Com a era digital, elaborar um currículo pode parecer tarefa fácil. Mas pode se tornar um desafio árduo para quem vive em favelas e periferias espalhadas Brasil afora e não tem ou é precário o acesso a um computador com internet de qualidade para enviar às grandes empresas um documento expondo suas habilidades.
Como indica o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic-BR), com a pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e comunicação nos domicílios brasileiros de 2020, 90% das pessoas da classes D e E acessam a internet exclusivamente pelo celular, seguido de 58% da classe C.
Ciente da realidade de Nova Brasília, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, Joelma Alcântara decidiu criar a Jojô Serviços. Trata-se de um negócio social voltado para auxiliar os moradores com serviços administrativos, contábeis, documentação e recursos humanos.
Joelma chegou de Recife em 1997, aos 11 anos de idade. Como toda adolescente nas fases de transformação de vida pessoal, não foi fácil para ela se acostumar a uma mudança da capital pernambucana. Na época, indagava sua mãe por trazê-la para morar no Rio de Janeiro, um dos lugares mais estigmatizado pela violência no país. “Morei de favor em 5 casas, meu pai faleceu quando eu tinha 12 anos, a vida foi bem difícil junto com a minha mãe, eu tenho um irmão mais velho que não suportou a morte do meu pai, e saiu de casa bem jovem para morar com a namorada, e eu que tive que ser o suporte da minha mãe”, conta.
Assim como muitas jovens periféricas, Joelma Alcântara precisou parar de estudar com 14 anos para trabalhar e assegurar os recursos financeiros da família.
“Eu sentia muita necessidade de ajudar a minha mãe e tive que optar naquele momento de parar os estudos para ajudar com a lojinha de doces, enquanto ela ia fazer as faxinas para manter o nosso sustento, morei dentro dessa loja com ela, e só tinha 2 cômodos, era a loja e um pequeno banheiro. Com essa situação, alguns amigos da minha mãe foram pedindo para eu morar de favor com eles, até a situação dela melhorar. Já chorei demais, mas eu sempre busquei motivação interior”, relembra.
Sempre acreditando que a educação é o caminho para a transformação social, a empreendedora voltou com tudo para a sala de aula. Em 2008, começou o curso superior em administração de empresas, mas logo percebeu que não tinha vocação para a profissão, já que não tinha aptidão em matemática. Então tomou a decisão de trancar a faculdade no 4º período.
Foi quando em 2012, estudou um ano para o Enem e conseguiu bolsa de 100% em gestão de recursos humanos no ano de 2013. “Antes de empreender eu era o orgulho da minha mãe, por conta do nível superior fui trabalhar em um escritório de advocacia, lá trabalhei 7 anos na parte administrativa, mas eu não estava feliz lá, então resolvi criar coragem, enfrentar o medo e saí de lá em 2015, quando veio a crise conversei com o sócio e ele me mandou embora e comecei a trabalhar com cosméticos, não deu certo, fui para consórcio que também não deu certo”, lembra.
Depois de formada no nível superior, Joelma decidiu em 2017 fundar a Jojô Serviços. O que antes era uma empresa de consórcio que depois da crise financeira precisou ser fechada, nos dias atuais o empreendimento tem sede própria e oferece atendimentos diários em agendamento de documentos, cálculo de rescisão trabalhista, elaboração e envio de currículos para empresas e ainda abertura do MEI (micro empreendedor individual). Para realizar tantas ações, a empreendedora conta com parceiros de negócios que atendem seus clientes em diversos setores que ela não tem especialização, “advogados, contador, consultor de proteção veicular, consultores de plano de saúde e seguro, serviços de despachante, certificação digital, e profissionais de diversas áreas da comunidade como pintor, pedreiro, frentista, serralheiro, dentre outros que são meus clientes e faço indicações pelos grupos do whatsapp do Complexo do Alemão que faço parte, acho que é muito importante que um ajude o outro. Todos crescemos” conclui.
Atualmente, a Jojô Serviços presta mais de 35 tipos de serviços no Complexo do Alemão e diversos bairros do Rio e Grande Rio, atendendo através das redes sociais. Com a chegada da pandemia, Joelma e sua equipe de colaboradores se mobilizaram para atender o máximo de mães moradoras do Complexo do Alemão. O intuito era auxiliar essas famílias no momento difícil de isolamento social para conseguirem levar os exercícios escolares a preço de custo, com valor de R$ 0,50 cada página, além de atender aos moradores com o cadastro do auxílio emergencial. Nos últimos dois anos no empreendimento, o atendimento remoto foi um divisor de águas para a Jojô Serviços, pois muitas modalidades administrativas se tornaram digitais e foi necessário a equipe se reinventar, um dos serviços mais procurados tem sido o seguro desemprego on-line, carteira de trabalho digital e o título de eleitor digital.
Embora todos os moradores do Morro do Alemão sejam o público alvo, as mulheres e os jovens são os que mais procuram o atendimento do negócio social. Por semana o Jojô Serviços chega a receber 150 pessoas na sede e as pessoas podem acessar a internet por hora nos computadores disponíveis.
"Em 2021 abrimos um projeto de qualificação da Jojô Serviços onde damos aula de informática e de Inglês a preço popular para atender todas as classes sociais e levar a educação aos moradores locais, o nosso maior sonho é um dia abrir uma outra filial em um ponto estratégico no Complexo do alemão, e ter franquias em todo o Brasil remotamente que ofereçam os nossos serviços", explica Joelma.
Amor pela favela e fé no futuro
O amor pelo Complexo do Alemão é visível e, para ajudar cada um a mudar o seu lugar de pertencimento, Joelma Alcântara é voluntária do Projeto Favela Art e do Projeto Mourão eles não são invisíveis, projetos que trabalham com crianças do Complexo do Alemão e já teve parceria com o Capacitação +, voltado ao desenvolvimento profissional de jovens para encarar o mercado de trabalho, a proposta formou mais de 40 jovens. No momento o projeto está suspenso devido a pandemia e ainda não há previsão de retorno das atividades.
Nesse sentido, nos últimos anos Joelma presenciou muitas transformações nas políticas públicas no Alemão, como o encerramento de cursos profissionalizantes voltados para o desenvolvimento profissional na educação de jovens e adultos a Fábrica Verde, a Tv Verde. Em fevereiro de 2022, a Nave do Conhecimento, em Nova Brasília, no Complexo do Alemão, foi reaberta. Fechada desde 2018 e inativa no período pandêmico, o espaço de tecnologia multiuso oferece oficinas, cursos, visitas virtuais entre outras atividades. Joelma e outros moradores da região ainda buscam melhorias contínuas para sua comunidade. Fico preocupada com tantas perdas aqui para nossa população”, explica.