Durante as partidas da Taça das Favelas SP, torneio que reúne craques da várzea, a torcida parece jogar literalmente com os times. Porém, a cada novo jogo o coro de vozes é engrossado pela presença de dois locutores indispensáveis para o espetáculo. O primeiro é Alexandre da Fonseca, 37, conhecido por todos como MC Toty. Já o segundo atende pelo apelido de Perninha, mas se chama Sandro Rogério Gomes Alves, 48.
Eles são responsáveis por dar ritmo, cadência e a dinâmica necessária a cada partida, fazendo a narração, os comentários e as entrevistas com jogadores e torcedores. O principal papel de Perninha e MC Toty é entreter o público, mas para isso acontecer é preciso conhecer os caminhos do campo, das arquibancadas e, principalmente, dos becos e vielas por onde os times de várzea passam até chegar a uma partida, e disso a dupla entende bem.
“Os meninos que vivem no extremo das comunidades sentem como se tivessem em um jogo profissional quando são entrevistados pelos locutores. Além disso, a festa que eles fazem com as torcidas nas arquibancadas é muito importante, pois dão voz e espaço para familiares como eu que, pela primeira vez, vi meu filho disputar a Taça das Favelas SP”, elogiou Solange Hernandes, mãe do atacante Leonardo Hernandes, do Complexo Perus.
Mestre de cerimônias oficial
MC Toty é morador do Parque Santo Antônio, periferia da zona sul de São Paulo e, desde muito cedo, aprendeu a driblar as dificuldades da vida com um sorriso no rosto que lhe é peculiar. Nem mesmo a morte prematura do pai, e de um primo muito próximo, fez o MC desviar do caminho do bem e interromper a busca pelo sonho de ser feliz.
Casado e pai de dois filhos, Toty também é produtor musical e, segundo o locutor oficial do gramado da Taça das Favelas SP, foi a música que salvou e salva a sua vida diariamente no território que vive. “Eu vim de um bairro aonde, antigamente, não oferecia muitas coisas boas, mas eu sempre soube que para vencer dependia de mim. Foi com esse pensamento que me entreguei à música de corpo e alma e isso me levou à Taça das Favelas”, contou o MC.
Em 2019, antes da pandemia do coronavírus, Toty conheceu a Taça das Favelas por meio da Central Única das Favelas (Cufa) – organização não governamental que idealizou o torneio há dez anos. Na edição de 2022, Toty foi convidado pelos organizadores do torneio para desempenhar o papel de locutor, narrador, repórter de campo e caiu no gosto.
“Por ser morador de favela, por conhecer a linguagem da quebrada, ele foi recebido positivamente por todas as equipes, sem exceção, inclusive recebendo elogios a cada narração, entrevista e interação com jogadores em campo”, ressaltou Genivaldo Antônio Alves, o Dedé, produtor da Taça das Favelas em São Paulo.
Perninha, a voz das arquibancadas
Outro personagem que caiu nas graças das torcidas foi o motorista de carro por aplicativo, Perninha. Dono de um carisma incrível e uma rede social com quase 26 mil seguidores, o morador da favela Teleatlas, localizada no Tatuapé, zona leste da capital, é o verdadeiro significado de resiliência. Isso porque, aos 17 anos uma doença chamada osteomelite crônica avançou sobre o osso de sua perna direita obrigando os médicos a tomar a dura decisão de amputar o membro.
Amante do futebol desde pequeno e, mesmo passando pelo revés da vida de ter tido uma amputação, Perninha sempre esteve envolvido com o futebol seja jogando ou treinando equipes da várzea paulistana. Mas, foi por meio do trabalho voluntário desenvolvido junto à Cufa que o pai de três filhos se tornou um dos locutores oficiais da Taça das Favelas SP.
“Por ser um deficiente físico luto para termos mais visibilidade, para afastar aqueles olhares de dó e transformar o preconceito em oportunidade de mostrar a nossa história de superação. De certa forma eu não me considero deficiente, pois sou igual a todas as pessoas e não é a perna que me faz diferente de ninguém”, afirmou o locutor das arquibancadas.
O papel desempenhado por Perninha durante os jogos do campeonato transcende o entretenimento. Quem vai ao campo do Clube Manchester aos sábados e domingos se impressiona ao ver o locutor subir e descer a escadaria da arquibancada, com o auxílio de sua perna mecânica, em busca de uma boa entrevista com os torcedores.
“Com uma comunicação fácil, o Perninha mostrou habilidades que ainda não conhecíamos. Desde uma entrevista com algum familiar ou quando se envolve, literalmente, dentro da torcida ele mostrou que é capaz de desenvolver outras funções e isso é muito importante para quem vê de fora”, destacou Dedé.
Em uma partida de futebol é possível descobrir muitas sensações, inclusive sentir os gritos que vêm das arquibancadas invadindo os ouvidos e arrepiando os pelos do corpo. Tão importante quanto as belas jogadas, os títulos e a história dos clubes, a torcida – maior patrimônio de uma agremiação – é peça fundamental dentro e fora das quatro linhas.
Assim como as torcidas organizadas, compostas por homens, mulheres e crianças que se revezam repetindo palavras de ordem e incentivo, repicando as baquetas na caixa de percussão antes, durante e depois de cada gol, os artistas dos microfones da Taça das Favelas funcionam como verdadeiros maestros orquestrando as massas e dando um show dentro do campo, nas arquibancadas ou nas favelas de São Paulo.