João Paulo Ovidio, 28 anos, morador de Duque de Caxias (RJ), quer resgatar e preservar a arte produzida na Baixada Fluminense, além de promover o protagonismo de artistas contemporâneos locais invisibilizados. Pesquisador, curador, educador e editor de publicação cultural independente, seu foco são as produções visuais.
A Baixada Fluminense é o nome genérico dado à parte da Região Metropolitana do Rio de Janeiro composta por 13 municípios. Apesar da proximidade com a capital, que exibe incontáveis atrativos culturais, as cidades do entorno são esquecidas. Em quase nenhuma existe galeria de arte, por exemplo. Artistas locais têm que exibir seus trabalhos longe dos territórios de origem.
Como curador, Ovídio está lutando contra essa exclusão. Ele conta que muitas vezes vê trabalhos artístico-culturais sobre periferias utilizando termos como “carioca” ou “fluminense”, mas em sua grande maioria tratam apenas da capital. “Existem outras vivências, outras experiências que estão ficando de fora dessa narrativa”, pontua.
Seu mais recente trabalho foi compor a equipe que montou a exposição "Bomba Relógio: a Resposta da Baixada", em abril de 2023, ocupando espaços de Duque de Caxias (RJ), como o Gomeia Galpão Criativo. Estiveram presentes artistas do Coletivo BXD Lambe e Max Oliveira, entre outros.
Reação cultural começou em Queimados
O primeiro trabalho de Ovídio no território da Baixada Fluminense foi o evento que ocorreu no espaço de uma piscina: Artes Aquáticas – Verão em Queimados, de 2019, aconteceu no Centro Esportivo Educacional do Instituto Golfinhos da Baixada, em Queimados (RJ).
A escolha do local se deu porque faltam espaços para a arte. “É sempre feito com pouco recurso e muito perrengue. Então eu acho que são passos de formiguinha que a gente tem dado, mas de alguma forma são importantes para sermos vistos e considerados, né? E, assim, fazer parte de algo”, explica.
Como pesquisador e educador, Ovídio ministra cursos voltados para a história da arte na Baixada Fluminense e para a representatividade de artistas negros nesses espaços. Ele tem formação universitária, que foi difícil conquistar, a começar pela dificuldade de deslocamento.
Desafios começam na formação
Os desafios enfrentados por artistas visuais e curadores da Baixada Fluminense são diversos e começam na formação. Os centros de ensino se tornam inviáveis para pessoas que moram longe e precisam se locomover de transporte público, como aconteceu com Ovídio.
Sua primeira graduação foi na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde percebeu dificuldades de locomoção de outros alunos da Baixada Fluminense, Niterói e São Gonçalo, onde o valor da passagem de transporte público é ainda mais caro.
Ele critica o Passe Livre Universitário, política de gratuidade em alguns meios de transporte, lamentando que nada foi feito para pessoas que estão fora da capital. “São fatos que nos fazem questionar até mesmo sobre a permanência das pessoas na universidade.”
Outra frente de batalhas: preservação da memória
Outro problema enfrentado por Ovídio na Baixada Fluminense é a falta de preservação da memória artística local. O pesquisador conta que durante a sua graduação em História da Arte esbarrou com pessoas que desejavam, assim como ele, pesquisar a arte do território, mas acabavam desistindo por não saberem por onde começar, onde encontrar fontes e referências.
Um dos projetos de Ovídio é criar material para essas pesquisas, mas uma grande dificuldade é encontrar fotografias das obras e dos artistas, o que atrasa seu trabalho. A arte visual se baseia em imagens.
Ele diz que muitas vezes há a carência até de uma descrição. Os arquivos e documentos usam termos amplos e vagos, como “retratação do cotidiano” ou “arte abstrata”, que não informam a contento.
Iniciativa editorial de arte e cultura
A Revista Desvio, da qual Ovídio participa como editor, entrevista artistas contemporâneos, garantindo o registro de suas obras. Mas, para ele, o sonho de escrever livros é enorme e tem motivação afetiva.
O curador acredita que livro tem representatividade, especialmente para pessoas da periferia. “Ver seu nome num livro, em algo que durante a infância você não teve, adquirir as obras, tem um impacto, uma força significativa”, diz.
Enquanto o livro não vem, João Paulo Ovídio continua abrindo espaços para exposições de arte na Baixada Fluminense e levando os artistas da periferia para os centros culturais badalados da Cidade Maravilhosa. Seu trabalho é fazer conexões visuais.