Seja com as roupas largas da cena hip-hop, os óculos modelo Juliet do estilo mandrake ou as criações autorais de costureiras das favelas, a moda sempre esteve presente nas periferias do Brasil. Mas cada vez mais os estilos que ocupam ruas e vielas ganham novos cenários e o retrato disso pôde ser visto na Expo Favela no último feriado.
A feira de negócios, que tinha como objetivo apresentar as produções de empreendedores periféricos para investidores, levou dezenas de marcas de vestuário para os corredores do WTC (World Trade Center), na zona sul de São Paulo. Entre elas, a “AZ Marias”, criada pela empresária carioca Cíntia Maria Felix, 35, em 2015.
A marca é símbolo do fortalecimento das periferias no mundo da moda. No ano passado, participou das duas edições do SPFW (São Paulo Fashion Week) com coleções que homenagearam a intelectual Lélia Gonzalez e a guerreira e rainha angolana Nzinga Mbandi.
Para a fundadora da AZ Marias, as periferias reinventam a moda há anos. “A diversidade, a inclusão, o upcycling, tudo isso foi tirado da periferia”, afirma Cíntia. A estilista explica que as “bordas” da cidade já viviam o reaproveitamento e a customização de peças muito antes das discussões sobre sustentabilidade ganharem espaço nas grandes empresas do ramo.
“Upcycling nada mais é que você mudar uma roupa que já existe. Toda mulher de periferia conheceu uma roupa que foi da tia, passou para a prima, que fez um vestido, depois uma calça e, por último, virou pano de chão”, fala a empreendedora, que morou em várias comunidades do Rio de Janeiro e há três anos vive no distrito do Campo Limpo, zona sul de São Paulo.
Na Expo Favela, Cíntia deu uma palestra sobre como aplicar a abordagem ESG (sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e de governança) aos negócios. O impacto social e ambiental é a peça-chave da AZ Marias, que transforma resíduos têxteis em roupas novas e capacita costureiras para que elas saibam precificar e formalizar os trabalhos.
Na sala ao lado, outro empreendedor de moda também falava sobre as peças. Willian André, 25, contava como uniu temas como resistência do povo preto e empreendedorismo para criar a AfroPerifa, marca fundada em 2017, em Perus, na zona noroeste de São Paulo.
Conhecido no bairro como Will, ele explica que a empresa nasceu com a ideia de trazer mais representatividade para o setor. “Fui descobrindo que, por meio da AfroPerifa, eu poderia contar a história da população preta e periférica através da moda”, conta o estilista.
As estampas de blusas, calças e vestidos são desenhadas a partir de estudos sobre afrofuturismo. “Quero trazer o quanto é rica a nossa cultura”, explica.
Recentemente, a marca foi selecionada pelo Instituto C&A para um programa de incentivo a negócios liderados por empreendedores LGBTQIAP+. “A gente está desenhando uma coleção com eles”, diz Will. Com sede em Perus, a AfroPerifa emprega moradores da região e já chegou a vestir clientes até na França.
Levar a moda pensada e produzida nas periferias para os mais diferentes públicos e espaços é também o objetivo de Anderson Silva, 42, criador da Selloko Urban Style. Morador de São Mateus, na zona leste da capital paulista, ele fez as primeiras 150 camisetas da marca dentro da própria casa e vendeu a produção em uma semana.
Hoje a loja tem uma sede em um shopping de Mauá, na Grande São Paulo, e deve abrir uma franquia em Osasco, na região metropolitana, ainda neste ano. “Essa é a nossa ideia: levar nosso conceito, nossa marca, com preço acessível para vários lugares”, explica Silva.
Entre nomes que também marcaram presença no evento, estão Capulana Modas, de Salvador, Turbantes da Lu, do Rio de Janeiro, e LJota, de São Paulo.