Leandro Oliveira é um exemplo de quem faz o corre. Estudou em escola pública e arrumou emprego cedo. Ingressou, aprendeu e cresceu na área de Recursos Humanos. Como não poderia ser diferente, quer que sua trajetória sirva da inspiração, enquanto atua pela diversidade nas empresas. Vale conhecê-lo.
O nome da quebrada, Parque Pinheiros, pode confundir com um bairro paulistano, mas o cenário é Taboão da Serra, na divisa com a capital paulista, próximo à rodovia Régis Bittencourt. É onde Leandro Oliveira nasce, cresce e de onde alça altos voos, chegando a se especializar na prestigiada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Leandro Oliveira nasceu negro, pobre, estudou em escola pública. É filho mais novo de três irmãos. O pai era motorista de ônibus, “dessas linhas que levam do Campo Limpo para Santo Amaro”, e a mãe trabalhou como vendedora de lojas em Pinheiros, neste caso, o bairro da capital paulista.
“Quero que minha história inspire outros jovens negros e periféricos a acreditarem que é possível transformar desafios em grandes realizações” – Leandro Oliveira
Quem vê esse homem alto, magro, assaltado aos 41 anos pela charmosa calvície completa, talvez não imagine que ele ocupou cargos de liderança em empresas como Netflix, Gympass e Latam Airlines. Ou talvez imagine que foi fácil chegar.
Afinal, ele mora no bairro rico do Panamby, zona sul de São Paulo. Sorrisão fácil, calvície equilibrada com a barba rente, ele é, como diria o rap, “um exemplo pra nós, maior moral, maior ibope”.
Como o jovem negro de Taboão começou no corre
O futuro não é promissor para jovens negros de periferia cujos pais são separados e a mãe trabalha fora. Mas aí entram as estratégias de sobrevivência também periféricas, a madrinha que cuida, a avó que acode.
Moleque ainda, distribuía panfletos na região do Taboão. Aos 14 anos, consegue o primeiro trabalho com carteira assinada, em uma agência de empregos. Sabe onde? Na avenida Faria Lima, com executivas e executivos transitando por todos os lados.
O corre típico de office boy é com a pastinha debaixo do braço, gastando sola de sapato, indo a todos os cantos da cidade. Leo descobre São Paulo. Usa guias de ruas e mapas impressos, é assaltado na zona leste, espera em filas, até o dia em que substituiu uma atendente.
Leo engata na área de RH
Durante a substituição, Leo mostra-se educado, fala bem ao telefone, é percebido. “Eu sabia que como office boy tinha muito aprendizado, mas sabia que as coisas aconteciam do lado de dentro”. Entrou para a área de Recursos Humanos da agência.
Trabalhava de dia e estudava em escola pública, à noite. Da agência de emprego vai, convidado, para outra empresa, que, em seguida, é comprada pela Siemens. Viu-se trabalhando em uma multinacional. “Era o único lugar sofisticado que eu conhecia. Comecei a sentir que minha área era RH mesmo”.
No corre do progresso, fez curso tecnólogo. “Era o que dava para fazer”, diz sobre a graduação de dois anos e a instituição em que estudou, que não consta entre as melhores do ramo. “Fiquei com uma missão para comigo mesmo, ir para Harvard para tirar essa primeira formação do currículo”.
O currículo pede inglês fluente
“Eu era o cara preto do RH. Fui hackeando o sistema. Fui me infiltrando até que eu percebi que eu era esperto, tinha valor”. Na época, Leo tem pouco mais de vinte anos e os próximos vinte serão de ascensão profissional.
Entra na Latam Airlines, ocasião em foi para Disney, levando a mãe. “Ela adorou os Estados Unidos. Passeando em Orlando e, como vendedora nata, via perfumes e queria comprar para revender no Brasil”. Ainda na Latam, tem oportunidade de morar no Chile por dois anos. Aprende espanhol, mas há uma pedra no meio do caminho.
Aos 35 anos, decidiu superar a dificuldade com o inglês. Passou cinco meses em Sydney, estudando intensamente durante o dia e trabalhando como entregador à noite. “Voltei com inglês avançado, e aí foi a virada. Sem multinacional, sem morar fora, talvez eu nunca tivesse ido tão longe”. Quando voltou, foi contratado pela Gympass, depois na Netflix.
Leo orienta tomadores de decisão
Leo entra em 2024 com um currículo inimaginável para o office boy do Taboão da Serra. Ocupou empresas, cargos relevantes, e academicamente foi se distanciando da lembrança da primeira graduação. Fez pós-graduação na Fundação Instituto de Administração (FIA) e cursos executivos de Business & Leadership pela PUC-Chile.
““Eu dou consultoria para os principais executivos. Meu papel é agregar valor para as lideranças, ajudando a tomar decisões difíceis. Às vezes é o caso de sugerir que, ao invés de demitir vinte trabalhadores da base, demitir um diretor pode resolver o problema”, explica.
No curso em Harvard, conhece ministra de Gana
Leo foi para Harvard no segundo semestre de 2024, matriculado no curso Leadership and Negotiation. “Justifica todo o esforço, tem um network absurdo. São 110 executivos na sala, líderes governamentais, grandes empreendedores, conheci uma ministra do governo de Gana”.
E o que conversaram? “Ela estava interessada em saber da minha história e sobre as dificuldades de um jovem negro no Brasil”, conta Leo, que pagou o curso do próprio bolso e gostou da pegada prática, além da carga teórica e a relevância de estar entre pessoas incríveis. E a sensação? “Cara, eu nasci no Taboão da Serra e estou na melhor universidade do Mundo”.
“Sentei para negociar com gente da Índia, Nigéria, Suíça, Itália, Austrália, negociações complexas com líderes de governo, empreendedores da alta sociedade dos Estados Unidos. Conversei com muita gente, o nível é altíssimo” - Leandro Oliveira
Neste fim de 2024, Leo não está trabalhando para nenhuma empresa. Mas ele não está desempregado, não da maneira que comumente conhecemos o desemprego. “Estou conversando com headhunters”, profissionais que recrutam talentos altamente especializados.