Antena de rádio, lixão e CPI 'batizam' pronto-socorro em SP

Única unidade de urgência e emergência da região com mais de 200 mil habitantes tem muitas peculiaridades, a começar pelo nome

19 jul 2022 - 12h12
(atualizado às 16h03)

O bairro Jardim Record em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, começou a ser construído em meados da década de 1970. O local ainda era formado por fazendas e terrenos baldios quando, pouco a pouco, foi ganhando vida com a chegada dos primeiros moradores. A prefeitura apostava na expansão da cidade e iniciou, naquela época, a construção do primeiro e até hoje único Pronto Socorro Municipal: o PS Antena, como ficou popularmente conhecido.

Mas por que Antena? Por trás desse nome incomum para um prédio público está uma história que envolve uma emissora de rádio, o fim de um lixão e uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que movimentou a população do município.

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Em 1981, a cidade vivia um momento de grande expansão com a abertura de comércios, escolas, a construção de casas por todo o lado e a chegada de empresas e indústrias. Com espaços à disposição na cidade, houve o interesse por parte da Rádio Capital de instalar os equipamentos transmissores no município.

O prefeito à época, Armando Andrade (PTB), estimulado pela oportunidade de um acordo comercial com a rádio, publicou naquele ano a Lei nº 626/81 que autorizava o uso de uma área pública por um período de 60 anos.

A vinda interessava para a prefeitura, dado que a Capital tinha grande audiência em todo o estado. A emissora foi vice-lider por anos consecutivos, graças aos programas populares comandados pelos radialistas Hélio Ribeiro e Eli Corrêa.

Maria Edna vive próximo ao PS Antena e acompanhou boa parte das mudanças da região @Rebeca Motta/Agência Mural
Maria Edna vive próximo ao PS Antena e acompanhou boa parte das mudanças da região @Rebeca Motta/Agência Mural
Foto: Agência Mural

O terreno escolhido para alocar as antenas possui 45 mil metros quadrados e fica a poucos metros à frente do Pronto Socorro - veio desse momento a referência para o nome da unidade.

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Antes disso, esse mesmo terreno abrigava um lixão a céu aberto alvo de disputas políticas e insatisfação dos moradores do entorno.

"A lembrança mais antiga que tenho é dos meus 8 anos de idade. Lembro de ver, pelo vidro do ônibus, as máquinas revirando e queimando todo aquele lixo", relembra Maria Edna Barbosa, 55.

Maria mora na mesma casa há 40 anos e viu toda essa transformação de perto. Ela lembra orgulhosa que o filho mais velho, Rogério, foi um dos primeiros pacientes atendidos no Pronto Socorro. Na época, o ainda menino sofria com crises de bronquiolite.

"Ter um hospital pertinho de casa foi muito bom. Ninguém mais precisava ir para Itapecerica [da Serra, município vizinho] para conseguir passar com um médico", relata a moradora.

 

Ocupações

A moradora conta que durante os 15 anos em que as antenas permaneceram instaladas na região, os funcionários contratados pela rádio para fazer a manutenção permitiam que os moradores utilizassem água e energia do terreno, uma vez que não havia saneamento básico, asfalto ou energia elétrica no entorno da vila ocupada.

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"Foi uma época difícil, mas muito boa. Se temos essas casas até hoje é porque aqueles funcionários nos ajudaram a manter a vida aqui"

"As antenas só atrapalhavam o sinal de telefone (para quem tinha um) e também o sinal da TV que ficava prejudicado por conta das ondas do rádio", completa Maria.

Na década seguinte, houve o crescimento de ocupações próximas ao terreno. Em 1991, os donos da Rádio Capital se preocupavam com a possibilidade de riscos de mortes e acidentes no local - os equipamentos tinham 150 metros de altura cada um, eram alimentados com corrente elétrica de alta tensão em torno de 80 mil volts e ficavam fixos no fundo do vale.

Ocupação na região da antena, em 1991 @Jornal O Cidadão
Foto: Agência Mural

Segundo uma reportagem publicada no jornal "O Cidadão" daquela época, "mais de 20 famílias construíram barracos de alvenaria e de madeira nos barrancos em torno do lugar".

"Nossa preocupação é que, com a infiltração das águas de chuva e dos esgotos que correm a céu aberto, desmoronem os barrancos com o passar do tempo", afirmou o diretor da emissora, Antonio Aggio, em entrevista ao jornal.

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Aggio chegou a conversar com os moradores para explicar os riscos: "Dá pena daquela gente, principalmente das crianças, mas eles alegam que não têm para onde ir, por isso não saem".

 

O jornal também ouviu alguns moradores da ocupação, que pediram apoio para conseguir uma alternativa. "Tenho medo é do aluguel, o prefeito poderia lotear uma área e vender para nós", disse Benedito Gomes da Silva. Já o vizinho, Gustavo Ribeiro Silva, pai de oito filhos, sentenciou: "Quem tem medo de morrer, não deve nascer".

Maria Edna conta que, de tanto falarem dos perigos, o medo se instalou entre os moradores. "Tinha muita criança que vivia aqui e os pais começaram a inventar histórias para que eles não chegassem perto do terreno. Tinham várias lendas, de cobras, de gente que aparecia à noite e levava as crianças embora. Tinha de tudo", conta.

A CPI

Por conta desses problemas, a concessão dos direitos de exploração do local por parte da Rádio Capital virou o assunto do momento entre a classe política, sobretudo da oposição ao governo, ainda sob gestão de Armando Andrade.

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Os vereadores pediram a abertura de uma investigação para avaliar de que forma os direitos de exploração do terreno foram cedidos, uma vez que a Rede Capital de Comunicações, ao instalar as antenas no local, avançou 2.700 m² em uma área que era considerada via pública.

Durante a investigação foram ouvidas diversas autoridades e a Câmara Municipal estabeleceu sanções que dificultaram a permanência do veículo de comunicação na área.

Lugar onde havia a antena recebeu uma arena ‘multiuso’ @Rebeca Motta/Agência Mural
Foto: Agência Mural

Com o contrato anulado, a antena de rádio que virou buxixo na cidade foi retirada e levada para uma região entre as cidades de Juquitiba e São Lourenço da Serra, também na Grande São Paulo. Atualmente os transmissores da rádio estão no bairro Eldorado, em Diadema.

O terreno alvo de tanta polêmica ficou sem uso até 2017. Naquele ano a prefeitura construiu no local a Arena Multiuso, espaço reservado para shows e eventos esportivos da região.

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Apesar disso, a passagem da Rádio Capital pela cidade deixou uma marca: a antena da emissora virou o nome do único Pronto-Socorro adulto da cidade. Antena que fica em um bairro que também ganhou nome de emissora, desta vez de televisão: o Jardim Record, onde permanecem os antigos moradores que relatam com nostalgia a época em que tudo ali era mato.

Foto: Rebeca Motta/Agência Mural / Agência Mural
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