Nascido em Potengi (CE), nosso personagem veio criança para Itaquera, zona leste de São Paulo. Criado pela mãe, tia e avó, fundou projeto social em 1998. Pintura da rua transformada em pista é só uma das grandes histórias do ativista social.
Francisco Carlos da Silva, 54 anos, pintou uma pista de corrida de 200 metros em uma rua de Itaquera, zona leste de São Paulo, mudou a comunidade, formou campões, e quer mais: seu próximo objetivo é receber o atacante corintiano Memphis Depay.
Corintiano “doente”, a pista e a sede do projeto social que fundou estão a 800 metros da Neo Química Arena. Mas seu trabalho começou bem antes da inauguração do estádio. Cansado de perder amigos para o crime, fundou em 1998 a Associação Esportiva e Cultural Kauê (nome do primeiro filho).
A pista na rua Nicolino Mastrocola foi pintada pela primeira vez há 20 anos porque “uma garotinha disse que nunca tinha visto uma pista de atletismo”. Fran, como é chamado, foi para a rua e pintou a pista. De lá para cá, vem mudando o “fundão da periferia”.
“Quem sabe um dia o poder público tenha noção de que investir em pistas de atletismo é muito mais barato e humano do que construir presídios? Não é justo perdemos crianças para o tráfico e as drogas. Nem o traficante quer o filho neste caminho”, diz Fran.
“Atletas são sementes do asfalto”
Conhecido como “o maluco que pintou a rua”, Fran é apaixonado por esporte, por ações sociais, pelo Corinthians, pela quebrada. “A essência toda é aqui. Os atletas são sementes do asfalto”, poetiza.
O projeto formou campeões brasileiros, sul-americanos, de maratonas internacionais. E atrai atletas famosos, como Claudinei Quirino, Marílson dos Santos, Alan Fonteles e Usain Bolt – sim, o jamaicano quis conhecer Fran e um de seus jovens promissores, apelidado de “mini Bolt”.
Nas aulas regulares, atende de 40 a 50 crianças por turma, além da terceira idade, tanto na rua, quanto no Parque Linear Córrego do Rio Verde – a pista do parque foi conseguida por Fran, que cutucou incansavelmente a prefeitura. Na rua, as corridas chegam a juntar 500 pessoas.
“Os gringos vêm aqui e ficam doidos. Eu não deixo a minha quebrada, eu não largo isso aqui, viajei não sei quantos países por causa do esporte”. Fran é formado em informática, com bolsa integral por ser atleta. Faixa preta, ex-jogador de futsal e corredor, participou de centenas de provas, inclusive maratonas.
Histórias de Fran parecem de pescador, mas são reais
Não é clichê: a vida de Fran daria vários livros. Ele escreveu um, lançado em 2011, mas só tem o PDF da obra. “Imprimi 350 exemplares. No dia do lançamento de Um Guerreiro da Periferia, a quebrada comprou tudo. Doei o dinheiro para um vizinho com necessidade.”
Fran tem mais histórias do que pescador, mas são verdadeiras. Uma delas: seu segundo filho, Lucca, nasceu exatamente no dia centenário do Corinthians. Outra: ele foi um dos condutores da tocha olímpica no Rio de Janeiro.
Quer mais? Há 25 anos, ele caminha até a basílica de Aparecida do Norte, interior paulista. “Precisa acreditar no ser superior, você tem contas a prestar com ele”. Fran também treinou e treina atletas da seleção brasileira.
Na quebrada, conseguiu mudar a rua da pista para mão única, distribuiu cinco mil cestas básicas na pandemia, recusou convite de seis meses nos Estados Unidos para treinar um garoto da quebrada, e por aí vai...
Fran quer receber Memphis Depay
Por essas e outras, a história de Fran está no Museu da Pessoa, dedicado a registrar trajetórias que inspiram, provocam e transformam. Ele quer mais. Entre os desejos que fervilham em sua cabeça, está o de receber o atacante Corintiano Memphis Depay.
Agilizado, materializou a ideia, como sempre. Fez um desenho de Depay, escreveu um dedicatória em inglês “com ajuda do Google tradutor” e, durante a entrevista, parecia ser este o principal assunto que queria abordar.
“Não custa tentar, né? Ele está tão pertinho. Quem sabe depois dessa reportagem ele não vem aqui conhecer o projeto?”. Fran está fazendo novamente a aposta que fez a vida inteira: “o esporte tem o poder de encurtar distâncias”.