Grafites levam debates com mulheres à periferia de SP

Alunas do Cieja foram retratadas em um mural; trabalho reuniu professores e coletivos culturais do território noroeste de São Paulo

31 mar 2022 - 13h52
(atualizado às 15h12)
Guíniver mediou o projeto visual em Perus @Ira Romão/Agência Mural
Guíniver mediou o projeto visual em Perus @Ira Romão/Agência Mural
Foto: Agência Mural

Em Perus, na zona noroeste de São Paulo, educadores do Cieja (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos) incluíram discussões sobre invisibilidade feminina como parte do conteúdo educacional de 2020. As aulas deram origem a um projeto visual que retrata sete moradoras da região por meio de grafites.

As discussões em sala de aula partiram da trajetória de mulheres que integraram movimentos de luta e contribuíram para o desenvolvimento do território no qual a unidade está inserida, mas tiveram as histórias esquecidas ao longo do tempo. Assim, o objetivo do trabalho é resgatar essas biografias.

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"Para desenvolver uma reflexão sobre a invisibilidade feminina no território, e quiçá no município, no estado, no país e no mundo, pensamos em trazer uma possibilidade de equidade de direitos, de vez e de lugares de fala para essas mulheres", explica Guíniver Santos, 43, professora de arte e mediadora do projeto.

Intitulado "A história das mulheres passada a limpo nos muros de Perus", o trabalho com os grafites foi feito em um muro de cerca de seis metros de extensão na própria instituição. Contudo, a ideia inicial era colorir locais que são utilizados como pontos de descarte indevido de resíduos na região.

"Nossa ideia era realmente fazer essas ocupações nos muros pelo bairro já de início, mas não pudemos, para nos preservar e não ter nenhum risco de contaminação [em relação à pandemia]", diz Guíniver.

O momento pandêmico também impediu a interação dos alunos em oficinas e atividades em campo para mapear as mulheres homenageadas e os muros a serem desenhados. Por isso, os professores e alunos optaram por focar nas histórias das mulheres ligadas ao Cieja.

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Detalhes nas roupas das mulheres mostram palavras desenhadas @Ira Romão/Agência Mural
Foto: Agência Mural

A arte visual foi concluída em novembro de 2021 e realizada em parceria com o coletivo Perusferia, que grafitou a professora Rosemeire Pinto e mais seis estudantes: Luciana Araújo, que hoje está no último módulo; Maria Neide, que se formou em 2021; Rosemene Pompe, Kathy Milus, Andréa Alves e Marc Dala, formadas em turmas anteriores.

Marc preferiu ser retratada por uma poesia de autoria própria - que, inclusive, foi a base para o design do mural.

"A poesia se inicia dizendo que 'somos mulheres de todas as cores', então essa foi a ideia utilizada: cada homenageada foi pintada de uma cor"

Guíniver Santos, professora de arte

A educadora também comenta o porquê do grafite ser escolhido para a execução do projeto. "Entendemos que envolver um coletivo de arte de rua seria bastante funcional, tanto para a visibilidade, quanto para que os nossos estudantes reconhecessem também os traços desses artistas locais", completa.

Luciana foi homenageada no projeto visual do Cieja
Foto: Agência Mural

A estudante Luciana Araújo, 51, diz que o projeto visual a aproximou ainda mais de Perus, onde vive há 35 anos, e que "reuniu muitas mulheres, além de permitir que elas dessem seu depoimento".

Feliz por estar entre as alunas escolhidas para ilustrar o muro, ela compartilha que também se descobriu poetisa. "Eu já escrevia meus poemas, mas agora todos estão tendo acesso a eles por meio do projeto", comenta.

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A moradora também tem compartilhado sua história com outros alunos do Cieja e, assim, tem incentivado outras mulheres a não desistirem dos sonhos, inclusive, o sonho de retomar e concluir os estudos. Ao mesmo tempo, sente que está se desenvolvendo como aluna. "Começo a dar uma entrevista, uma palestra e, através desse diálogo, vou aprendendo bastante coisas", diz Luciana.

Mulheres reais

O Cieja de Perus trabalha com eixos temáticos semestrais. No semestre atual, o tema é "mulheres reais" e tem permitido que os professores do polo incluam o projeto do grafite em suas disciplinas.

Guíniver conta que uma das primeiras atividades do retorno às aulas presenciais foi levar os alunos para apreciação do muro. "Fizemos uma conversa sobre o porquê das escolhas das alunas retratadas", relata.

Sete mulheres foram homenageadas, sendo uma delas através de uma poesia autoral @Ira Romão/Agência Mural
Foto: Agência Mural

A educadora afirma ainda que, nessas conversas, os estudantes trouxeram muitos assuntos que o corpo docente da instituição gostaria de entender e estudar."No projeto Cieja, também organizamos nosso currículo a partir dessas demandas que os alunos trazem", explica.

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"Esse ano surgiu uma grande demanda sobre feminismo, violência contra a mulher e saúde da mulher. Nós entendemos que, dentro dos eixos temáticos, precisaremos falar sobre essas mulheres reais"

Guíniver Santos, professora de arte

 

Em paralelo, os educadores ainda buscam retratar o tema em outros muros do bairro, trazendo consciência ambiental para os moradores, especialmente para os locais com descarte irregular de lixo e demais resíduos.

Bem articulados no bairro, os professores, munidos das histórias esquecidas de personagens femininas locais que já conheciam e da ideia de trazer consciência ambiental, em parceria com coletivos de saúde, coletivos culturais, assistência social e escolas do entorno, passaram a mapear os locais de descartes indevidos e as histórias de mulheres.

"Trabalhamos com a perspectiva do território expandido e de um território educativo e pedagógico", acrescenta a mediadora.

Além da professora Guíniver, estiveram envolvidos nessas atividades os professores Francisco Garcia, de geografia, Rossini Castro e Juliana Benedito, de artes, e a coordenadora geral do polo, Franciele Busico.

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