Entre os cinzas dos asfaltos e muros na Vila das Belezas, na zona sul de São Paulo, é possível enxergar três árvores altas, que parecem coqueiros. O dono delas é o administrador de empresas Marcelo Jesus, 46, que conta serem na verdade açaizeiros.
No quintal, que começou a ser plantado pelos pais de Marcelo, também tem um pé de jabuticaba, um limoeiro, um pé de chuchu e várias outras plantas e flores.
Para Marcelo, as plantas na casa dele são um privilégio e lamenta a falta de áreas verdes no restante do bairro. "Acho que falta boa vontade, a gente vê que tem grandes áreas que poderiam ser disponibilizadas para a população curtir."
Ele não está errado. O bairro da Vila das Belezas está dentro do distrito do Jardim São Luís, onde a densidade de arborização é de 12,9%, abaixo do ideal mínimo de 30%, segundo o mapa de "Densidade de Massa Arbórea".
O levantamento, de 2020, foi produzido com dados da prefeitura de São Paulo pela Urbit, plataforma que faz pesquisas para o mercado imobiliário e para criação de políticas públicas.
O mapa é o resultado do comparativo entre a densidade populacional de cada bairro com a quantidade de árvores disponíveis no território. Ou seja, o ideal seria que todos os bairros da capital tivessem ao menos uma árvore para cada três moradores.
Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), o recomendado para toda cidade é que haja pelo menos 12 m² de área verde por habitante. Em teoria, a capital paulista segue a recomendação, com 16 m² por cidadão, segundo estimativas da Rede Nossa São Paulo.
De acordo com a prefeitura, a densidade arbórea da capital paulista é de 48,18%, o que representa 735,99km² de cobertura vegetal. O que não é um índice ruim para uma cidade do tamanho de São Paulo, de acordo Fernando Souza, que é sócio-fundador da Urbit e participou da elaboração do mapa.
"São Paulo não é uma cidade com escassez de verde. Mas o problema é a desigualdade, que é muito grave, muitos distritos densos e populosos com índices muito baixos [de arborização]", afirma Fernando.
Além da desigualdade, muitas árvores estão dentro de parques e reservas, longe da rota diária da população.
Nas periferias, podem até ser próximos, como é o caso do distrito do Parque do Carmo, na zona leste, que possui uma cobertura arbórea de 90,4%, porém no bairro à frente, na Vila Carmosina, onde a maioria da população vive, a densidade cai para 14,4%.
Para ter ainda mais ideia da diferença, há alguns distritos como Marsilac, com 96% de arborização, enquanto a Vila Tereza, na Brasilândia, zona norte, não chega a 6%.
"Tanto na zona sul quanto na zona leste você vê esse contraste muito grande entre as zonas arborizadas, parques e de reservas, e as zonas de moradia das pessoas que são desprovidas de vegetação", afirma o professor sênior em arquitetura da paisagem Paulo Pellegrino, da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo).
Passeio no parque
Grazieli Lima, 22, é agente comunitária da UBS Vila Santana e aproveitou o fim de semana para respirar o ar mais puro do Parque do Carmo. Ela mora no Jardim Robru, distrito da Vila Curuçá, na zona leste, que tem 12,5% de arborização.
A moradora nota uma grande diferença entre o ar que respira no parque e o de perto da casa dela e compara a situação com outros locais da cidade. "A região perto do Ibirapuera tem uma diferença, parece que perto do parque é mais limpo e onde eu moro é mais poluído", conta.
Os benefícios para quem mora em uma região com mais verde, como é o caso do Ibirapuera, que tem uma massa arbórea de 49,4%, vão desde "a melhor condição respiratória até a saúde mental", explica a professora de urbanização, Aline Cavalari, da Unifesp de Diadema.
Soluções verdes
Uma possível solução para São Paulo seria investir em projetos que a tornassem mais "biofílica". Segundo Pellegrino, uma cidade biofílica é projetada para possuir áreas verdes, rios, lagos e fauna preservadas.
Essa natureza não atrapalha a vida do cidadão, e vice-versa. Em um exemplo prático, a árvore é bem cuidada e ajuda a manter a rua mais fresca, e as raízes não atrapalham na calçada.
Rua arborizada na região do Jardim Nossa Senhora do Carmo, Zona Leste Casas e vegetação no Jardim São Luís Jabuticabeira na casa do administrador Marcelo Jesus na Vila das Belezas, zona sul Árvore de açaí carregada na casa do administrador Marcelo Jesus
"[Temos que] trazer a natureza para dentro da cidade", defende o professor. Ele explica que quando uma cidade se torna biofílica, as soluções para os problemas do cotidiano passam a surgir a partir desse investimento verde. Mas o que acontece na capital é uma desconexão entre áreas verdes e os bairros periféricos.
Pellegrino diz que a prefeitura precisa não só pensar em projetos isolados e sim na implantação de uma "infraestrutura verde" na cidade.
Além disso, não é suficiente morar próximo a um parque ou reserva se o próprio bairro não possuir áreas verdes. São os locais mais afetados pelos efeitos da poluição e das ilhas de calor, sem contar o aumento das mudanças climáticas na região.
O que é ilha de calor
A ilha de calor é um fenômeno climático, que torna certas regiões mais quentes que o entorno. Isso porque a zona aquecida possui mais asfalto, concreto e zonas escurecidas, e menos árvores.
"Em ambientes que não têm árvores, eles vão ter uma temperatura muito aumentada em relação ao normal, porque normalmente é um lugar impermeável, com muito concreto, então isso forma ilha de calor", afirma a professora Aline Cavalari, da Unifesp de Diadema.
Beatriz Telles, 26, é comerciante e vive próximo ao Parque do Carmo. Ela relata que sente muita diferença ao andar em regiões com menos árvores.
"Quando você anda numa rua mais movimentada já sente aquele calor, e a região do Brás, ao meio-dia, parece a boca do inferno", conta Beatriz ao lembrar do período em que estudava numa Etec (Escola Técnica) na região central. O Brás possui somente 3% de massa arbórea.
Investir em uma cidade mais verde é uma questão de justiça ambiental.
"Todo mundo tem direito a uma paisagem bonita nos bairros periféricos, não pode haver esse contraste, paisagem e natureza são uma coisa única"
Paulo Pellegrino, professor sênior da FAU-USP
Pellegrino completa: "isso é um processo de co-criação e se a população não comprar isso como algo importante, ela não vai cuidar".
A Agência Mural entrou em contato com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura que afirmou que a cidade segue a recomendação mínima da ONU de cobertura vegetal acima de 30% no território da capital.
Contudo, a gestão admite que existe uma desigualdade na distribuição do verde pela cidade e que, através dos projetos descritos no Plano Municipal de Arborização Urbana, pretende realizar todas as atividades propostas para melhorar os índices de massa arbórea até o ano de 2025.
Agência Mural