Uma pesquisa com 29 países feita pela empresa Ipsos (Especialista em Pesquisa de Mercado e Opinião Pública) revela que o Brasil é o segundo país com mais pessoas que declaram não investir nenhum tempo na atividade física. Em média, os brasileiros se exercitam apenas 3 horas por semana, metade da média global. A pesquisa on-line foi realizada entre 25 de junho e 9 de julho de 2021.
Esses dados mostram que os brasileiros devem investir mais tempo em exercícios físicos para terem uma vida mais saudável. Um país que chegou a mais de 213 milhões de habitantes em 2021, de acordo de acordo com a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), necessita praticar mais esportes.
Embora a pesquisa apresente dados preocupantes, muitas pessoas conseguem fazer atividades físicas, através do esporte, em busca de uma melhor saúde e de inclusão social. A partir disso, pode nascer grandes esportistas brasileiros.
Em Salvador, na Bahia, a maioria dos moradores das comunidades tentam encontrar no esporte, - basquete, futebol, boxe, judô, vôlei, entre outros -, uma maneira para transformar a vida.
Para o bicampeão mundial profissional de jiu-jitsu, Gutemberg de Jesus Santos Pereira, 27 anos, o esporte o ajudou a ter uma vida mais saudável, pois ele tinha síndrome do pânico e isso causava muitos transtornos, porém, depois que entrou no jiu-jitsu, a vida se transformou.
Ele revela que começou a treinar jiu-jitsu para curar a síndrome do pânico. Na época, era muito novo e passou por momentos trágicos na família, o que o afetou bastante.
“Passei por uma série de situações devido à síndrome do pânico. Na época eu era menor de idade e por isso minha mãe me acompanhava nas sessões com a terapeuta, que nos aconselhou a procurar um esporte para praticar, como jiu-jitsu e judô, esportes que tivessem disciplina e trabalhasse bastante com alto confiança. A partir disso, minha mãe trocou de trabalho, e por ironia do destino, ela foi morar em frende a uma academia de jiu-jitsu, e desde então, comecei a praticar”, explica e enfatiza: “o Jiu-jitsu foi o esporte que me abraçou e cuidou da minha saúde mental”.
O atleta, que começou a treinar jiu-jitsu aos 15 anos, diz ser um homem calmo, amigo e cuidadoso, e leva muito a sério tudo que faz. Além do mais, é dedicado ao trabalho e acredita muito nos seus princípios e valores, mas quando entra no tatame ele vira um competidor feroz.
“Ganhei todos os campeonatos mais importantes da minha modalidade nas faixas de base e hoje na faixa preta, além disso, já tive a benção de ser bicampeão do mundial profissional em Abu Dhabi, que era um dos meus maiores sonhos como atleta”, fala firme.
A história do lutador, que nasceu no bairro Jardim Cajazeiras, não é diferente dos diversos meninos que moram nas periferias da capital baiana. Ele, como muitos outros jovens, veio de comunidade e de família humilde, ainda assim sempre fez de tudo para dar orgulho a família.
“Minha vida antes do esporte era como da maioria de jovens que veio de comunidade. Se metendo em encrenca de vez em quando (risos). Brigava muito na rua”, conta, entretanto faz uma ressalva: “sempre respeitei a minha família, em razão disso busquei dar orgulhos para eles, através dos estudos para consegui um futuro descente”.
Ele lembra que teve uma vida comum em Salvador e dos muitos lugares que morou na cidade.
“Tinha uma vida simples. Venho de família humilde, no qual eles sempre trabalhavam muito para conseguir dar uma vida digna a todos. Gostava muito de zoar quando eu era adolescente, saia muito com meus amigos, morei em muitos lugares diferentes, então eu conheço muita gente na terrinha, mas sou cria de Jardim Cajazeiras”, recorda.
O bicampeão conta que quando está lutando no tatame “leva” com ele a família e os amigos, porém sem perder o foco da luta.
“Levo muita coisa quando eu estou lutando: minha família, meus amigos, meus parceiros de treino, além de toda a galera que me dá suporte, no entanto isso eu sempre coloco em segundo plano, para não me sobrecarregar tanto nos treinos ou em competições. Tento ficar bastante em mim e no que eu sei fazer de melhor”, garante.
Para Gutemberg ser o melhor lutador do mundo e ganhar por duas vezes seguidas o campeonato mundial profissional em Abu Dhabi, nos anos de 2020 e 2021, não foi fácil. O atleta passou por muitos obstáculos na vida, como problemas financeiros.
“Foram muitas as adversidades, mas as principais foram aos 16 anos de idade, porque fui morar no Rio de Janeiro para treinar. Eu não tinha muitas condições financeiras para se manter, minha mãe e meus avós que conseguiam fazer o impossível para eu não passar fome. Além disso, morei cinco anos na academia; dormia, comia e treinava no mesmo tatame juntamente com alguns garotos, porém, em troca, limpávamos a academia. Enfim, tive várias provações no início da minha carreira”, sinaliza.
Contudo, a força de vontade e com ajuda da família e amigos as coisas melhoraram: “família e muitos amigos me ajudaram também. São pessoas que sou grato até hoje. Graças a Deus, atualmente, as coisas estão melhores”, fala com gratidão.
Ele diz que muitas pessoas acreditaram no potencial dele e faz questão de salientar.
“Muitas pessoas me apoiaram (risos). Gostaria de citar quatro nomes que sempre acreditaram em mim, claro que tem muito mais gente, entretanto esses eu não poderia deixar de mencionar: minha mãe Nea, minha vó Glória, meu avô Valter e meus amigos: quem é sabe”, profere alegremente.
O lutador explica que o motivo de se mudar para o no Rio de Janeiro, foi para treinar, visto que as condições são as melhores do país, todavia não esquece a cidade natal.
“Estritamente para treinar. Eu faço parte de uma equipe que a sede é no Rio. Temos o melhor treino do Brasil. Então, eu sempre optei de estar aqui, também tenho mais foco, mas não esqueço a minha cidade: amo Salvador mais que tudo e penso um dia montar uma estrutura que temos aqui, lá. Vou lançar nossas pedras preciosas que ainda estão escondidas para o mundo”, afirma.
Depois dos apertos, o lutador alcançou muitas vitórias dentro do tatame. Conquistou muitos campeonatos e agora já tem outros sonhos. “Meu sonho é viver do que eu amo e prover para minha família, além de ser capaz de ajudar as pessoas que merecem em vários quesitos da vida,” aponta.
Ele manda uma mensagem para as pessoas que estão passando por problemas e estão sem um rumo. “Com certeza ter muita fé em Deus ou em que elas bem acreditam. Parar e refletir o que pode ser feito pra sair dessa situação, abdicar e sacrificar o que não faz bem e procurar fazer o bem porque ele sempre retorna para nós de várias formas”, destaca.
Para Mário Cesar, 26 anos, psicólogo, pós-graduado em Terapia Cognitiva Comportamental, o esporte é fundamental para transformar a vida das pessoas.
“O esporte é o grande transformador de vida das pessoas, ou seja, no esporte você encontra acolhimento, disciplina, saúde, cultura, ética, construção de valores, então um fator que engloba todas essas qualidades, não poderia ser menos importante na formação, na construção e em uma possível reconstrução do ser humano”, explica.
Conforme o psicólogo, nas favelas o esporte é importante também por conta da inclusão social, pois o jovem consegue a promoção de convivência em grupo. “A inclusão social é importante na comunidade por conta do crescimento pessoal, respeito ao próximo. Além de que os grandes talentos do esporte são oriundos das comunidades. Portanto, o esporte é de extrema importância para benefícios de crianças, jovens, adolescentes e até adultos também”, afirma.
Boxe, um caminho transformador
Para o praticante de boxe, Luiz Eduardo Macedo dos Santos, 27 anos, morador do bairro de Pirajá, da cidade de Salvador, o esporte nas comunidades é muito importante porque, além de ensinar respeito e empatia, significa disciplina para os praticantes.
“A importância mais significativa do esporte para comunidade sem dúvida nenhuma é a disciplina. Além disso, o esporte ensina o aluno a ter respeito às normas e diretrizes da sociedade e empatia para com o próximo. Em outras palavras, o esporte torna o indivíduo muito mais social”, afirma.
O pugilista revela que antes do boxe, era um jovem apático e que não entendia bem o papel dele na sociedade, já que não sabia o que queria fazer da vida. Entretanto, com a chegada do esporte, ele ganhou um direcionamento, teve um caminho a trilhar.
“Comecei a pensar em trabalhar com projetos sociais, cursar educação física, trabalhar com relações humanas. Comecei a entender que as pessoas precisam desse apoio e que eu me sentia bem ajudando próximo de algum jeito”, conta.
Ele ressalta que foi por meio do esporte passou a ter mais respeito pelas coisas, como cumprir os horários, respeitar mais as pessoas, enfim, a vida se transformou.
“O boxe mudou praticamente tudo na minha existência. Comecei a cumprir mais horários dos meus compromissos, passei a ter mais respeito com os colegas e pessoas do meu dia a dia. Além do mais, passei a ser uma pessoa mais social”, diz.
