Como alunos de cursinho em favela ao lado da USP chegam para o Enem

Conheça a trajetória e as expectativas de cinco jovens do pré-vestibular gratuito que funciona na comunidade São Remo

1 nov 2024 - 09h45
Resumo
Estudantes do Cursinho Popular Elza Soares são moradores da favela na zona oeste de São Paulo e de comunidades vizinhas. Filhos de trabalhadores, estudaram em escolas públicas e, no ensino médio, superaram a pandemia de covid-19 e mudanças curriculares. Prestam o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) confiantes, mas com diferentes perspectivas.
Alunos e professores do Cursinho Popular Elza Soares, gratuito na favela São Remo desde 2023. Iniciativa começou em 2018.
Alunos e professores do Cursinho Popular Elza Soares, gratuito na favela São Remo desde 2023. Iniciativa começou em 2018.
Foto: Divulgação

Thayná Jesus de Araujo tem uma vida corrida na comunidade Piemonteses, na divisa entre São Paulo e Osasco. Mora com o pai e duas irmãs mais novas, que ela praticamente cria. E ainda faz bicos como promotora de vendas. A comunidade tem cerca de mil famílias.

A jovem de 19 anos quer ser jornalista. Concluiu o ensino médio técnico em escola pública em 2023, ano em que fez o Cursinho Elza Soares, na favela São Remo, vizinha da Universidade de São Paulo (USP), na zona oeste da capital.

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Era o primeiro ano do cursinho na comunidade. Thayná prestou Enem e Fuvest, “fui um desastre em Exatas”. Voltou ao cursinho.

“A gente tem muito problema com energia elétrica, internet, enchente. Teve vezes que esperei mais de duas horas para água baixar e eu chegar em casa” – Thayná de Araujo

A favela São Remo faz divisa com a USP, onde estão as árvores. Comunidade foi formada por trabalhadores que construíram o Universidade.
Foto: USP Imagens/Fernandes Dias

Em casa, consegue estudar durante a tarde, quando as irmãs estão na escola. Com a ajuda do pai, comprou um computador para ver aulas, ler materiais. “No celular era muito complicado”.

Além de Enem e Fuvest, está inscrita nos vestibulares da Unicamp e Unesp. Percebeu que melhorou o desempenho nos simulados, passou a resolver questões da área de Exatas.

Apesar de saber “que é tudo no tempo de Deus”, diz que “este é o vestibular da minha vida. É agora ou nunca”.

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Thayná Jesus de Araújo, 19 anos, na comunidade Piemonteses, onde mora com mais mil famílias, na zona oeste de São Paulo.
Foto: Arquivo pessoal

Johnny convive com a USP desde criança

Johnny Batista Cavalcanti da Silva é cria da favela São Remo, ao lado da USP, onde a mãe e o pai trabalham: ela é vigilante; ele, controlador de acesso. O filho de 20 anos sempre estudou em escola pública.

“Passei o ensino médio inteiro na pandemia”, lamenta. Terminou em 2022, prestou Enem. Não conseguiu vaga porque “a base era muito fraca, praticamente não tive ensino médio”.

No ano passado, começou a trabalhar como repositor e, neste ano, ficou sabendo do cursinho na favela São Remo, que funciona aos sábados. Caiu pra dentro.

“O pessoal está voltando a usar a camiseta da seleção”, diz Johnny, que não tem posição política associada ao uniforme.
Foto: Arquivo pessoal

Durante a semana, trabalha das 14 às 20 horas. Estuda em casa pela manhã, e quando volta do emprego. Dá umas três horas por dia.

“Estou bem mais preparado, o cursinho me ajudou muito, é com pessoas que já passaram no vestibular. Eles melhoram sua confiança”. Johnny vai prestar somente o Enem e quer fazer História.

