Na contramão da indústria têxtil, uma das mais poluidoras do planeta, a empreendedora Verônica Raquel Santana das Virgens, 38 anos, conhecida como Verônica Mucúna, moradora da região periférica do bairro de Itapuã, em Salvador, prova que é possível produzir moda sem agredir o meio ambiente. Ela faz peças de fuxico, técnica artesanal, reaproveitando tecidos.
Os fuxicos são círculos produzidos com retalhos e franzidos com linha, utilizados para montagem de roupas, bolsas e outras peças. Verônica Mucúna pratica essa técnica desde os 11 anos. Foi ensinada por uma senhora que dava aulas de bordado e costura para mulheres da comunidade, gratuitamente. Em 2021, enfrentando a pandemia, Verônica se viu obrigada a empreender. Começou Afruxiqueira.
“Eu estava a ponto de enlouquecer dentro de casa, sem dinheiro, pouco alimento e sem o afeto devido. Pensei em fazer macramê, mas o material não é barato e eu ainda teria que aprender, então lembrei-me dos fuxicos. Peguei tecidos comprados há bastante tempo, agulha, linha e comecei a fuxicar. Isso me livrou de uma crise de pânico”, conta Verônica.
Fuxicos para mulheres da comunidade
A empreendedora entendeu que outras pessoas podiam estar passando pela mesma situação. Então, assim como aprendeu quando criança, começou a ensinar. “Eu quis proporcionar este mesmo bem estar a outras pessoas, principalmente mulheres da comunidade. Comecei por minha mãe, que estava em depressão, uma amiga que fuxicava há anos, e trouxe minha sobrinha adolescente”.
Hoje, o objetivo continua o mesmo. O fundamento de Afruxiqueira é promover bem estar, alívio de dores, fazer falar as falas caladas e, o mais importante: promover a sustentabilidade. “Sou responsável pela minha vida e a de todo um coletivo. Quando faço algo, embora em pequena proporção, em favor da humanidade, faz eu me sentir com uma gota que pode formar um oceano”.
Além de não abrir mão da preservação do meio ambiente, a empreendedora visa o fortalecimento do afroempreendedorismo no bairro, fazendo a moeda preta girar. Para produzir, recebe tecidos que seriam jogados fora, de pessoas e empresas, como da marca baiana Meninos Rei, de onde chegam pedaços de pano novos, que valorizam as peças com visual africano.
Homens entram na roda do fuxico
Afruxiqueira vai além do produzir peças, pois abre espaço para que paradigmas sejam quebrados. Amplia o acesso à produção e incorpora o público masculino. Isso porque os homens sofrem preconceito por seguir o caminho da moda, da costura e, inevitavelmente, da produção de fuxico, técnica aperfeiçoada pelas mulheres.
“Tenho um filho homem. Nós, mulheres, somos as maiores vítimas do machismo. Ao ter homens fuxicando, trazemos a oportunidade de, em nossas rodas, tratar desses assuntos de uma maneira mais leve e afetiva. Nunca quero o embate, quero escolher o afeto. Como dizia minha avó, Petú, o fuxico é amor em pedaço”.
A produção mensal varia, mas quando há demanda diária, é possível produzir entre 50 e 100 peças. Afruxiqueira vende fuxicos a partir de cinco reais. Os valores podem mudar, mas a empreendedora garante que estabelece um preço justo para quem produz e compra, pois é preciso valorizar a mão de obra, muito trabalhosa.
Degradação ambiental da indústria têxtil
Segundo levantamento publicado pela Global Fashion Agenda, organização sem fins lucrativos, 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartados em anos recentes e a projeção é de um aumento de 60%, ou mais de 140 milhões de toneladas nos próximos oito anos.
Outros estudos apontam que a indústria da moda é a segunda maior poluidora do mundo, perdendo apenas para a produção de petróleo. Os fabricantes são os responsáveis por garantir a coleta e o descarte adequados dos resíduos gerados na produção, mas nem sempre cumprem a lei.
Conforme a Associação Brasileira da Indústria e de Confecção (Abit), o setor registrou aumento de 20% em 2021, gerando uma movimentação de R$ 194 bilhões.