Santos conta que o futebol foi o seu primeiro esporte, todavia faz questão de enfatizar que sempre foi ligado ao mundo da luta. “O problema era as condições financeira que não permitia praticar algumas modalidades até que conheci o projeto, a Academia de Boxe Pirajá em 2012, e não parei mais de praticar”, fala.
Devido ao dia corrido, com o emprego e cursos, ele não participa tanto de competições, no entanto logo no início no boxe participou de vários torneios. O pugilista já foi aluno e hoje é instrutor na academia e fala que se sentiu feliz orientando outros praticantes.
“Me sinto muito bem, muito feliz e com uma responsabilidade muito grande. O boxe torna o nosso corpo uma arma. Então, você tem que ter essa parte de humana de educar o jovem ou o adulto para entender que aquilo é um esporte e não se deve usar para agredir ou diminuir alguém. Ou seja, mostrar que devemos sempre manter o autocontrole mental”, explica.
Ele destaca que a academia é a segunda casa dele, é extensão da sua vida.
“A academia é a extensão da minha vida é um espaço físico que traz muitos aprendizados, porque quando a gente começou a treinar o nosso ambiente era dividido com outras modalidades, contudo, hoje em dia, esse espaço é só nosso”, fala e completa: “às vezes quando chego do trabalho dou uma passada lá só para ver se tá tudo em ordem, mesmo nos dias que não tem treino. Sem dúvida é a minha segunda casa”, diz agradecido.
Luiz Eduardo diz que após entrar na academia teve uma interação muito mais social com as pessoas e, além disso, o projeto sempre buscou a educação do indivíduo e formação do atleta. Ele acentua que qualquer pessoa pode treinar o boxe, em razão disso os interessados devem procurar uma academia de referência, com professores qualificados.
“Qualquer pessoa pode treinar boxe. É claro que dependendo da idade e das limitações físicas, deve ter uma adequação nos treinos. Aliás, o correto, é sempre procurar uma academia com referências e professores qualificados”, explica.
Santos chama atenção para um assunto negativo. Ele diz que o boxe ainda é marginalizado na sociedade.
“Sem dúvidas o boxe é muito marginalizado pela sociedade, até mesmo pelo seu contexto histórico. Antes, o boxe era praticamente praticado com as mãos ‘nuas’, sem uma organização adequada, sem uma federação para estruturar todos os eventos e torneios”, desabafa.
Ainda assim, ele acredita que esse cenário pode mudar por meio da disciplina:
“Acredito que para mudar esse cenário a disciplina é o melhor remédio. Nos últimos 6 anos o boxe vem se organizando, se consolidando e adquirindo respeito e notoriedade na sociedade, isso se dá por professores aptos, organização e boa visibilidade do esporte que vem ganhando espaço no país”, pontua.
Ele manda um recado para as pessoas que querem praticar o pugilismo, porém não tem coragem.
“Acredito que tudo é o primeiro passo. Muitas pessoas passam pela porta da academia e às vezes não entram por vergonha. É normal a gente ter essa dificuldade de se comunicar, mas seja no boxe, no judô ou em qualquer modalidade que você tenha o desejo de praticar podem entrar sem medo, porque 90% das pessoas que estão lá vão te receber de braços abertos”, finaliza.
Academia Boxe Pirajá
O professor de boxe, Joseval Soares da Hora, 59 anos, coordenador de equipes de treinadores da Academia Boxe Pirajá, diz que o esporte na comunidade é de suma importância no desenvolvimento do caráter da criança e do adolescente e isso gera disciplina e passam a ter uma visão diferenciada sobre a vida. Além de não se tornar um alvo fácil para o mundo do crime e das drogas.
O professor explica que o projeto surgiu em 2008 com o objetivo de ensinar a luta para as pessoas que não tinham acesso à academia. “A minha intenção foi de compartilhar o nosso conhecimento com as pessoas que não podiam pagar uma academia”, revela e pontua que o boxe é um dos meios de inclusão social nas periferias que oferece oportunidades de melhoria de vida para crianças e adolescentes. “O boxe é um dos meios de inclusão social em uma periferia, dando oportunidade as crianças e aos jovens de se tornarem um atleta olímpico”, garante.
De acordo com Joseval Soares, o boxe não é somente uma arte marcial, mas sim uma forma de oferecer disciplina para uma vida toda.
O professor ressalta que a academia, na qual já passaram centenas de pessoas e hoje em dia possui uma média de 40 alunos, tem um papel importante de incentivar a prática do esporte no bairro de Pirajá. “A academia dar a oportunidade ao um jovem desse sair do anonimato e ganhar o mundo defendendo as cores do Brasil, como atleta de alto rendimento”, diz e revela que tem um sonho: “que haja mais investimento no esporte, pois isso concebe mais saúde e transforma positivamente as pessoas”, pontua.