Após lesão, depressão e morte do pai, Day Nascimento volta a campo

Aos 21 anos, jogadora que já passou pela seleção brasileira sub-15 e sub-17 voltou a jogar futebol na Taça das Favelas

5 out 2022 - 17h16
(atualizado às 20h21)
Day durante período na categoria de base da seleção brasileira
Day durante período na categoria de base da seleção brasileira
Foto: Arquivo pessoal

No campo das oportunidades, o futebol talvez seja um dos poucos esportes que é, ao mesmo tempo, benevolente e cruel. Para a maioria dos atletas, o sonho de jogar pelos gramados do mundo faz do futebol uma verdadeira disputa pela vida. Alargue o recorte e inclua neste panorama de desejos, lesões e gols, Dayane Santos Nascimento, de 21 anos, ex-jogadora de clubes importantes da capital e com passagem pela seleção brasileira sub-15 e sub-17.

Day, como prefere ser chamada, é moradora do bairro Jardim Varginha, periferia da zona sul de São Paulo. Desde pequena a jogadora já sentia que o futebol era seu único caminho. O que Day ainda não sabia é que, no futuro, ao escolher o futebol como profissão, teria que depender tanto da sorte e, para além disso, da sua própria motivação.

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Depois de passar a infância toda jogando futebol com os meninos do seu bairro, aos 13 anos a atleta recebeu uma oportunidade e passou a integrar o time de futebol feminino do Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP). Localizado a quase 30 quilômetros e uma hora e meia de distância do bairro Jardim Varginha, foi no COTP que a jogadora passou a treinar e aprimorar dia após dia os fundamentos e conceitos básicos do futebol de campo.

“Por sempre jogar bola ao lado do meu irmão, e com os meninos na rua, quando cheguei ao Centro Olímpico foi um choque para mim, porque eu não fazia ideia que existia um espaço onde só meninas jogavam. Durante a infância sempre ouvia que futebol era esporte de menino e acho que driblar o preconceito e o machismo foi o primeiro desafio que tive que superar logo cedo”, lembrou Day.

Jogadora cara

Em menos de um ano defendendo as cores do COTP, o talento de Day foi reconhecido e no dia em que completou 14 anos, a volante recebeu a notícia que havia sido convocada pela seleção brasileira de futebol. Durante 15 dias a jogadora treinou forte com outras meninas da categoria sub-15, mas ao final deste período voltou à rotina no clube de origem.

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A pouco tempo de completar 17 anos, e com algumas lesões que maltratavam a musculatura e suas articulações, Day foi selecionada pela segunda vez para treinar com a seleção verde e amarela. Desta vez, a convocação partiu da categoria sub-17. Mas, com o convite veio também a má fase em função de inúmeras e severas contusões que interromperam sua chegada ao time principal da seleção.

Em 2018, com a experiência de diversos campeonatos na bagagem, a expertise de saber jogar em diferentes posições no campo – a atleta atuou como atacante, meia e volante – e as passagens pelas seleções de base, Day foi contratada pelo São Paulo Futebol Clube para disputar a primeira edição do Campeonato Brasileiro sub-18. Mesmo se destacando e sendo titular como volante na maioria dos jogos, uma nova contusão no tornozelo tirou a chance da atleta de disputar os jogos que incluíam a segunda fase até as finais.

Day em ação pelo São Paulo
Foto: Divulgação/São Paulo FC

Depressão curado com amor

De acordo com levantamento feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em todo o mundo a depressão é uma das principais causas de doenças e incapacidades em adolescentes (10 e 19 anos). Ainda segundo a organização, metade de todas as condições de saúde mental começam aos 14 anos, mas na maioria dos casos não é detectada e nem tratada.

Além de conviver com as lesões que tiraram a oportunidade de alçar voos ainda mais altos, Day passou dois longos anos diagnosticada com depressão. Segundo a jogadora, “quando acontece uma lesão seguida de outra, o rendimento em campo deixa de ser o mesmo e a performance cai drasticamente”, o que resulta na interrupção precoce de carreiras tão promissoras.

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“As lesões mexeram muito com o a minha cabeça, confesso que quando percebi que não jogaria mais eu pensei na minha família, porque eu sabia que o futebol poderia mudar a vida deles também, mas eu decidi sofrer sozinha. Tive depressão, porque eu não tinha um plano b, não sabia o que fazer e me afastei do futebol por dois anos”, lamentou a volante.

A tristeza e o abatimento fizeram com que Day não assistisse mais a jogos, não falasse mais sobre futebol e não quisesse mais jogar bola. A cura para a depressão da jovem atleta veio por meio do amor e do apoio que recebeu do pai, o senhor Renato de Souza Nascimento. Para Day, falar do pai ainda é um assunto delicado, já que o seu maior incentivador faleceu antes de ver a filha voltar a jogar futebol pelo Futebol Feminino Iporanga, na Taça das Favelas, edição de 2022.

Day com a camiseta em homenagem ao pai, que faleceu
Foto: Oberlan Oliveira

O renascimento

Com a chegado do Futebol Feminino Iporanga ao torneio mais importante da várzea do Brasil, acompanhado de dezenas de sonhos vestindo meião e caneleira, Day sentiu que poderia viver o sonho de jogar futebol novamente. Jogando com a camisa 10 do clube da zona sul, não demorou muito e Day se tornou exemplo para as outras meninas levando o time até as oitavas de final do torneio.

Para Paulo Roberto Gonçalves, o Paulinho, funileiro por ofício e técnico de Day no Futebol Feminino Iporanga, o talento da jogadora é admirável e ela é o que todo time quer ter. “A Day tem uma raça incrível, uma técnica incrível, ela é talento puro. Ela é muito importante para o grupo, porque além de toda a humildade, ela ainda chama a responsabilidade e incentiva todo o grupo”, destacou o técnico.

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Day na disputa da Taça das Favelas
Foto: Oberlan Oliveira

Atualmente, a jogadora trabalha com a venda de materiais esportivos pela internet, mas ainda atua pelos campos das várzeas de São Paulo e sonha em defender grandes clubes. Assim como muitos brasileiros que convivem diariamente com os altos e baixos da vida, Dayane prova que para chegar aonde deseja é preciso mais que persistência, é necessário ter senso de coletividade.

“Eu tenho uma tatuagem que tem um significado enorme para mim e nela diz que todos os sonhos são possíveis. Eu quero que isso reflita não só em mim, mas em todas as meninas que almejam chegar no profissional. Então, peço que se cuidem, cuidem do seu psicológico, do seu corpo que é a sua ferramenta de trabalho, foque, continue trabalhando e nunca desista”, finalizou Dayane.

Fonte: Visão do Corre
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