No último mês de setembro, os moradores do Parque Savoy City, na Cidade Líder, zona leste de São Paulo, se surpreenderam com uma placa que indicava a construção no bairro de um pátio de compostagem, espaço para receber resíduos que sobram de feiras livres e transformá-los em adubo. Contudo, o anúncio fica no terreno que abriga um terminal de ônibus improvisado entre as ruas Alziro Zarur e Astrogildo Pereira.
O local pertence à construtora Savoy e foi repassado para a Prefeitura de São Paulo por meio de um acordo. Segundo as lideranças do bairro, sempre houve o interesse da população em transformá-lo em algo voltado para a comunidade, como uma praça pública, porém as tentativas nunca saíram do papel.
O último esforço de mudar o destino do terreno vazio partiu de integrantes de movimentos de transportes, que passaram a utilizar o espaço como um bolsão para os ônibus. Em frente ao local já existe um ponto final de algumas linhas e os moradores desejavam fazer ali um pequeno terminal.
Segundo o líder do movimento, Igor de Paula, 25, a demanda foi levada à subprefeitura de Itaquera em março de 2021 e, posteriormente, o projeto foi aprovado pela SPTrans.
"A última reunião que a gente teve sobre o terreno foi em agosto [de 2022], quando fomos até a SPTrans. Depois começou a campanha eleitoral e, nessa época, não se mexe em obras públicas", conta.
Para que fosse construído o terminal, as empresas de ônibus fariam uma obra de compensação - que seria uma praça de lazer. Mas, após o primeiro turno das eleições, chegou a informação de que as empresas de ônibus seriam retiradas do local.
Para a surpresa dos moradores, eles descobriram que o pátio estava licitado desde 2018 na subprefeitura, o que conflitava com o requerimento aprovado neste ano. Com isso, a primeira ação foi permanecer no terreno para obter mais detalhes com a empresa responsável pela obra.
Aurelita Araújo da Silva, 67, diretora da Ampascy (Associação de Moradores do Parque Savoy City), foi uma das moradoras que participou do ato. No primeiro dia de guarda, ninguém apareceu. Mas no terceiro dia, ela conseguiu conversar com os engenheiros responsáveis, que explicaram que seria distribuído adubo gratuitamente e feito uma horta para a população.
O pátio de compostagem recebe resíduos orgânicos retirados de feiras livres. No local é utilizado o sistema de compostagem termofílica em leiras estáticas com aeração natural. Nas leiras são depositados os resíduos com podas de jardins e palha, assim é criado adubo em cerca de 120 dias.
Na cidade de São Paulo existem atualmente cinco unidades, localizadas na Lapa (zona oeste), Sé (centro), Mooca, São Mateus e Ermelino Matarazzo (as três na zona leste).
Um dos engenheiros também informou que a prefeitura iria fazer uma reunião para apresentar o projeto da obra - o que ocorreu no último dia 3 de novembro. Quando foram descarregar mais contêineres, Aurelita junto a outros moradores do bairro chamaram a polícia para impedir que começasse a obra antes de ser discutida com a população.
"Não teria que só suspender essa obra, mas também punir o responsável, porque isso passou por cima do povo", diz a diretora.
Também envolvida nas manifestações, a conselheira suplente participativa da Cidade Líder, Leila da Silva Ribeiro Uzum, 54, diz que, sem uma manutenção correta, o pátio de compostagem pode trazer problemas aos moradores.
"Embora haja o interesse na produção do chorume que vai trazer lucros, empregabilidade e uma série de coisas, se não houver uma manutenção, vai trazer prejuízos porque ele vai contaminar o solo, criar odor e trazer desvalorização para região que já sofre por conta da falta de planejamento urbano", aponta.
A advogada Katia Regina Molina, 50, conta que os moradores do bairro estão há três semanas se reunindo para chegar ao consenso de que o local não é apropriado para a obra. "Aqui ainda é uma área aberta descampada, mas, descendo, tem o condomínio e a parte de trás dele dá exatamente para onde vão ficar as leiras", relata.
"A gente foi visitar outros pátios e o cheiro realmente é muito ruim"
Katia Molina, advogada
Leila complementa dizendo que a pretensão do movimento de moradores é buscar outro lugar para o pátio. "Não somos contra a instalação, mas sim que ela não seja justamente em uma área residencial."
Outra moradora que está engajada com a pauta é Carla Fabiana Gomes, 40. Ela é responsável por um abaixo-assinado contra a construção e todos os dias percorre o bairro pedindo assinaturas. Até o momento já foram recolhidas mais de 20 folhas, com cerca de 40 assinaturas em cada uma.
"Cheguei a ficar aqui desde às 5h da manhã no terminalzinho de ônibus explicando que os caminhões desse pátio de compostagem vão atrapalhar os ônibus"
Carla Fabiana Gomes, moradora do Parque Savoy City
A avenida Alziro Zarur é a porta de entrada para o bairro. Nela também estão os principais comércios, como padarias, mercados e farmácias da região. Os moradores temem que o pátio de compostagem afaste esses comércios e também os ônibus, que foram conquistados após anos de luta.
Josefino Inácio Fogaça, 64, também membro da diretoria da Ampascy, diz que eles nunca conseguiram concluir todas as demandas do bairro. "Tem que ser um pouquinho de cada vez. Não adianta você chegar aqui e falar que precisa disso, disso, disso, porque precisa de tudo, precisa de bastante coisa", comenta.
"O que nós queremos nessa área é um bolsão de ônibus, a praça e os aparelhos para fazer ginástica", complementa. O sonho é compartilhado por Aurelita: "Vir alguém lá de cima e tirar esse sonho da gente é muito cruel. Não dá nem para acreditar".
Prefeitura
Em nota, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal das Subprefeituras, diz que a área é pública e que o projeto irá beneficiar a população. A gestão afirma que além do pátio de compostagem, haverá outros serviços como áreas de lazer, arborização e melhoramento viário do local.
A gestão, no entanto, não respondeu sobre as reclamações dos moradores e a ideia de fazer um terminal no espaço. A resposta traz apenas a explicação sobre o que são os postos.
"Os pátios de compostagem não são aterros ou lixões a céu aberto. São alternativas sustentáveis que têm a função de dar o tratamento ambientalmente correto para restos de resíduos orgânicos de feiras livres", diz a gestão, que cita possibilidade de gerar novas vagas de emprego.
Atualmente, a cidade conta com cinco pátios. "Os insumos produzidos pelos pátios são doados para a comunidade em pacotes de meio quilo, usados na adubação de hortas e jardinagem", conclui.