Conheça Vila Formosa, ocupação histórica de Curitiba

Uma das vilas mais antigas da cidade, que começou nos anos 1950, se renova através do empreendedorismo local

8 set 2023 - 05h00
Cena do cotidiano da Vila Formosa, em Curitiba, ocupação histórica da capital paranaense
Cena do cotidiano da Vila Formosa, em Curitiba, ocupação histórica da capital paranaense
Foto: Lia Bianchini

A Vila Formosa, ou melhor, o “Bolsão Formosa”, deveria ser parada obrigatória de quem visita Curitiba. Fica localizada no bairro Novo Mundo, pertinho de uns dos principais shoppings de Curitiba e já foi a maior ocupação urbana da cidade, formada pelas vilas Maria, Uberlândia, Cannã, Leão, São José, Candinha, Ferrovila e Formosa.

As comunidades começaram a ocupar a região em 1950 e, durante as décadas de 1980, 1990 e 2000, o local foi considerado o maior “bolsão de ocupações de moradia” da capital. Ali existiu um dos primeiros loteamentos para operários de Curitiba e sempre se destacou por evidenciar as gritantes desigualdades sociais da cidade. Cada uma das comunidades é permeada pelo rio Formosa, que deu nome à principal vila do Bolsão.

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Tentaram fazer ela sumir do mapa

Com quase quatro quilômetros de extensão, a Vila Formosa é gigante, já sofreu despejo, tentativa literal de ser tirada do mapa de Curitiba. Rolou até mudar o nome do ônibus que passa por lá, na tentativa de fingir que a ocupação não existe.

Em 1975, no novo plano diretor da cidade, a prefeitura não considerou as quase duas mil famílias que residiam na Vila Formosa. Foi feito todo um desenho urbano da cidade sem contar com a região, inclusive retirando horários e linhas de ônibus. Rebatizam postos de saúde, itinerários de transporte e escolas.

À noite, as luzes dos comércios abertos substituem a falta de iluminação pública na Vila Formosa, em Curitiba
Foto: Raissa Melo/ANF

Mas nada disso conseguiu apagar o brilho da Formosa e a vila segue resistindo com cada vez mais vida e um rico comércio de resistência e diversidade.

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Aqui, todo mundo é formoso

A Vila tem um jeitão de subúrbio urbano: casas de madeira, campinhos de futebol, ruas sem saída, vielas sem asfalto e estreitas, pracinhas construídas pelos próprios moradores.

Quanto ao comércio, há salão de beleza, barbearias, padarias, benzedeiras, igrejas, mercadinhos, distribuidoras, lojas grandes e pequenas, mas tudo com muito charme. Ou, como costumam brincar os moradores, “tudo aqui é muito belo e formoso, inclusive eu”, brinca seu Mário Almeida, de 76 anos, dono do Bar do Mário, tradicional bar de sinuca da Vila. 

Bar do seu Mário, sem hora pra fechar

No Bar do seu Mário, inaugurado em 1998, se reúnem os amantes da sinuca, da cerveja, da cachaça e da boa conversa. Com horário de funcionamento estendido, o bar abre às dez meia da manhã servindo misto quente, pastel, coxinha, café pingado e, claro, para quem quiser, uns copinhos de cachaça.

Bar do seu Mário, na Vila Formosa, em Curitiba, tem hora para abrir, mas não para fechar. Depende do movimento
Foto: Raissa Melo/ANF

O horário para fechar depende de como estão as partidas de sinuca. “Eu tenho hora para abrir, fechar é consequência de se o jogo tá bom, se a conversa tá ruim, tudo depende”, conta.

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Com 25 anos, o Bar do seu Mário é sinônimo de alívio, seja para quem vai dar risadas, jogar conversa fora ou para quem precisa passar pela rua escura tarde da noite: as luzes do bar e o movimento em meio às ruas escuras dá segurança, sensação de pertencimento.

Seu Mário comenta que esse ano comemorou as bodas de prata do bar com a comunidade e segue firme rumo às bodas de ouro. 

Vó Alice, a matriarca de muitos dons

Descendo poucas quadras do bar, encontramos a casa da Dona Alice Batista, costureira, benzedeira e doceira. Identificamos sua atividade com um cartaz de papelão escrito com tinta vermelha, pregado no portão.

Vó Alice, como é conhecida, benze crianças e adultos, vê nas cartas traições de casais, ajuda empreendedores a decidirem se devem ou não abrir ou fechar suas lojas, faz limpeza espiritual, emocional e simpatias para todos os gostos.

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Seus dons foram aprendidos com a mãe, Dona Eraldina. Vó Alice é avisada de toda gravidez que acontece na Vila e reza para que as crianças se desenvolvam bem, para que nasçam com saúde e tenham uma vida de alegria.

Fachada da casa de Vó Alice, na Vila Formosa, em Curitiba: costureira, benzedeira e doceira, uma liderança histórica da ocupação
Foto: Raissa Melo/ANF

Mesmo com o grande número de igrejas na vila, todos respeitam Vó Alice e até mesmo padres e pastores pedem bênção para ela. Vó Alice mora na vila Formosa há mais de 20 anos, contudo perdeu as contas de quando exatamente foi morar no bairro.

Sempre fez a benção das crianças com o que as pessoas podem pagar e cobra pelos seus jogos de cartas e serviços mais específicos. Vó Alice não quis tirar fotos, mas convida a todas para conhecer sua casa e seus serviços.

Barba, cabelo e bigode na Vila Formosa

A Barbearia do Muniz é nova na Vila Formosa, mas virou referência para os meninos que querem ter o cabelo na régua, com estilo. Há quatro anos, a barbearia pequena, que faz barba, cabelo e bigode, tem movimento todos os dias.

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O negócio, que começou na pandemia, sempre foi um sonho de Ernesto Muniz, que já cortava o cabelo dos meninos na sua casa e segue feliz com seu sonho realizado. “Todo dia, aparece pelo menos um cabelo, uma barba, nunca fiquei sem cliente, nenhum dia”, conta.

A Vila Formosa é gigante não só na extensão, mas na pluralidade de gente, de comércios e, principalmente, de histórias. Assim como o nome da vila, seus moradores e comerciantes formosos, todo cantinho da comunidade é cuidado com muito zelo.

Ernesto Muniz, dono de barbearia na Vila Formosa: “Todo dia, aparece pelo menos um cabelo, uma barba, nunca fiquei sem cliente, nenhum dia”.
Foto: Raissa Melo/ANF

Vila Formosa deveria ser parada obrigatória

Das diversas padarias, salões de belezas e lojas que entrei para entrevistar e fotografar, as pessoas ficaram tímidas, mas, ao mesmo tempo, felizes. Ouvi diversos “que legal que alguém tá contando as nossas histórias”, “acho que pouca gente de Curitiba sabe que a gente existe”, “você não pode deixar de ir na loja do fulano, no mercado ciclano”.

Dos proprietários dos comércios – em geral com horários estendidos e atendimento pessoal – vieram sorrisos sinceros e convites para conhecer a comunidade.

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Moradores começaram a ocupar a região da Vila Formosa em 1950, o maior bolsão de ocupações de moradia de Curitiba
Foto: Associação de Moradores da Vila Formosa

Por isso, reitero: a Vila Formosa deveria ser parada obrigatória de quem passa por Curitiba, seja pela história de resistência, pelo rio que acompanha quase toda a comunidade e, principalmente, pelas pessoas que moram lá e transformam o espaço em um lugar aconchegante. Ou melhor, formoso.

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