Mogi das Cruzes, cidade na região metropolitana de São Paulo, saltou de 387 mil para 455 mil habitantes entre 2010 e 2021, segundo dados do IBGE. O adensamento populacional pouco impactou no sossego da cidade, que apesar de sofrer com o aumento dos congestionamentos, ainda exibe amplas áreas verdes. O desenvolvimento, contudo, não veio acompanhado de investimentos nas áreas periféricas, que sofrem com falta de equipamentos públicos básicos, e convivem com escassez de espaços de lazer, cultura e esportes.
Cidade natal de Neymar, foi em Mogi das Cruzes onde cresceu outro cotado para a seleção que representará o Brasil na Copa do Catar, Felipe Monteiro. Zagueiro do Atlético de Madrid, começou a carreira no time local, o União, passando também por Bragantino e Corinthians, antes de ser vendido para o Porto, de Portugal. Em 2021, Felipe inaugurou na cidade a Escolinha de Futebol Galo de Ouro, que atualmente conta com 130 alunos.
Quem gerencia o projeto e comanda os treinos é seu amigo e ex-companheiro de União, Alexandre Moraes dos Passos, 32. “A escolinha é particular, mas entre 25% e 30% dos nossos alunos têm bolsa. O Felipe é quem deu as ferramentas e o suporte para as atividades, é tudo combinado com ele”, conta. Quando está na cidade visitando parentes e amigos, o zagueiro costuma ir até a escolinha jogar umas peladas e tirar fotos com as crianças. “A molecada fica encantada. Até por isso homenagearam ele no material didático”, explica.
De fato, a Secretaria de Educação da prefeitura de Mogi das Cruzes, em seu material de “Orientações Didáticas 2022” para o 4° Bimestre do 1° ano, incluiu foto, biografia e sugestões de exercícios para os professores, levando em conta a vinculação de Felipe com a cidade. “Aqui ele é referência, um garoto que teve poucos recursos de futebol, conseguiu abraçar a chance que teve e está arrebentando no futebol mundial”, conclui Alexandre.
O começo da carreira de Felipe teve altos e baixos. Em 2009, após ser rejeitado por grandes equipes como o Corinthians, o zagueiro desistiu de jogar futebol, e só retornou um ano depois, para ingressar no time principal do União. Durante esse hiato, ele trabalhou entregando cogumelos para a barraca de sua sogra, no Mercadão da cidade.
O Mercado Municipal é um dos pontos históricos de Mogi. Construído em 1858, no Largo da Matriz, ganhou novo endereço em 1965, na Rua Coronel Souza Franco, e conta com 118 boxes que ajudam a escoar a grande produção de frutas, verduras e hortaliças da região. O principal produto é o caqui: segundo o IBGE, Mogi concentra 12,6% da produção da fruta no país.
Carlos Antonio dos Santos, 56, há 28 anos tem uma barraca de frutas e verduras no Mercadão. “Estou em Mogi há 42 anos e trabalho com frutas há 35, comecei como feirante. Mogi me deu tudo que tenho, cheguei com uma mão na frente e outra atrás”, conta. Após a pandemia, no entanto, Carlinhos, como é mais conhecido, verificou uma queda de 60% nas vendas. “Ainda assim está bom, o Mercadão é um ponto muito bom para comprar e vender frutas e verduras. Isso porque os produtos sempre estão frescos, Mogi tem muito caqui, ponkan, goiaba, nêspera, tem muita fruta, alta produção”, conclui.
O abandono da periferia
Jundiapeba é um dos mais populosos distritos de Mogi das Cruzes, localizado na fronteira com o município de Suzano. De acordo com o IBGE de 2010, a região concentra cerca de 53 mil habitantes, uma extensão territorial de 50km2 e um alto índice de pobreza, que chega a 43,6%.
Lindemberg Alves, 47, nasceu em São Miguel Paulista e mora no bairro há 27 anos. “Quando vim pra cá, isso aqui era tudo lagoa, no final da rua é a beira do rio. Eu vi o bairro crescer em volta, com pouca estrutura e pouco investimento do poder público. Os barracos foram virando casa e fomos melhorando um pouco”, conta.
Lindemberg é pedagogo, com pós-graduação em psicopedagogia, mas ganha a vida trabalhando como porteiro. Ele foi catador de materiais recicláveis por seis anos, e durante esse período, recolheu livros que encontrava ou que recebia de doações, e com eles passou a estudar. Foi assim que se formou no EJA e, posteriormente, na faculdade.
“Eu ia muitas vezes daqui até Mogi a pé, porque não tinha o dinheiro da condução. Na formatura, fui orador da turma e disse: as pessoas acham que pra um homem preto e periférico é difícil fazer uma faculdade; não é difícil, é impossível, mas a gente tem que vencer o impossível todo dia, é o que acontece aqui”, explica.
Lindemberg é o criador da Associação Cultural Educacional Afrontarte, que há 8 anos promove ações sociais e educacionais em Jundiapeba. “A gente está há 2 anos nesse espaço, isso porque fiquei 4 anos construindo, com salário de porteiro é difícil, ia lá e comprava um saco de cimento, construía aqui e ali. Tudo aqui foi construído por mim, fui eletricista, encanador, só pedreiro que não fui, porque não sei fazer”, conta.
A Afrontarte fica no antigo quintal, e atual garagem, de sua casa. Ele derrubou estrutura frontal da residência e levou os cômodos pros fundos, mas para isso teve que morar por 8 meses, com sua esposa e os quatro filhos, no meio da construção, dormindo no chão.
“A Associação Cultural Afrontarte é um terreiro de candomblé, espaço de capoeira e o lugar que os movimentos sociais se reúnem, aqui já vieram os movimentos LGBT, movimentos de moradia, reunião de base de vários movimentos sociais. Mesmo sendo terreiro de candomblé, já recebemos reuniões de evangélicos, um padre esteve aqui também, tentamos incluir todas as lutas e bandeiras para termos um lugar pra todo mundo”, afirma.
Além disso, o espaço ainda abriga encontros de sarau, hip hop, teatro, jongo e feiras afrobrasileiras. Lindemberg explica que a motivação inicial para criar o espaço foi a absoluta falta de equipamentos públicos de lazer, cultura e arte no bairro. “Eu sempre falo que Jundiapeba é quase um quilombo, é nosso gueto. Por muitos anos, isso aqui ficou entre duas cidades, e nenhuma delas reconhecia o bairro. Nem Mogi, nem Suzano. E há toda uma falta de investimento, o poder público chega por último aqui, um bairro que é um dos mais populosos de Mogi e é o mais invisibilizado. Se você for ver, a maioria da população aqui é negra, as mulheres são mães solos, isso reflete bem o que se vê nos guetos e nos quilombos”, completa.
Ele e Mestre Cavuco, que dá aulas de capoeira no Afrontarte, estão tentando a liberação de um terreno junto à prefeitura para a construção de um espaço de arte com mais recursos. “Tem uma quadra aqui perto que está abandonada, com usuários de droga. Eu acredito que se eu não fizer algo, uma hora a violência bate na porta. Precisamos agir, e aqui a gente não está no projeto, a gente é o projeto. Pessoal fala que tem ir na periferia ver como está: a gente está na periferia, eu abro a porta e estou na periferia, eu fecho a porta e continuo na periferia”, conclui.
Mestre Cavuco, ou Silvino Ferreira de Oliveira Filho, 47, mora em Jundiapeba há 40 anos. Mestre de capoeira desde 2013, dá aulas no Afrontarte há um ano e meio. “Aqui é a periferia em tudo: falta estrutura, falta investimento em cultura, esporte e lazer. Um bairro com grande potencial e baixo investimento, especialmente em pessoas. Não tem uma casa de cultura, uma quadra de esporte bacana, um bairro esquecido entre dois mundos desenvolvidos, que é o centro de Mogi e a cidade de Suzano”, aponta.
Para ele, o esforço de Lindemberg é essencial, pois oferece um espaço para o jovem da região se reconhecer: “É diferente ter um local no seu bairro, pra praticar sua arte, sua cultura, sem precisar se deslocar, falando sua linguagem, com seu modo de vida, você se sente melhor: é se reconhecer, enxergar em você algo que não tem em lugar nenhum, só aqui”, conclui.