Do "bigodin finin" ao "cabelin na régua"*, os barbeiros oferecem variados estilos de cortes que fazem a cabeça dos jovens nas periferias, como o famoso "Loiro pivete" e o "Freestyle".
A estética, criada nas comunidades, ainda hoje é marginalizada mas tem sido ressignificada por barbeiros que veem na profissão uma oportunidade de valorizar e expandir a cultura da favela, como conta o barbeiro Yudi Frttz, do bairro de Pau da Lima, em Salvador.
"O que eu venho fazendo com o meu trabalho é tentar ressignificar isso. A gente tenta sempre usar esses cortes, essa estética que, de certa forma, faz parte da identidade da periferia e o que a gente faz é abraçar isso como nosso", explica Frttz.
Yudi Frttz tinha apenas cinco anos quando teve contato com a barbearia. Foi por meio do pai, Dhotta, que nutriu a paixão pela profissão e enxerga nesse espaço uma forma de salvaguardar uma relação ancestral, de afeto e cuidado entre as pessoas negras. "Compreendo a minha profissão como um trabalho de transformação e de afetividade", pontua o barbeiro.
Considerada como uma das profissões mais antigas do mundo, ainda hoje os barbeiros são figuras de confiança e respeito. A eles é dada a confiança de mexer na cabeça, o que para as religiões de matriz africana representa a segurança de manusear o ponto de maior ligação espiritual do corpo.
'O cabelo crespo faz parte da realeza dos homens negros', define barbeiro
Para Yudi, apesar da importância histórica e visibilidade que os barbeiros das comunidades têm conquistado, ainda há uma apropriação da estética dos jovens das periferias por espaços elitizados.
"Tem um esvaziamento do significado e é bem triste porque eles fazem as coisas de uma maneira que transformam aquilo em lucro, em algo "bonito" para eles, enquanto quando a gente usa somos criminalizados, marginalizados", ressalta.
Autonomia
As barbearias, que antes era um espaço liderado majoritariamente por homens mais velhos, cada vez mais tem atraído o público mais jovem, que busca por autonomia financeira e uma alternativa para além do mercado formal de trabalho.
Foi o que aconteceu com o barbeiro Alisson Jordan. Morador do bairro de Paripe, região do subúrbio de Salvador, ele se encontrou sem caminhos quando foi demitido do trabalho, em 2017.
Sem encontrar emprego, decidiu investir o dinheiro que tinha recebido do antigo trabalho em um curso profissionalizante para atuar como barbeiro. Além da independência financeira, Jordan conta que o interesse do público mais jovem pela barbearia também se dá pela busca de um cuidado com a beleza e faz parte de uma cultura criada nas comunidades.
"Foram as comunidades que trouxeram essa cultura de que você tem que estar 'alinhado'. Para onde você sai, você tem que estar 'alinhado', com o cabelo na 'régua', então isso fez com que muitos jovens tivessem interesse em conhecer a profissão e entrar no ramo", explica o barbeiro.
Para o proprietário do "Jordan Corts", a barbearia é um local de união e acolhimento entre as pessoas que vivem nas comunidades.
"Barbearia para mim é tudo. Levando em consideração o lado financeiro, é ela que me dá um certo conforto, uma comodidade, além de estar fazendo com que eu conquiste algumas coisas. Além disso, a barbearia representa a união, ela tem esse lado acolhedor, tanto de mim para os meus clientes como dos clientes para outros clientes", completa.
Já para o barbeiro Júnior Ferreira, também do subúrbio de Salvador, a profissão é uma aliada na transformação social da comunidade. No ramo há oito anos, Júnior decidiu criar um projeto social com objetivo de oferecer aulas gratuitas de barbearias para os jovens.
Com um ano e meio, o projeto já formou 15 jovens barbeiros das comunidades de Salvador e oferece certificado válido em todo o Brasil, além de indicação de estágio.
Além de incentivar uma maior autonomia nas quebradas, Júnior completa que o projeto "vai além de ensinar a cortar um cabelo, é uma ação de mudar vidas", finaliza.
Barbeiragem: muito mais entre as mãos do condutor e a arte na cabeça
*Em referência ao bordão criado pelo MC Kallebe, de 15 anos, que viralizou nas redes sociais em 2018 e ganhou sucesso nas letras de funk. O jovem morreu em 2020 após se afogar no rio Ururaí, em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro.