Localizada em Brotas, no Alto do Saldanha, periferia de Salvador, a barbearia Léo Santos, especializada em cabelos crespos e cacheados, vem fazendo, literalmente, a cabeça dos clientes com cortes especializados, coloração e outros tratamentos, mas não oferece nenhum tipo de alisamento ou relaxamento – valorizar as características naturais, tudo bem; descaracterizar a força e beleza dos fios e cachos negros, jamais.
O espaço é idealizado pelo cabeleireiro Leandro Santos de Jesus, morador do bairro de Mussurunga. Com mais de duas décadas de experiência, transformou sua barbearia em um ponto de referência para valorizar a identidade afro e capacitar jovens negros.
Estar na periferia atende a uma necessidade que sempre existiu: um negócio de barba e cabelo voltado ao povo negro e periférico. Ele pensou em um local sofisticado e acolhedor. “A gente entende a nossa importância quando as pessoas entram, olham o espaço e se sentem parte dele. Elas ficam maravilhadas, se sentem em casa, se enxergam”, conta o empreendedor.
“A ideia do nosso trabalho é valorizar nossas raízes. Nós temos a nossa própria linha, a Santos Cachos, totalmente voltada para tratamento e manutenção de crespos e cacheados”, completa Léo. Além dos serviços aos clientes, a barbearia capacita jovens periféricos. Pelo espaço, passaram garotos que começaram aos 14 anos de idade.
A linha de frente da barbearia tem Erick da Cruz, Lucas Caique, Alessandro Roque, Maicon Santos e Alanderson Ventura, jovens negros da periferia de Salvador.
Formando cabeleireiros e cidadãos
Além das lições sobre cabelo e barba, os jovens aprendem cidadania, como se comportar com as pessoas e tratar as mulheres. Aprendem a se entender e estar empoderados. Erick da Cruz, de 18 anos, que além de cabeleireiro é MC, conta sua batalha na profissão, até fazer parte da equipe da barbearia.
“Sou barbeiro há seis anos e trabalho com Léo há quatro. Corto cabelo desde os 12 anos, depois que minha mãe me deu uma máquina. Atendia fazendo corte a domicílio, começava às sete da manhã e não tinha hora para acabar”, conta Erick.
A correria não era solitária, ele era constantemente incentivado pelo empreendedor Leo: “Tirava foto dos cortes e mandava para ele. Algum tempo depois, me fez o convite para participar do workshop na barbearia, me passou várias técnicas e fui aplicando nos clientes da comunidade em que fui criado, no bairro do Candeal”.
O instrutor Leo foi acompanhando a evolução do pupilo até que “chegou o dia que me convidou para trabalhar e fiquei superfeliz. Quando comecei, minha vida mudou drasticamente: evoluí como profissional e como ser humano, trabalhando com alguém que sempre teve um carinho imenso por mim”.
Empreendedor surgiu trabalhando para os outros
Antes de abrir a barbearia, Leandro enfrentou adversidades. Formado cabeleireiro, viu várias portas fechadas em salões renomados de Salvador. Até que se encontrou. O caminho era valorizar cabelos crespos e cacheados na periferia.
“Mesmo fazendo um dos melhores cursos de Salvador, tive que começar num salão pequeno, no bairro da Muriçoca. Era uma cadeira de escritório, meu material ficava no chão. Lá, eu comecei a desenvolver essa vontade de fazer algo relacionado ao afro, pelo fato de não encontrarmos espaços assim. Fiquei por um ano e fui trabalhar no shopping. Eu questionava muito as pessoas por não saberem lidar com nosso cabelo e nem se interessavam em aprender”.
O incômodo só crescia. “Mesmo não tendo as informações que tenho hoje, sempre me senti incomodado por não ver os nossos ocupando os espaços que de fato mereciam. Eu entendia que era capaz, sabia que se me dessem a oportunidade, eu faria melhor que eles”, lembra Leo.
E fez. Começou a divulgar seu trabalho pelas redes sociais, as postagens logo chamaram a atenção de diversas pessoas, incluindo personalidades e clientes de diferentes origens. Daí surgiu o salão, os valores de empoderamento e representatividade do negócio e o incentivo a outros jovens cabeleireiros.
A demanda por salões de beleza voltados para cabelos crespos e cacheados tem crescido significativamente nas comunidades periféricas. Eles têm contribuído para o fortalecimento da economia local, gerando empregos e impulsionando o empreendedorismo, como faz Leo e seus parceiros na periferia de Salvador.