Conheça o único bairro planejado do Grajaú, quebrada de SP

Cohab BNH surgiu nos anos 1960, e Dona Carmélia, uma mulher negra, foi a líder comunitária responsável por trazer avanços para o bairro

31 ago 2022 - 16h53
(atualizado às 19h23)
Os primeiros moradores chegaram à Cohab por volta de 1975
Os primeiros moradores chegaram à Cohab por volta de 1975
Foto: Sérgio Souza/Reprodução

Quem passa pela avenida Dona Belmira Marin, logo percebe os prédios coloridos com tijolinhos destacando-se em meio aos carros, motos e pedestres. É ali que se localiza o Conjunto Habitacional Brigadeiro Faria Lima, o único bairro planejado do Grajaú, no extremo da zona sul de São Paulo.

O BNH, como é chamado pelos moradores, foi projetado em 1965 e financiado pelo extinto Banco Nacional de Habitação, na época em que a capital paulista estava em processo de industrialização. Os primeiros moradores vieram para a região apenas dez anos depois.

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“Durante esse tempo, a Cohab [Companhia Metropolitana de Habitação] e os ambientalistas ficaram em briga por ser uma região que deveria ser protegida por ser uma área de manancial”, relata Cleide Pacheco, 49, presidente da Associação Mirante do Grajaú e uma das primeiras moradoras do bairro.

Bairro é conhecido como BNH, sigla para o antigo Banco Nacional de Habitação
Foto: Associação Mirante do Grajaú/Reprodução

Após várias discussões entre ambos os lados, conseguiram chegar a um acordo e puderam concluir a construção do bairro, desde que não ultrapassasse para os arredores. “Não ampliaram para o bairro vizinho, Jardim Lucélia, porque lá até hoje tem uma nascente. Não era para ter nenhuma favela”, enfatiza Cleide.

O distrito do Grajaú é o mais populoso da cidade, com cerca de 500 mil habitantes, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A região concentra aproximadamente 90 bairros, mas apenas o BNH tem o intermédio da Lei Municipal nº 6.738, que autoriza a Cohab-SP a oferecer moradia à população de baixa renda.

Nos anos 1970, muitas famílias vieram do centro da cidade ou de favelas para o extremo sul, como é o caso da servidora pública federal Mara Luiza Carvalho, 57. “Cheguei ao BNH aos 11 anos. Viemos da região central e aqui era muito longe, mas era o que minha mãe pôde comprar na época”, explica.

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“Aos 12 anos, eu já trabalhava e era muito difícil [acessar o] transporte público, sem falar que não existia a avenida Dona Belmira Marin. Era a estrada do Bororé, era barro mesmo”, relembra. A única linha de ônibus ficava no bairro vizinho e levava até o centro da cidade.

Mara Luiza se mudou para o BNH Grajaú aos 11 anos de idade
Foto: Arquivo pessoal

Mesmo a contragosto de sair da região central, Mara conta que não apenas a mãe dela, mas também várias famílias ficaram muito felizes em poder comprar uma casa por intermédio da Cohab. Afinal, quem morava no centro, morava em cortiços.

“Eram muitas pessoas em um mesmo lugar, um banheiro para 100 pessoas, e quando chegamos ao BNH era um banheiro só nosso. Sem falar que as casas eram todas iguais e novinhas”, conta a servidora.

A moradora Cleide conta que aproximadamente 113 mil moradores ocuparam o bairro na época. Mas, além da falta de linhas de ônibus, também não havia asfalto ou energia elétrica. As primeiras famílias do bairro ficaram cerca de um mês sem luz nas casas.

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Uma caixa d’água abastecia o bairro de forma racionada e só tinha água disponível das 8h às 10h e das 17h às 20h. Quando a água da caixa acabava, passava um caminhão pipa pelas ruas. “Surgia uma fila de moradores com baldes”, lembra Cleide.

Como não existia mercado, os moradores abasteciam a dispensa por intermédio da antiga Cobal (Companhia Brasileira de Alimentos). Toda semana passava um caminhão com uma entrada e uma saída, os moradores entravam de maneira organizada e faziam as compras lá dentro.

“Quem tinha mais filhos podia pegar mais unidades de alimentos”, comenta a moradora.

Líder comunitária trouxe progresso ao bairro

Dona Carmélia (à esq.) ao lado de Sandra Barbosa (à dir.), também moradora do BNH Grajaú
Foto: Arquivo pessoal

Dona Carmélia foi uma mulher negra, ligada a questões políticas e sociais. Chegou ao BNH Grajaú disposta a promover desenvolvimento e deixar um legado aos moradores das próximas gerações, e assim o fez. “Ela trouxe progresso para o bairro”, afirma Cleide.

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A líder comunitária abriu a primeira associação da Cohab Faria Lima. Por meio de uma amiga que tinha influência na política, conseguiu trazer vários feitos para o bairro, como creches, escolas, uma feira de rua e a Casa da Juventude, onde eram oferecidos cursos, como datilografia.

“Em 1984, chegaram cinco linhas de ônibus por intermédio dela”, conta Cleide. No mesmo ano também surgia, através de rodas de samba, a primeira escola de samba da região pelo bairro BNH com o nome Flor Imperial do Grajaú. A escola durou até meados dos anos 2000.

A famosa caixa d’água que abastecia o bairro existe até hoje e fica na  Associação Mirante do Grajaú, fundada em 2009, da qual Cleide faz parte. “Na época em que a Dona Carmélia estava entre nós, sempre tinha alguma ação para os moradores, então decidimos continuar o que ela tinha começado lá atrás”, conclui.

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