Botafogo campeão? O torcedor botafoguense pode se dar mais um presente neste final de ano de tantas alegrias, com dois títulos e um terceiro possível. Por ordem de prioridade, botafoguenses favelados, botafoguenses, brasileiros e eventuais extraterrestres, devem ler a biografia de Garrincha.
Filho de uma família de 15 irmãos, mostrou ao mundo a genialidade daqueles que vêm da periferia, que “do lixão nasce flor”. Porém, para continuar citando Racionais MCs, “você sai da favela, mas a favela nunca sai de você”.
Garrincha viveu o pior lado dessa verdade, uma vida real, de subidas e quedas, em intensidade incomum. Lendo a biografia Estrela Solitária – um Brasileiro Chamado Garrincha, de Ruy Castro, entendemos em profundidade como e porque um dos nossos maiores ídolos é “vida loka”.
Listamos sete motivos para ler a biografia – quantidade escolhida em respeito ao número altamente cabalístico, que Garrincha eternizou no Botafogo. Existem mais motivos, muitos mais, à torto e direito.
Descendente de indígenas
Garrincha descende de fulniôs, que viviam desde o século 18 em uma reserva em Águas Belas, Pernambuco, perto de Alagoas. Um dos últimos grupos indígenas da região, espalharam-se por locais como a Serra da Barriga, onde havia existido o quilombo de Palmares. Garrincha é descendente da diáspora indígena e da aventura do povo brasileiro.
Paupérrimos
Os avós e pais de Garrincha viveram na passagem do século 19 para o 20. São do agreste alagoano. “Eram apenas brasileiros de pele escura, num tempo e lugar ásperos – e, como tal, candidatos ao analfabetismo, à rudeza e ao atraso. O Brasil não os desapontou”, escreve o biógrafo Ruy Castro.
Nomes de quebradas são desconcertantes
O primeiro nome de Garrincha, Manuel, foi dado em homenagem ao tio que veio tentar a vida no Rio de Janeiro, se deu bem, enricou e trouxe a família. Garrincha nasceu perto de Magé, numa localidade cujo nome provoca conotações sexuais. Na biografia se descobre que não há relação com obscenidade, mas com a natureza exuberante.
Alcoolismo como problema da periferia
Amaro, pai de Garrincha, alcóolatra, morreu de cirrose. Exceto um, todos os tios tinham a doença. O alcoolismo é um problema sério nas periferias, onde droga ainda é somente sinônimo de maconha, cocaína e craque. Mas a real é que nas quebradas o álcool é a mais barata entre as drogas mais potentes, destruindo pessoas e famílias.
Improviso
Saída estratégica pela direita, improviso, soluções inusitadas, desviantes da norma, constituem a estética da periferia: pense na arquitetura das favelas, o quanto é improvável tudo aquilo estar em pé, funcionando. A biografia de Garrincha é uma aula sobre estética de quebrada. Neste quesito, os seus dribles, dentro e fora de campo, têm valor sociológico, meu truta.
Despreparo para o sucesso
O despreparo para o sucesso foi trágico para inúmeros jogadores e outros astros e estrelas que vieram da periferia. A leitura da biografia de Garrincha vai nos deixando constrangidos a ponto de percebermos que faltou ao craque as soluções que o improviso não resolve. Hoje já se fala, mas ainda timidamente, que problemas psicológicos afetam a periferia, que o alcoolismo é uma doença, que abandonar a família é quase sempre a recorrência de um padrão familiar, etc.
A capa diz muito
Se um livro conquista pela capa, é o caso da biografia escrita por Ruy Castro. A foto da capa é dolorosa. O fotógrafo Jorge Butsue captou em luz perfeita, de penumbra, Garrincha sentado no braço de uma cadeira, meio torto. Só de bermuda, é a imagem perfeita do corpo atarracado e de todos os seus demônios. Lembra Adriano de shortão na Vila Cruzeiro.