A feira do rolo passou por vários locais em Osasco. Quando a polícia faz o “rapa”, espantando vendedores, roleiros e fregueses, ela muda de lugar. Atualmente, funciona aos domingos às margens do Rodoanel. A lista de produtos vendidos e trocados é praticamente incalculável, mas inclui ferramentas, brinquedos, pneus, utensílios domésticos, cabos e fios, rolamentos, e produtos alimentícios, de mandioca com casca a churrasquinho.
Na divisa entre Osasco e Carapicuíba, na Região Metropolitana de São Paulo, em uma avenida paralela ao Rodoanel, acontece todo domingo uma feira do rolo que existe, segundo relatos ouvidos pela reportagem, há mais de 30 anos.
A quantidade e variedade dos produtos, quase todos usados, é incalculável: vai de liquidificadores velhos a brinquedos; de discos de vinil, CDs e DVDs, a mandioca com casca; de ferramentas novas e usadas a latas de tinta pela metade.
A lista poderia se estender muito: pneus usados, de bicicleta e carro; utensílios domésticos, botijões e fogões; rolamentos, fios, correntes, carregadores de celular; sabão em pó, pão e iogurte.
Concentração começa meia-noite
“Cheguei quatro da manhã, cheguei tarde, tem gente que encosta meia-noite. Trabalho com reciclagem e muita coisa que dá para aproveitar, vendo aqui. Tá meio fraco ultimamente”, conta um homem do Rio Pequeno, bairro paulistano próximo à Osasco.
Ele vem à feira há mais de vinte anos e prefere não informar nome, nem idade. Vários não quiseram se identificar e, no estacionamento em uma das pontas da muvuca, três manos enquadram o repórter. “Tem que ver o que vai escrever aí”, intima um deles, acendendo o cigarro que insiste em apagar.
Não existem barracas, os produtos ficam no chão, no máximo em cima de panos e plásticos. Quase tudo foi encontrado no lixo, muitos roleiros trabalham com reciclagem. Outros, juntam reciclagem como atividade paralela.
Elizeu Ferreira Gonçalves, 61 anos, seleciona objetos do lixo do prédio onde trabalha como zelador, em Barueri. Montou um projeto de reciclagem e usa o dinheiro das vendas para comprar vasos, plantas, sementes e adubo para o condomínio.
Mudando de lugar, feira do rolo resiste há décadas
“Eu só vendo, não troco nada, não volto com produto pra casa”, diz um vendedor. Apesar do apelido da feira, que significa troca, as vendas predominam. O preço é baixo e a clientela, popular. A maioria chega a pé, no máximo de bicicleta e moto.
Em décadas, a feira foi mudando de lugar conforme a repressão policial. O último “rapa” aconteceu em novembro do ano passado. Muitos roleiros acham que, até a eleição para prefeito, no final de 2024, vai continuar sossegado.
A feira do rolo, agora chamada também de feira do Rodoanel, começou no bairro Santo Antônio, onde funcionou em dois locais; passou ainda pela Padroeira e Iguaçu. Agora, se estende por 1,5 quilômetros na Avenida Leonil Crê Bortolosso e rua Alfredo Benicassa.
Variedade de produtos é aqui
“O que estragava eram os passarinheiros, dá problema, é ilegal. Traziam um monte de passarinhos apertados na gaiola, não davam água, os bichinhos morriam. Aqui eles começaram a chegar, mas espirramos com eles”, conta Alexandre, que informa somente o primeiro nome.
Ele tem 50 anos, trabalha desde os seis com reciclagem. Começou ajudando o pai. Enquanto conversamos, freguês pergunta o preço de uma bicicleta motorizada à gasolina. Alexandre pede R$ 600, o comprador Marcos dos Santos desiste.
Há produtos mais baratos, como um vaso de babosa por R$ 25,00 e um botijão pequeno a R$ 40,00. Segundo os entrevistados, brinquedos, bicicletas e televisões vendem mais.
Além de produtos reciclados, há quem leve à feira do rolo objetos da própria casa, em momentos de aperto. Quem aparece com celular, gera desconfiança.
Feira do rolo como extensão do negócio
A maioria dos roleiros oferece produtos vendáveis que selecionam na reciclagem, de pequenos objetos, como brinquedos, até pia de banheiro e cozinha, sapatos e roupas.
Mas há quem venha à feira do rolo ampliar as vendas, como Amauri de Freitas, 50 anos. Ele tem uma loja de pet em Osasco e vem à feira vender gaiolas e comida para passarinho.
As gaiolas são novas, fabricadas por ele. Custam de R$ 50,00 a R$ 150,00 e não para de chegar gente querendo, ao menos, saber o preço. O comerciante aproveita para distribuir cartões com contatos e o nome da loja.
“Aqui não é a fonte principal, mas ajuda na renda”. E dá certo? “Já deu”, responde o vendedor. Ele frequenta a feira desde os 15 anos de idade.
Seu José comprou um micro-ondas
O micro-ondas da casa de José Araújo, pedreiro, 47 anos, queimou. No domingo, ele acordou decidido, pegou a bicicleta e foi à feira do rolo de Osasco. Ele mora em Carapicuíba, cidade vizinha.
Nas lojas, encontrou o aparelho custando cerca de R$ 400,00. Na feira do rolo, o primeiro que encontrou pediu R$ 100,00. Estava caro.
O pedreiro continuou pechinchando e conseguiu um micro-ondas por R$ 70,00. Gastou mais R$ 2,00 para testar. O teste é feito na tomada do fio puxado de uma casa. É a fonte de renda da família, que também vende caldo de cana.
Seu José voltou feliz, com planos para o almoço de domingo. “As coisas estão muito caras, moço. O salário está pouco demais”.