanha essa história desde a mudança dela para o bairro, em 2003. Ela, junto com os moradores, já enfrentou tentativas de despejo e encontrou a educação ambiental como uma forma de provar que não havia degradação por parte da comunidade.
"Nós não estamos querendo degradar, a gente está aqui porque precisa morar"
Maria de Lourdes, 59, líder comunitária da Nova Esperança
O Ministério Público entende que o espaço onde fica a comunidade também pertence ao parque e exige que seja reintegrada à área verde. "Sempre falava para o promotor que não precisa tirar as pessoas do lugar para poder fazer sustentabilidade, basta ensiná-los a conviver com a natureza, mas ele nunca me deu ouvidos. Foi quando comecei a criar ideias", conta ela, que é conhecida como Lia.
No último dia 10, houve uma audiência pública na Câmara Municipal de São Paulo, convocada pela Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, com o objetivo de debater a permanência dos moradores na Vila Nova Esperança.
A sessão foi presidida pelo vereador Donato (PT), que defende que a proposta oferecida pela CDHU é inviável para as famílias da comunidade:
"Uma pessoa com R$ 2.500 de renda familiar vai ter R$ 500 de compromisso com a prestação, mais R$ 300 ou R$ 400 de condomínio porque é um prédio, mais água, mais luz, e ela não vai conseguir pagar. O resultado, em geral, é que ela vende [o imóvel] por qualquer preço e volta para uma área pior".
Representante da comunidade, Lia ressaltou as iniciativas feitas pela associação e o instituto nos últimos anos. "O nosso sonho é transformar a Vila Nova Esperança em uma vila ecológica. Plantamos 500 mudas de plantas. Estamos cheios de [árvores de] Ipê dentro da Vila Nova Esperança."
Procurada pela Agência Mural, a CDHU informou em nota que "tem mantido contato com os moradores e realizou reuniões apresentando as propostas para cumprir a determinação judicial e, ao mesmo tempo, garantir o acesso à moradia para as famílias que vivem no local".
"A proposta foi apresentada em reuniões realizadas na sede da empresa com ampla participação e adesão dos moradores".
No site da CDHU há um comunicado publicado no último dia 31 de outubro detalhando que a Companhia está sendo obrigada pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente a "desocupar a área da Vila Nova Esperança, promover o reflorestamento do local e transferir a área para a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, para que passe a integrar o Parque Jequitibá".
Lia teme o futuro do espaço com a saída dos moradores e questiona se realmente haverá essa revitalização. "Segundo eles [a CDHU], esse espaço vai ser revitalizado, reflorestado. Mas não acredito. Todas essas moradias feitas de tijolos. Derrubar tudo isso, a montanha de ferro, de cimento. Eles dizem que vão reflorestar. Eu não acredito".
Produzindo a própria comida
A destruição das casas terá impacto em ações realizadas pelos moradores há quase dez anos. Uma das primeiras iniciativas foi criar um abrigo para o lixo, tendo em vista que a comunidade não tinha acesso ao serviço de coleta. "Não ter dinheiro não é errado, o errado é viver na sujeira. Fizemos mutirão para limpar a comunidade, pegando o lixo, colocando no seu espaço", relembra Lia.
Em 2013, veio a iniciativa que fez a Vila Nova Esperança começar a ser vista como uma "favela verde": a horta comunitária. Hoje, quase 10 anos depois, a horta ocupa um espaço de pouco mais de 5 mil metros quadrados - tamanho de um campo de futebol.
No dia da visita feita pela reportagem da Agência Mural à comunidade, além das plantas e legumes havia até um teiú, tradicional réptil brasileiro circulando pela plantação.
Os alimentos colhidos na horta são vendidos dentro da própria comunidade, com o mesmo preço praticado pelos supermercados, mas sem a agressão dos agrotóxicos por serem orgânicos. Quem participa do plantio e do cuidado da horta tem o direito de levar alimento para casa de forma gratuita.
"A gente começou a ver que a horta não trazia só educação ambiental, mas também segurança alimentar e empreendedorismo para dentro da comunidade"
Além do abrigo e da horta comunitária, a Vila Nova Esperança conta com uma cozinha coletiva, uma cisterna para coleta de água da chuva, uma fossa ecológica, um pesqueiro e um centro de inovação com ferramentas disponíveis para os moradores poderem desenvolver projetos.
Todo esse trabalho atraiu visitas de estudantes, jornalistas de diversos países e até reconhecimento público. Em 2014, Lia recebeu o Prêmio Milton Santos, promovido pela Câmara Municipal de São Paulo, na categoria "Consolidação de Direitos Territoriais e Culturais".
A comunidade contava também com uma biblioteca e brinquedoteca, que foram umas das primeiras iniciativas após a horta, onde hoje é a sede do Instituto Lia Esperança. O espaço para as crianças precisou ser desativado por conta da remoção de uma árvore atingida por um raio.
O Instituto Lia Esperança, que une o apelido de Maria de Lourdes com o nome do bairro, foi a forma encontrada por ela de ampliar a atuação e poder levar conhecimento, experiência e até doações para outras regiões.
"Tinha muita gente querendo aprender esse trabalho que faço e com o Instituto poderia buscar ajuda não só a Vila Nova Esperança, mas outras comunidades", conta Lia.
Lia, que foi candidata à vereadora na última eleição municipal, também é presidente da associação de moradores da Vila Nova Esperança até o fim do ano.
Este segundo cargo, que a líder comunitária ocupa há dez anos, não deve continuar com ela. Lia entende que este pode ser um momento de ceder à pressão da CDHU e aceitar a proposta que for feita pela empresa.
"Fico [triste] pela comunidade, pelas pessoas que não tem condições de pagar e por tudo que foi lutado até agora. Mas vejo também por outro lado, que todos que estão juntos deveriam ter o mesmo sentimento e lutar junto."
Mudança
Segundo a CDHU, as famílias da Vila Nova Esperança permanecerão em suas residências até a entrega dos três empreendimentos oferecidos, o Reserva Raposo, o Taboão D e o Cotia XXXV. O prazo de entrega é de 18 a 24 meses.
No dia em que Agência Mural visitou a comunidade, uma van cedida pela CDHU estava levando alguns moradores para conhecer o terreno do futuro empreendimento em Cotia. Lia conta que já visitou o do Taboão e que não gostou do que foi oferecido.
"Vai ficar ruim para as pessoas, aqui tem tudo perto, lá não. Foi quando sugeri por que não levar para o Reserva Raposo? Fui em quem deu essa ideia", ressalta a líder comunitária.
O Reserva Raposo é um empreendimento às margens da Rodovia Raposo Tavares que se apresenta como "bairro planejado".
Os moradores da Vila Nova Esperança assinaram há alguns anos o interesse para cotas de baixa renda na época do projeto Minha Casa Minha Vida.
Esta reportagem foi produzida com apoio da Report For The World