Fundado em 1984, o Centro das Mulheres do Cabo (CMC), do município de Cabo de Santo Agostinho, litoral da sul da Região Metropolitana do Recife, em Pernambuco, tem uma história de protagonismo na luta pelos direitos das mulheres. Entre suas contribuições à causa feminina e feminista, está a exigência da aplicação da Lei Maria da Penha no dia em que a legislação entrou em vigor, para proteger uma mulher vítima de violência doméstica.
A Lei Maria da Penha foi criada em 2006. Na época, a quantidade de assassinatos e outras violências levou o movimento feminista a brigar por uma legislação que protegesse as mulheres, exigindo políticas públicas.
No CMC, havia oficinas, rodas de conversa, palestras e outras atividades culturais, produzindo materiais para que mulheres tivessem acesso aos modos de identificar a violência e pedir ajuda.
Em uma dessas ocasiões, Cileide Cristina levou um folheto informativo para casa. “Ela não sabia ler e esperava que a filha lesse. Quando a filha começou a ler, a mãe percebeu que passava por aquelas situações de violência. Quando o marido chegou, tentou agredir a filha. Mais tarde, pegou o panfleto e fez a esposa o engolir”, conta Manina Aguiar, membra da Coordenação Colegiada do Centro das Mulheres do Cabo.
Delegado não sabia da nove lei em vigor
O casal não vivia mais na mesma casa, porém o homem se sentia dono da mulher. A filha tentou proteger a mãe e levou um soco no rosto. Diante disso, Cileide Cristina resolveu denunciar o marido. Mãe e filha foram ao Centro de Defesa da Criança, do Adolescente e da Mulher, no qual a filha era assistida, sendo acolhidas pela equipe jurídica e psicológica.
“A gente fortaleceu as duas e levamos a mãe para a delegacia, porque neste dia estava entrando em vigor a Lei Maria da Penha. Embora tivesse sido sancionada, estava entrando em vigor naquele dia, era setembro. Não existia nem delegacia da mulher aqui”, lembra Manina Aguiar.
O delegado achou que as mulheres estavam enganadas, ele desconhecia a nova legislação. “Tivemos de vir aqui no Centro das Mulheres do Cabo, imprimir a maçaroca da lei e mostrar a ele”. Constatando a nova situação jurídica, o delegado perguntou se a mulher queria realmente fazer a denúncia. “O agressor foi preso em flagrante”, lembra Manina Aguiar.
Com isso, Cileide Cristina foi a primeira mulher no Brasil a ser beneficiada pela Lei Maria da Penha, e Lucidalva Nascimento, a primeira advogada a utilizar a proteção jurídica.
A criação da Rádio Mulher
Entre as atividades do Centro das Mulheres do Cabo está a Rádio Mulher, projeto iniciado em 1994. Trata-se de um programa criado, produzido e pensado por mulheres da Mata Sul, com horário fixo em uma rádio comercial – na época, a Mata Sul de Pernambuco foi identificada com o maior índice de analfabetismo do estado, a maioria mulheres.
O programa abordava, por exemplo, o direito de decidir quantos filhos ter, que não era normal mulher apanhar do marido “e os homens daquela região patriarcal, canavieira, não gostaram, diziam que as meninas ensinavam safadezas para as mulheres, ensinar direitos era isso pra eles”, conta Manina Aguiar.
Havia outros boicotes. Os motoristas não queriam levar as meninas para a rádio, fora da cidade. Mesmo assim, o projeto durou dez anos atingindo, inclusive, uma rádio comercial que alcançava dez municípios de Alagoas.
“Mas a gente sobrevive de projetos, aprovamos, renovamos, tentamos renovar de novo, mas não conseguimos. Porém, a experiência era tão boa, tão exitosa e transformadora, que decidimos tentar aqui no Cabo de Santo Agostinho", conta Manina Aguiar, sobre a criação da Rádio Mulher, que completa 18 anos e cujos programas são veiculados na Rádio Comunitária Calhetas FM 98,5.
Conhecer o CMC foi marcante para estudante
A reportagem presenciou a visita de um grupo de estudantes ao CMC. Maria Luiza da Silva, 16 anos, cursa Administração de Empresas na Escola Técnica Estadual Epitácio Pessoa. Está sempre envolvida em eventos relacionados às conquistas de mulheres e pessoas que passam por vulnerabilidades.
“Foi a primeira vez da gente aqui, e eu achei de extrema importância. Sou filha de uma mulher que passou por essas agressões, tanto psicológicas quanto verbais e físicas. Nunca tive a oportunidade de ver isso de perto, alguém apoiando uma mulher.”
A estudante guarda traumas da convivência familiar violenta e repudia o ditado de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. Maria Luiza da Silva ficou emocionada com o trabalho do CMC. “Vai ficar marcado para mim e creio que para as meninas também. Com toda certeza, vamos levar o que aprendemos aqui para todos os lugares”, garante.
Podcast destaca trabalho do CMC
Laís Clarice, 17 anos, estudante de Administração e amiga de Maria Luiza da Silva, achou o Centro das Mulheres do Cabo “um lugar onde elas podem se sentir confortáveis, acolhidas para pedir ajuda, porque às vezes buscam o vizinho, mas o vizinho não sabe o que fazer, e aqui no centro elas sabem”.
Laís contou que o grupo de estudantes foi ao CMC porque estão produzindo um podcast. Vieram buscar informações para o conteúdo a ser veiculado na faculdade. O nome do programa é M de Marias, disponível no Spotify.
Esther Alexandra, 16 anos, também parte do grupo de estudantes que visitou o CMC, conhece várias mulheres que passam ou passaram por violência doméstica, e não imaginava o alcance do trabalho. “A maneira como ele atua é incrível, o Cabo de Santo Agostinho tem sorte de ter um lugar onde as mulheres podem ser acolhidas. Elas não estão sozinhas”, resume.