Equipe premiada de jiu-jitsu nasceu na periferia paulistana

Jovem iniciou projeto social no quintal dos fundos de casa e hoje reúne alguns dos melhores atletas do mundo

2 mai 2023 - 11h26
Aluna da Academia Almeida JJ ganhando campeonato europeu neste ano. Rede começou com projeto social em São Paulo
Aluna da Academia Almeida JJ ganhando campeonato europeu neste ano. Rede começou com projeto social em São Paulo
Foto: Divulgação

“É uma história linda demais, de filme. Se contar, ninguém acredita”, diz Diego Almeida, que até hoje parece duvidar da trajetória da rede de academias que começou no quintal dos fundos de sua casa, na zona leste de São Paulo, há 25 anos.

Não é para menos, pois a iniciativa de um jovem sonhador formou atletas que estão no topo da modalidade, em nível mundial, além milhares de cidadãos. Hoje, são 3.500 alunos na capital e interior paulista, além de Argentina, Chile, Peru, Estados Unidos, Portugal, Japão e Arábia Saudita.

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Resumindo muito a história, um ponto inicial é a zona leste de São Paulo nos anos 1970. Nela mora um casal de imigrantes nordestinos. Os Almeida são batalhadores enfrentando as lutas comuns ao povo pobre: dificuldades financeiras, problemas familiares, três filhos para criar, que ficam a maior parte do tempo ociosos. A alimentação garantida é a da merenda escolar.

Os pais de Diogo, Caio e Gustavo trabalham o dia inteiro; o pai faz um segundo turno, à noite, dirigindo taxi. Durante o dia, quando as crianças não estão na escola – incontáveis aulas vagas no ensino público – ficam pelas ruas e nas casas dos vizinhos, que acabam ajudando a criar a molecada da área.

Alguns se perdem, são presos, mortos, outros conseguem se agarrar a empregos precários, mas o trio Almeida tem sorte. Um milagre social que, como diz o irmão mais velho, parece filme de ficção – na verdade, seria um documentário, bem realista.

Professor provoca: o que estão fazendo pela sociedade?

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Na infância pobre dos três irmãos Almeida, um projeto social de jiu-jitsu na Cohab 2, em Itaquera, atrai crianças e jovens da região, entre eles Diogo, o mais velho, que puxou a fila desta trajetória inacreditável. Ele começa a treinar, gosta, e, logo depois, consegue bolsa para cursar Educação Física. Era 2006.

Provocado por um professor, Diogo Almeida iniciou projeto social na zona leste de São Paulo, formando campeões mundiais
Foto: Divulgação

“Fazia bicos de pedreiro, ajudante geral, lavava carro, entregava pizza e investia na faculdade. Mudou minha vida e eu consegui mudar a vida de muita gente. É muito difícil sair da bolha, mas a coisa aconteceu.”

O que aconteceu? Em uma aula, estudantes discutem política, reclamam dos governantes, e o professor provoca: o que vocês estão fazendo pela sociedade? A pergunta toca fundo em Diogo. Ele pratica jiu-jitsu há dois anos e toma uma atitude inusitada.

“Comprei um rolo de tecido, de brim, levei para uma costureira, pedi para fazer quimonos e chamei crianças da vizinhança para treinar no quintal do fundo de casa”, relembra. Segundo seu irmão, Caio, ele é “faixa preta em atitude”.

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O quintal – parece mais um matagal – reúne 15 crianças, três vezes por semana, de manhã e à tarde. Alunos e alunas têm entre sete e quatorze anos. Diogo relembra: “Eu não tinha dinheiro para nada, tirei de onde não tinha”. São cinco anos treinando no quintal, o irmão Caio se envolve e, “de repente, a coisa começou a acontecer.”

Uma história transformada, entre várias

Criança pobre da zona leste, Cleber Souza vende marionetes. Passa o dia armando varetas de madeira e comercializa seus brinquedos à noite, em um parque. Precisa ajudar no sustento da família. Uma vez, recebe nota falsa de 50 reais.