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“Passei minha infância brincando na USP, e sempre pensei: quero entrar aqui como aluno um dia”. Ele está fazendo de tudo para o dia chegue logo. “Até agora, sou o único da minha família a ter oportunidade de fazer faculdade”.

Pandemia e “novo ensino médio” prejudicaram

Thayná de Campos Batista Lima, 19 anos, é filha de cozinheira e pintor. Cria do Jardim São Jorge, perto da rodovia Raposo Tavares, mora em uma casa de três cômodos com os pais e dois irmãos.

No ano passado, Thayná Lima se sentiu despreparada vindo do "novo ensino médio" em escola pública durante a pandemia.
Foto: Arquivo pessoal

Concluiu o “novo ensino médio” em escola pública, em período integral. Estudou em plena pandemia, com aulas online. “Horrível, horrível. Se não fosse o cursinho, eu não saberia nada. Na minha escola não tinha aula de redação, literatura, tinha duas aulas de português e matemática por semana, um absurdo”.

Frequentou o Cursinho Elza Soares na favela São Remo no ano passado e prestou Enem. Queria Medicina. “Me senti super despreparada, neste ano estou me sentido meio assim... Mas vou fazendo até dar certo”.

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Neste ano, conseguiu se dedicar mais aos estudos até agosto, quando começou a trabalhar. Inscreveu-se novamente no Enem, mas desistiu de Medicina. Possivelmente, optará por enfermagem.

Nas noites do Jardim São Jorge, zona oeste de São Paulo, Thayná estuda para ingressar em algum curso da área de saúde.
Foto: Divulgação

Danillo, entre faculdade e concurso público

Em 2024, Danillo Expedito de Almeida Silva, 19 anos, voltou do interior da Bahia para morar com a mãe, irmã e padrasto no Parque dos Príncipes, zona oeste de São Paulo.

No ano passado, prestou Enem, mas “foi horrível, não tinha preparação nenhuma”. Neste ano, além do cursinho na favela São Remo, fez outro, online. Estudou, em média, sete horas por dia.

Com vida simples, ele tem uma condição rara – quarto individual e silêncio – para estudar o dia inteiro. O sonho é entrar em Odontologia na USP, pois seria difícil se manter em universidade particular, mesmo com bolsa.

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Cursinho começou na São Remo em 2023 e aprovou 28 alunos, como Jhonatan Neves dos Santos, que entrou em Educação Física na USP.
Foto: Marcos Zibordi

Danilo tem certeza de que, neste ano, terá desempenho melhor no Enem. Mas também pensa que um concurso público pode ser o caminho. “É aquilo: se passar, começa a trabalhar”.

A mãe prefere faculdade. Independente da profissão, Danillo quer ter um futuro seguro e “sair da asa da mãe”.

Enem neste ano, Fuvest no próximo

Filha de uma funcionária pública e de um porteiro, Amanda Lopes, 20 anos, é cria da favela São Remo. Estudou em escola pública e terminou o ensino médio em 2021. Não prestou vestibular, foi atrás de emprego. Trabalhou em shopping, mercado “para ajudar minha mãe”.

Entrou no cursinho Elza Soares neste ano. “Queria muito ficar só estudando, mas não deu, foi bem complicado. Porém, sinto que estou pronta”. Ela trabalha em uma confecção durante o dia.

Amanda Lopes se sente mais preparada para o Enem neste ano. No ano passado, não conseguiu se preparar.
Foto: Arquivo pessoal

Tentou estudar todas as noites depois do trabalho. “Ficava das sete até meia noite ou mais, tentava fazer isso todas as noites, mas fiquei doente”. Passou a estudar em dias alternados.

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Amanda nunca prestou vestibular, é a primeira vez que faz Enem. Não teve dinheiro para pagar a inscrição para a Fuvest, que tentará no ano que vem.

Ela pretende fazer Psicologia. “Sempre quis estudar em faculdade pública, se for particular, teria que ser perto da minha casa”.

Fonte: Visão do Corre
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