Separadas por mais de 16 mil quilômetros, as cidades de São José do Egito, no Pernambuco, e Hiroshima, no Japão, se encontram na tela do ilustrador Caio Oshima, 28.
Filho de pernambuca e bisneto de japoneses, o morador de São Mateus, na zona leste de São Paulo, lembra que, quando criança, a casa da família era uma mistura das duas culturas. “Fui criado ouvindo Luiz Gonzaga e às vezes ouvindo minha avó fazendo as rezas em budismo dela”, afirma.
Essa fusão se reflete nos desenhos de Oshima, compartilhados no Instagram desde 2020. Em obras, como "Amarelo de Quebrada", de 2020, considerada um autorretrato, são abordadas questões raciais e sociais vividas pelo artista. “Observei esse recorte que existem pessoas amarelas dentro da periferia e que isso dá um certo lugar de questões e privilégios. Foi pensando sobre isso que fiz essa obra.”
Para Oshima, que além de ilustrador, é terapeuta e acompanha estudantes da rede de ensino municipal de Santo André (SP), o amarelo tem um duplo sentido, uma dupla existência.
“Pessoas amarelas olham para mim e falam ‘não, você tem traços, mas você é outra coisa. Você é boliviano? Você é indígena?’. Foi a partir dessa questão do amarelo que fui me entendendo enquanto pessoa e artista que leva esses dois lugares”, argumenta.
Ele conta que essa percepção diferente sobre raça ocorreu durante a pandemia da covid-19, quando aprofundou os desenhos por meio de estudos e produções.
“Lembro que uma criança ficou com receio de chegar perto de mim. Fui perguntar e ouvi ‘você tem a cara deles [chineses]’. A partir daí fui pesquisar essas questões [de raça]. Fui me entender primeiro enquanto amarelo participando de alguns coletivos e ouvindo muito, trocando com outras pessoas que são mestiças também”, explica.
Contudo, essas abordagens já faziam parte da história de Oshima. Ele relembra que na infância era chamado de ‘jabaiano’ pelos tios, irmãos de sua mãe. Época que assistia o desenho animado Dragon Ball, com o irmão, e desenhava Goku, Vegeta e os cenários do dia a dia. Ao mesmo tempo, também consumia a cultura nordestina. Oshima destaca que é fã de Caju e Castanha e gosta de comer feijão com farinha.
“As culturas pernambucanas e japonesas têm em comum a relação com o quanto o ensinamento dos mais velhos podem orientar a gente aqui e agora. O mais diferente entre elas é o corpo. O corpo nordestino ginga e festeja, enquanto o corpo japonês caminha e contempla”, diz.
Para a costureira Maria Janeide Ananias Oshima, 57, mãe do artista, a arte do filho celebra a miscigenação da família. “Essa mistura de culturas já vem da infância deles, da criação. É lindo ele aceitar isso, porque a mistura mais linda foi o que ele se tornou, é a face dos meus filhos essa mistura de pernambucana com japonês”, finaliza.
Já as artes inspiradas em cenários de São Mateus fizeram Oshima ganhar reconhecimento entre os moradores locais.
“As coisas que produzo carregam em si tudo que eu passei. De estar nesse lugar periférico e ao mesmo tempo muito vulnerável, mas muito potente de muitas trocas”, explica.
O artista destaca as obras “Indígena verde” e “Pescador azul” como as que mais gostou de fazer neste ano. “Nelas trago momentos novos da minha vida, de entrar em contato com a questão ancestral e me aventurar entre a minha ancestralidade e a minha arte. E foi o ponto de eu marcar ‘esse aqui é o meu estilo’”.
Para produzir as ilustrações, Oshima leva cerca de uma hora. Os desenhos dele já foram expostos no Sesc Santos, Unesco Brasil e projetado em um prédio de Belém do Pará, no norte do país, em parceria com o coletivo Mostra Tua Arte.