Desespera-se, mas tem a quem recorrer. Vai chorando até a casa do professor de jiu-jitsu. Caio Almeida nunca se esqueceu da cena. “Era o dinheiro de uma semana inteira de trabalho, o sustento dele. Me partiu o coração. A humilhação que ele passou vendendo brinquedo para outras crianças, sem poder brincar, me marcou muito”.

Cléber Clandestino vendia marionetes quando criança. Hoje é campeão mundial, morando nos Estados Unidos
Foto: Divulgação

Atualmente, Cleber “Clandestino” Souza é campeão mundial de jiu-jitsu. Mora nos Estados Unidos e não se esquece de como começou. “Fui convidado pelo meu primo para fazer uma aula experimental. Para minha sorte, ficava bem perto de casa. Me apaixonei, não faltava um dia.”

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O projeto social dos Almeida começa a ser levado para academias. Chegam a ter 40 locais oferecendo jiu-jitsu. Então dão o próximo salto.

Aulas em academias de terceiros, até abrirem as próprias

Durante seis anos, os Almeida atuam associados à marca Gracie. Até que abrem seus espaços próprios, em 2016. Começam com dez unidades.

“Desde então, nós somos a melhor equipe de São Paulo em todas as categorias, eleita pela Federação Paulista de Jiu-Jitsu, principal instituição do esporte no estado”, diz Diogo.

Segundo Caio, “as crianças foram virando lutadores e hoje são os principais atletas da nossa equipe, são nossos amigos. Somos até padrinhos de casamento de dois alunos que são campeões mundiais de jiu-jitsu”.

Caio Almeida, o irmão do meio, em foto após ganhar mais um campeonato no domingo de Páscoa deste ano
Foto: Divulgação

Ele se refere ao casal Leo Lara e Bia Basílio, irmã de outro campeão, Raul Basílio, grandes nomes do esporte, da turma do quintal dos Almeida.

“Quem fez acontecer fomos nós e eles. Teve aluno que, em pouco tempo, estava ganhando mais do que o pai”, conta Caio.

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Crescimento do negócio de jiu-jitsu

“Resistimos ao pior momento para agora viver nosso melhor momento”, analisa Diogo Almeida sobre a pandemia. Olhando para trás, após o projeto social, a abertura de academias, a formação de campeões e o reconhecimento mundial, o que mais eles querem?

Com a força da marca, estão entrando no negócio de franquias. “Começou o crescimento administrativo”, abraçado por Gustavo Almeida, o último a se integrar ao trio de irmãos, na fase das academias da família. Ele é vice-campeão brasileiro, campeão estadual algumas vezes.

“Estou trazendo a experiência de negócios, gestão, coisas que o mundo tem de bom. Gosto muito de tatame, mas ao mesmo tempo sou aberto à cultura interdisciplinar”, diz Gustavo.

Gustavo Almeida: vitórias no tatame e faro para os negócios. Agora, academias são franquias
Foto: Divulgação

Mudar o mundo, pelo menos das pessoas ao redor

O projeto social, enfraquecido com a pandemia, não acabou. Ainda é oferecido em vários locais. Um exemplo é a casa alugada por Caio Almeida e a esposa. Inaugurada em janeiro deste ano, é uma residência esportiva. Nela, recebem atletas do interior de Minas Gerais, Manaus, Bahia.

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“É um pessoal pobre, sofredor e sonhador. Acordavam quatro horas da manhã para trabalhar na roça, treinavam de noite. Agora eles ficam o dia inteiro na academia”.

De olho na continuidade: alunas e alunos de 8 a 15 anos do projeto social Almeida JJ em São Paulo
Foto: Divulgação

São jovens na faixa dos 20 anos, que tem até psicóloga. Estão começando a ganhar campeonatos e, no próximo ano, devem ingressar na universidade. “Quero fazer eles serem os melhores atletas do mundo, mesmo. Campeões no tatame e campeões da vida”, diz Caio.

“Se eu puder falar uma última coisa que veio agora na cabeça e no coração, a história de superação fica mais bonita com as histórias que são criadas ou transformadas pelas nossas, através do jiu-jitsu. É Deus agindo”, acredita Gustavo.

Fonte: Redação Terra
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