Cresci nos becos e vielas do Curuzu, um local enraizado na história e na cultura de Salvador, Bahia. O Curuzu é mais do que apenas um bairro da periferia para mim: é um símbolo de resiliência, luta e, acima de tudo, empreendedorismo.
Neste relato, vou compartilhar um pouco sobre a história do Curuzu, conhecido por muitos como Pequena África, destacando a importância vital dos pequenos e médios comércios que moldam sua identidade econômica.
Aqui rola de tudo: padaria, mercadinho, mercearia, barbearia, salão de beleza, barraca de coxinhas, bares, muitos bares. O bairro do Curuzu é muito grande e sim, são vários becos, vielas e ruas com entradas e saídas umas nas outras. Dependendo de onde você vá, é um verdadeiro labirinto, mas pontos de referência sempre ajudam na localização.
Com nome próprio, reconhecido oficialmente
Para quem não sabe, o nosso Curuzu, por muitos anos, era conhecido como uma rua do bairro da Liberdade. Sempre foi confuso informar onde a gente morava. Porém, desde 2017, o Curuzu foi incluído na lista de bairros oficiais de Salvador, por sua força e representação.
Aliás, por falar em força e representação, a presença do Ilê Ayiê no Curuzu, primeiro bloco afro do Brasil, fez com que o lugar viesse a se consolidar como um espaço de empreendimentos, muitos deles voltados para a cultura produzida diariamente pelas pretas e pretos soteropolitanos.
Um ponto de referência nacional é a famosa Ladeira do Curuzu, cantada na música "O Mais Belos dos Belos", um grito presente para todo morador do bairro. Não tem quem more aqui e não conheça esse hino composto por Caetano Veloso.
Salões e bares nascidos com o Curuzu
No Curuzu, não faltam pequenos e médios empreendimentos, negócios erguidos e mantidos com muito esforço pelas moradoras e moradores. Um deles é a Cia das Tranças Menezes, idealizada por Gerusa Menezes.
Ela é umas das Deusas do Ébano do próprio Ilê Ayiê. Seu negócio tem 20 anos, um dos mais requisitados de Salvador, referência quando o assunto são turbantes (também conhecidos como “torsos”).
No largo – só largo mesmo, sem nome específico – encontramos a venda de Bernadino. É um estabelecimento antigo, nascido com o Curuzu. Durante anos, foi um verdadeiro suporte para alunos, pois vendia, e ainda vende, canetas, lápis, apontador, borrachas, o famoso papel pautado e, inclusive, folhas de ofício. Hoje comercializa até botijão de gás, mas o foco são bolachas e guloseimas.
Na venda do Bernadino, vivi histórias sensacionais. Na minha infância, no começo dos anos 1990, ele cobrava vinte centavos para encher o pneu das bicicletas da criançada. Gerar renda com criatividade, entende?
Um bar cinquentenário
No mesmo largo onde está a venda do Bernardino, funciona o Bar do Seu Antônio, um dos mais antigos do Curuzu, com 50 anos. Fica na rua onde moro. Esse bar já viu de tudo. É o primeiro a abrir todos os dias.
Bebida quente? É ali mesmo. Mas, como proprietário responsável, ninguém vê seu Antônio bebendo. Aliás, a gente chama o local de bar, mas atualmente vende pão, ovos, frutas, leite.
Sabe como é: ele foi se reinventando e acompanhando o progresso. Como bom empreendedor, soube se fazer e compete de igual para igual com os bares novos.
Barbearias e mais bares do Curuzu
Aqui tem empreendedor de todo tipo, como a barbearia de Nen, super requisitada. Ela funciona todos os dias e nunca está vazia. Fica ao lado do bar do Cristiano, que vende um peixe frito cujo cheiro toma a rua.
Mais abaixo, o mercadinho Renascer, velho de guerra. Várias famílias já tocaram o negócio. Esse tem história para contar: não por acaso, é o principal ponto de referência do Curuzu. Para se localizar, o pessoal fala que “é antes do mercadinho, ou depois, não tem erro”.
O Curuzu é grande e não caberia neste espaço contar a história completa do bairro ancestral. Seu chão segurou muita luta, festa e suor. Mas falar da nossa Pequena África, é poder contar um pouco sobre cada morador que aqui habita. Entre becos, vielas e avenidas, o Curuzu é, além de empreendedor, culturalmente rico.
A cultura do Curuzu
Curuzu é terra de Mãe Hilda, é território dos terreiros Ilê Axé Jitolu e do Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe, o único da nação Jêje Savalu, que mantém os ritos originais da linhagem, assim como o dialeto africano Ewe-Fon, preservado nas expressões e cânticos da comunidade.
Quem mora no Curuzu sabe que a arte e a cultura mexem com bairro, literalmente, Quando a percussão do Ilê Ayiê toca, tudo se movimenta: a área do bar de Bartola, do Mercadinho e Lanchonete de Meire, do açougue do Seu João e de tantos outros empreendedores que nasceram e se criaram nesse chão de gente preta.